28 Setembro 2012
Nos últimos 15 meses, o primeiro-ministro de Portugal, o conservador Pedro Passos Coelho, quis fazer do país a segunda "success story", depois da Irlanda, no cumprimento do programa de socorro financeiro de € 78 bilhões para evitar a bancarrota nacional.
A austeridade tem sido generalizada, a demanda interna desmoronou, a receita fiscal ficou pior do que previsto, o país sofre nova contração econômica, de 3% do PIB. Mas houve também avanços na área externa. E havia o sentimento, na sociedade, de que o sacrifício podia se justificar para reequilibrar a economia após anos de excessivo endividamento público e privado.
A reportagem é de Assis Moreira e publicada pelo jornal Valor, 28-09-2012.
Há três semanas, surgiram sinais de melhores perspectivas e menos aperto: o Banco Central Europeu (BCE) anunciou a compra ilimitada de títulos públicos dos paises em dificuldade, como Portugal. E a troica de credores - FMI, BCE e Comissão Europeia - deu mais prazo para o país reduzir o déficit público, numa espécie de prêmio ao "bom aluno".
Mas foi justamente o momento em que Passos Coelho escolheu para ir à televisão anunciar mais medidas de austeridade: elevação em 7 pontos percentuais (para 18%) da cotização dos trabalhadores para a Previdência Social, representando baixa geral de salários de 7%. E, ao mesmo tempo, redução da taxa para as empresas em quase 6 pontos percentuais (de 23,7% para 18%). Os € 2,8 bilhoes de que o governo abria mão para as empresas seria compensado com a cobrança adicional dos mesmos € 2,8 bilhões aos trabalhadores.
A percepção de falta de equidade no sacrifício causou enorme abalo no consenso político e social em torno dos ajustes e a maior manifestação de rua desde a Revolução dos Cravos, em 1974, que trouxera a democracia de volta ao país. Sob pressão dos protestos e para evitar o colapso da coalizão no poder, Passos Coelho voltou atrás esta semana. Disse que a medida "não foi entendida pela população". Mas advertiu ser necessário garantir um "choque de competitividade", como exige a troica, e que, se não houver consenso sobre uma alternativa, o governo vai agir sozinho.
Mas o estrago já foi feito pelo "bom aluno". A margem de manobra de Passos Coelho para impor ajustes mais dolorosos encolheu. "O pior é que agora há uma descrença no remédio do ajuste", constata o diretor-geral da Confederação Empresarial Portuguesa (CIP), Antonio Alfaiate, em seu escritório com vista para o Tejo.
O setor empresarial mostra-se atônito com a atitude do governo: "Fomos todos surpreendidos pela medida. Deu a imagem de Robin Hood às avessas, tirando dos trabalhadores para dar aos ricos. Não pedimos nada disso", disse Alfaiate.
Afora as companhias exportadoras, todo o resto das companhias beneficiadas com a baixa da cotização reagiu contra. "Para que ter menos imposto quando produzimos sapato mas não há quem compre?", diz Alfaiate. Mesmo um empresário que exporta 95% de sua produção, Joaquim Menezes, da Iberomoldes, diz: "Existiu precipitação e (o governo) criou tensão desnecessária".
O Conselho Econômico e Social - órgão consultivo do governo, constituído por sindicatos, confederações patronais e outras organizações da sociedade - sugeriu ao governo que não adote medidas de maior restrição da demanda interna, que derrubem mais as receitas fiscais e aprofundem a recessão. Existe uma aparente suspeita sobre a habilidade política do governo para equilibrar o ajuste e algum crescimento econômico.
Passos Coelho, determinado a garantir um "choque de competitividade": se não houver consenso sobre uma alternativa, o governo vai agir sozinho, afirma
"Portugal chegou ao limite da austeridade", disse o professor Antonio Costa Pinto, da Universidade de Lisboa. "Sem crescimento econômico, já não dá para fazer mais cortes, porque seguiríamos o caminho dos gregos."
Lisboa espera receber em breve nova parcela de € 4,5 bilhões do pacote de socorro. Ao mesmo tempo, o governo precisa arranjar entre € 4 e 5 bilhões para fechar o orçamento do ano que vem.
Ao contrário da Grécia, as principais forças políticas em Portugal ainda reconhecem que mais sacrifícios são necessários para equilibrar as contas públicas. Até agora, o governo atacou sobretudo no que ainda havia de gordura. Resta atacar no osso - ou seja, no próprio modelo de bem-estar social. E aí aumenta a dificuldade.
Os tempos de crédito fácil levaram o país a construir algumas grandes estradas paralelas, totalmente sem necessidade. Por sua vez, a saúde pública é um exemplo na Europa e praticamente de graça. Um grande empresário contou numa roda social que sua mulher teve câncer e foi se tratar num hospital público. Saiu curada. O empresário foi ao hospital pagar o tratamento, mas não pôde, porque é tudo público. Insistiu, argumentando que tinha recursos e não achava correto não pagar. A solução encontrada foi contribuir para um fundo de formação de médicos.
Uma ideia seria fazer pagar quem pode, mas o debate está longe de indicar consenso. Na educação, a taxa máxima na universidade é de € 1.030 por ano. O governo, porém, não vai correr o risco de levar a juventude para a rua mais ainda.
O orçamento da educação foi cortado em 7% neste ano e deve sofrer redução de mais 3% no ano que vem. O ministro da Educação, Nuno Crato, reconheceu, em conversa com o Valor, que há centros universitários muito próximos de outros e alguns sem alunos suficientes. Deverá haver "racionalizações", admite.
O governo está na política de "raspar a panela", aumentando toda taxa possível. Em uma semana, elevou até a taxa para divórcio, agora de € 625 euros (€ 75 a mais) e impôs a cobrança de € 200 para reconhecimento de mudança de sexo.
A exasperação é visível entre os portugueses diante de tanta taxação, quando sua renda não cessa de baixar. Em bares e restaurantes de Lisboa, o cliente se defronta com o mesmo cartaz: "Desculpa, mas paga 23% de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) de 23% ao fisco". Até o começo do ano, a taxa era de 13%.
Nas lojas, outros cartazes anunciam abatimentos de até 70%, mas estão vazias. "É muito duro passar de cavalo para burro", diz Mariana, cabeleireira que trabalha próximo da praça da Figueira, no centro de Lisboa, para resumir como seu nível de vida baixou.
Alfaiate, da Confederaçao Empresarial Portuguesa, e o chofer de taxi José Américo dizem, no espaço de alguns minutos, a mesma frase: "O pior é que não há luz no fim do túnel, não vemos esperança".
O número de falências subiu de 3.678 empresas em 2009 para 4.532 no ano passado. O desemprego está proximo de 16%. A taxa entre os jovens até 24 anos chega a 35,5%.
Há pelo menos algo positivo: o resultado das exportações. Portugal conseguiu compensar em boa parte a queda da demanda europeia, particularmente da Espanha, e ampliou as vendas sobretudo para dois mercados: Angola e China, para onde exporta muitos carros.
Mas Alfaiate conta que o setor exportador, o único motor da economia que está funcionando, ameaça sofrer pane. É que o crédito está escasso e cada vez mais caro. A contração de financiamento foi de 8% em 12 meses. As taxas pularam de 5% para 7,6% desde 2010. "As estatísticas sao enganosas, porque muita rejeição é feita já no telefone. Os bancos dizem para as empresas nem pedirem dinheiro, que não vão ter."
Outra dificuldade é a imagem do país junto a novos compradores e em novos mercados, que temem que as empresas quebrem financeiramente em Portugal, diz o empresário Joaquim Menezes, um dos lideres na área de novas tecnologias no país. Além disso, diz que o preço da energia elétrica subiu 29%, aumentando custos de produção e reduzindo a competitividade. "Estamos apreensivos, porque fazemos parte do mesmo sistema. Os efeitos colaterais podem ser problemáticos, mesmo para as empresas que neste momento desenvolvem seus negócios com alguma normalidade", disse.
Para o Deutsche Bank, uma grande fonte de vulnerabilidade de Portugal é o nivel do endividamento do setor privado, que chegou a 232% do PIB em 2011, mais que os 208% do PIB na Espanha. O setor privado reduziu seu endividamento em 3% do PIB, desde 2009, proporção que se compara a 10% do PIB na Espanha. Desde o ano passado, a desalavancagem em Portugal cresceu fortemente e isso também reduz a demanda no país.
É nesse ambiente que se realiza o Ano Brasil-Portugal, com manifestações artísticas nos dois lados do Atlântico. O Brasil trará dezenas de espetáculos a Portugal. "Em tempos de crise, pelo menos haverá uma boa música para aliviar", diz Antonio Grassi, comissário geral da iniciativa em Portugal.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Portugal. Ajustando contas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU