28 Setembro 2012
Os avanços sociais alcançados no governo de Hugo Chávez colocaram a "Revolução Bolivariana" numa sinuca. Durante 14 anos de chavismo, o índice de pobreza caiu de cerca de 50% para 30% da população, enquanto a pobreza extrema se reduziu de 20,3% para 8,5%, segundo dados oficiais. Agora, o governo que pretende construir o "socialismo do século XXI" tem o desafio de convencer milhões de venezuelanos que ascenderam à classe média a não consumir - pelo menos não nos padrões de uma sociedade capitalista. Passada a etapa da redução da pobreza, é hora de consolidar o socialismo.
A entrevista é de Fabio Murakawa e publicada pelo jornal Valor, 28-09-2012.
Esse é o diagnóstico de Jesse Chacón, um dos principais personagens do chavismo, figura próxima do presidente que tenta se reeleger no dia 7 de outubro, num embate contra o candidato único da oposição, Henrique Capriles.
Com Chávez, Chacón foi, entre outras funções, ministro da Comunicação, do Interior, Ciência e Tecnologia, e das Telecomunicações. Fora do governo desde 2009, devido a um escândalo financeiro envolvendo seu irmão, ele hoje dirige o GIS XXI, um centro de estudos chavista que também publica pesquisas de opinião e de intenção de voto. Seu nome é dado como certo na composição do ministério para um eventual novo mandato de Chávez, algo que ele nega querer.
Militar, Chácon participou da tentativa de golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Perez, em novembro de 1992, pelo qual foi preso.
Chacón admite o risco de instabilidade política após as eleições, principalmente se o resultado for apertado. Fala ainda sobre a relação de Chávez com o Brasil sob Dilma Rousseff e o futuro da "revolução". Ainda que esteja formalmente fora do governo, suas respostas sugerem para onde irá a Venezuela num novo mandato de Chávez, entre 2013 e 2019.
Eis a entrevista.
Como o senhor crê que as Forças Armadas reagiriam a uma derrota do presidente Hugo Chávez nas eleições de 7 de outubro?
O presidente Chávez disse que aceitará os resultados do CNE [Conselho Nacional Eleitoral], e isso é uma clara mensagem às Forças Armadas. Então, eu creio que nesse hipotético caso as Forças Armadas reconhecerão o resultado. Agora, já que você tocou nesse tema, o maior perigo é que se nota na oposição uma atitude de não reconhecimento [de uma eventual derrota]. Isso é um elemento que gerou certo clima de instabilidade. Se os dois candidatos dissessem que reconhecem os resultados, de alguma forma seus seguidores vão reconhecer. Mas eu creio que, quanto menor a diferença [entre Chávez e Capriles], maior a possibilidade de desestabilização.
Qual seria uma diferença segura para que não haja problemas após as eleições?
Em 2004, o presidente Chávez ganhou o referendo [convocado pela oposição e no qual a população votou pelo seu não afastamento da Presidência] por 59% a 41%, uma diferença de 18 pontos. E gritaram "fraude!". Talvez uma diferença de dez pontos, 55% a 45%, para a oposição não seja suficiente e eles queiram tomar as ruas, quando em qualquer democracia ocidental isso é um triunfo considerável. O que eu espero é que as correntes mais democráticas dentro da oposição sejam as que se imponham, e não as mais extremas.
O candidato Capriles representa uma aliança de mais de 20 partidos, da extrema direita à extrema esquerda. Que tipo de governo se pode esperar dele?
Capriles é, na verdade, o representante dos interesses do duopólio agroindustrial desse país. Ele está na Mesa de Unidade Democrática [MUD, coalizão de oposição] porque é a forma que a oposição se organizou para derrotar Chávez. Mas o grupo de Capriles está fora dessa MUD. Quem está por trás de Capriles? As três empresas que agrupam mais de 80% do mercado agroindustrial venezuelano, que são a Polar, Kraft, que é do pai dele, e Alfonzo Rivas. Além do banco mais conservador deste país, que é o Banco Venezuelano de Crédito. Quem realmente pilota Capriles são eles. Eu não esperaria nada além de um governo controlado por esses grupos.
Como seria esse governo?
O que esses grupos estão buscando é que o Estado diminua seu tamanho e que sejam os grandes grupos industriais que estão por trás de Capriles que controlem a economia.
Capriles tem prometido manter os programas sociais do governo. O sr. acredita nisso?
Para se vencer uma eleição hoje na Venezuela, é preciso parecer um candidato de esquerda. Mas é impossível manter as "missões" [conjunto de programas sociais] sob o esquema que eles estão arquitetando para a economia. As missões significam uma redistribuição da renda petroleira. E já está anunciado nos planos deles que a [estatal petroleira] PDVSA não se dedicará à atividade social. Eu creio que isso é simplesmente uma oferta eleitoral. Parece um paradoxo, mas o mesmo êxito que o governo obteve com as missões tem servido de palanque para que eles prometam mais.
Caso Chávez vença, qual será o rumo do governo? Qual é a próxima etapa da "revolução"?
Esse processo teve dois grandes avanços. Na área social e na participação política. O grande desafio agora é definir claramente qual é o modelo econômico.
Como assim?
O modelo econômico hoje, na Venezuela, é misto, com convivência do que se chama de propriedade privada com a propriedade social indireta, que é a propriedade que está na mão do Estado, e propriedade social direta, que é propriedade que está nas mãos da comunidade. O grande desafio é definir claramente como entra cada ator dentro desse modelo. Está previsto na Constituição o autogoverno local, e no nosso caso essa organização se chama "comuna". Há conselhos comunais que, hoje, já fazem diagnósticos de seus problemas. Nessa primeira fase, eles fazem esse diagnóstico e solicitam os recursos ao governo. O passo que falta é que eles sejam capazes de gerar excedentes para que, com seus próprios recursos, resolvam seus problemas coletivos. A utopia desse processo é a autogestão local. Mas isso tem que ser definido nessa próxima etapa.
Nessa "Venezuela utópica" socialista, como fica o desejo de consumir da classe média que emergiu da pobreza?
Todas as sociedades capitalistas são construídas sob o princípio da diferenciação. Você se localiza em um estrato social e a estrutura te faz olhar sempre para cima. Você não quer ser como é, quer ser como o de cima, esse é o seu desejo. Acontece que nós empurramos [as pessoas para cima na escala social] e não mudamos o desejo delas. Então, o processo está prosseguindo com um problema, sobretudo na classe C. E essa classe média é muito contrária ao processo, porque seus desejos são contrários ao processo. Nós ainda seguimos num modelo capitalista, ainda estamos muito longe de um modelo socialista. É preciso buscar não a eliminação do consumo, mas a eliminação do consumismo.
Ainda na "Venezuela utópica", qual é o papel das grandes empresas, dos grandes bancos, das multinacionais?
Creio que o papel que essas empresas possam ter aqui estará subordinado a que trabalhem dentro do marco de um Estado que tem como foco a distribuição de renda, o controle do Estado para criar o bem-estar e para fazer o modelo sustentável do ponto de vista econômico. As multinacionais, nesse processo revolucionário, não terão a liberdade de entrar no país e fazer o que quiserem, como em outros países. Aqui, elas terão que entrar sob um marco regulatório que, de alguma forma, privilegia a redistribuição [de renda]. Esse é um modelo construído sob o conceito do Estado forte, ao contrário de outros modelos na América Latina e na Europa.
E, nesse país ideal, qual é o papel da oposição? Há espaço de alternância de poder?
Claro que sim. Houve uma época na Europa em que falar de esquerda significava nunca vencer as eleições. Então, o Partido Socialista francês disse que queria a livre iniciativa. Neste momento, na Venezuela, o que acontece é que o momento é de esquerda. Por isso, a candidatura da direita quer se parecer com a esquerda. Então, se a esquerda continuar fazendo bem, ela deve seguir no poder. A menos que a direita consiga se disfarçar de esquerda e vender-se bem. Mas eu creio que este país já não tem retorno ao país de 1998.
Chávez conseguiu aprovar a reeleição indefinida. Até quando ele pode governar?
Eu acho que isso é algo que se tem que perguntar a ele. Teríamos que ver como ele se sente, depois de tudo o que passou neste ano [uma batalha contra um câncer]. O que eu creio é que ele está pensando em como construir um arcabouço institucional. Porque há uma nova geração que se formou dentro do processo. De alguma maneira, isso requer uma institucionalização de como vão fazer [a sucessão]. Quando vai ocorrer, não sei.
Passados 14 anos de governo Chávez, as vendas de petróleo representam 96% das exportações da Venezuela. O governo fracassou em diversificar a economia?
Este país é desde o século XX um país monoexportador. O que eu creio é que têm sido semeadas as bases para que outros campos conectados a essa atividade principal, que é o petróleo, comecem a se desenvolver. As agroindústrias, a mineração.
O presidente Chávez tinha uma relação muito próxima com o ex-presidente Lula, de muita amizade e de apoio político explícito, que não ocorre com a presidente Dilma. Houve um distanciamento político entre Venezuela e Brasil depois que Dilma assumiu a Presidência?
Eu não creio nisso. Quando eu era ministro, estive várias vezes com a presidente Dilma quando era ministra de Lula. Acredito que é uma questão de personalidade. Lula era mais dado ao manejo da política. Dilma é, por assim dizer, uma presidente com uma formação mais técnica do que política. Talvez por isso, ela administre sua relação em outros termos, tanto dentro do Brasil como fora do Brasil. É inegável que havia uma relação pessoal muito mais íntima entre Chávez e Lula do que entre Chávez e Dilma. Mas, apesar disso, as relações Estado-Estado entre Brasil e Venezuela seguem nos mesmos níveis em que estavam durante o governo Lula.
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Venezuela deve convencer pessoas a consumir menos, diz chavista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU