04 Dezembro 2013
A pesquisa do jesuíta Yves Raguin tem uma dimensão existencial e se alinha à de outras importantes figuras da mística e da teologia católica contemporânea, que também viveram em contato e, muitas vezes, em comunhão com as experiências espirituais orientais.
A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 01-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ele tem a capa um pouco enrugada e traz a poeira do tempo, mas eu reencontrei o livro Cammini di contemplazione que eu comprei em 1972. Quem o traduziu do original francês de 1969 foi Enzo Bianchi, o atual prior de Bose, à época certamente desconhecido, para a maioria das pessoas, mas já atento aos temas da vida espiritual.
O autor daquele texto era um jesuíta, Yves Raguin, nascido em 1912 nos arredores daquele delicioso vilarejo medieval que é Chinon, dominado por um grandioso castelo, um dos tantos do Loire. Já durante os seus estudos de teologia, ele tinha sido atraído pelo fascínio do Oriente chinês, tanto que, em 1946, estava em Harvard para se aperfeiçoar nessa cultura e, em 1949, migrou para Xangai, onde, naquela época, prosperava uma comunidade católica, dotada também de uma universidade.
Mas a China estava prestes a ser abatida pela onda vermelha maoísta, e, assim, o padre Raguin foi forçado a migrar para Taiwan em 1953. Daquela ilha, ele irradiaria não só a mensagem, mas também a sua presença viajando ao Vietnã, Camboja, Filipinas, Macau, Coreia, Hong Kong, fazendo uma série de estadias que se concluiriam novamente em Taiwan.
Aqui ele concluiria um poderoso dicionário, Le Grand Ricci, que seria completado apenas em 2002, quatro anos depois da sua morte ocorrida em 1998. Esse monumento linguístico, composto por sete volumes, 9 mil páginas, 15 mil caracteres chineses com 300 mil significados, trazia o nome daquele extraordinário jesuíta de Marche, Matteo Ricci (1552-1610), que tinha estabelecido a primeira ponte entre catolicidade e mundo chinês.
Sobre Raguin aparece agora uma obra particularmente sugestiva: ela tem uma matriz oral, porque nasce de um curso dado por ele entre 1977 e 1982 em Taipei, capital de Taiwan, por impulso do arcebispo local. O texto revela essa marca didática e, portanto, é útil para o leitor profano ocidental (não só cristão), que quer descobrir – através de uma sinopse ideal – as duas vias da espiritualidade, a do Tao, no seu desfiar-se temático segunda as múltiplas formas orientais, mas também a do cristianismo. Esta, certamente, tem uma raiz evangélica, que cresceu sucessivamente em uma árvore frondosa, a partir de Santo Agostinho, descendendo "pelos ramos" até Mestre Eckhart, Teresa de Ávila, João da Cruz e assim por diante.
Essa comparação entre as duas espiritualidades – é preciso destacar isso logo – não é meramente acadêmica, embora cada página revele em filigrana uma rigorosa matriz filológica e histórico-crítica (não é à toa que, no fim, o sinólogo Matteo Nicolini-Zani anexa um glossário dos caracteres chineses usados pelo autor, com a relativa acepção).
A pesquisa de Raguin também tem uma dimensão existencial e se alinha à de outras importantes figuras da mística e da teologia católica contemporânea, que também viveram em contato e, muitas vezes, em comunhão com as experiências espirituais orientais. Respiraram a sua alma, buscando as suas sintonias, registrando as suas discrasias, admirando a sua pureza e autenticidade: pense-se, por exemplo, em Thomas Merton, em Raimon Panikkar, em Henri Le Saux, em Bede Griffiths ou em Jules Monchanin, só para citar os mais conhecidos.
Estamos, portanto, na presença de uma navegação nos mares do espírito, do divino, do mistério, procedendo segundo o contraponto (não necessariamente dialético) entre transcendência e imanência. E, como afirmava um autor poético-espiritual do século XVI espanhol, Fray Luis de León, "en Dios se descubren nuevos mares cuanto más se navega".
Os novos mares são precisamente aqueles das tradições orientais que vão do budismo ao taoísmo, do zen ao yoga, até o confucionismo. Mas, para navegar sem desviar ou, pior, encalhar na rocha do sincretismo, rocha envolto na névoa de uma banal "con-fusão" das religiões, é necessário empunhar firmemente um mapa náutico.
É isso que Raguin oferece na primeira folha do tríptico em que se articula o seu curso, dedicado justamente à "estrutura do mundo espiritual". São páginas de uma intensidade inesperada em que se desenrolam as questões temáticas centrais, teóricas e existenciais, que logo fazem com que se compreenda como é falsa a vulgata difundida em nível culto e popular segundo a qual a mística é uma espécie de decolagem sentimental-emotiva rumo aos céus etéreos, esotéricos, alienantes.
Quem ler esses capítulos vai se dar conta de como soa falsa e até mesmo banal uma certa espiritualidade oriental que mistura ioga e iogurte, mensagem e massagem, fitness e ascética, espiritualidade contrabandeada de alguns gurus do Oriente, acolhidos com gritinhos de admiração em alguns salões burgueses, prontos para imergir no jogo da "meditação".
Munidos, ao invés, de um mapa sério, chega o momento de zarpar.
A segunda folha do tríptico intitula-se justamente "Viagem ao mundo espiritual": aqui, são propostos os equipamentos para a navegação ao longo de algumas trajetórias, como "a via do Ioga" e "a via do Chan" (termo chinês equivalente ao sânscrito dhyana, ou seja, "visão, meditação"), mas também "a via das formas", da "rumo ao íntimo", "a via expressiva" e "da iluminação".
O último passo, quando se realiza "o ver o eu e o ver a Deus", é a santidade que tem perfis diferentes no Tao e no cristianismo, embora em uma consonância de fundo ou talvez mais de fundo. É por isso que é necessária o último retábulo do tríptico, o que pinta os retratos dos diversos mestres de espírito, a partir de Cristo, Paulo e João, até os autores citados da mística clássica, seja chinês, seja cristã.
Aqui, talvez poderiam ser feitas algumas reservas na releitura que Raguin delineia desses figuras e das suas obras. Isso, porém, não afeta a beleza substancial da terceira tabela, dedicada à concreta declinação das experiências espirituais e das suas linguagens expressivas, muitas vezes semelhantes a moldes rígidos que tentam em vão comprimir a incandescência vital das práticas místicas, das palavras e dos símbolos que devem expressar o inefável.
Mas a riqueza exemplificativa, distendida pela extraordinária competência do jesuíta franco-chinês, também ajuda o neófito a cruzar o limiar do "mistério", termo grego que, paradoxalmente, tem como radical o verbo do silêncio, o myein que é "calar", um silêncio que não é, porém, mutismo, mas sim revelação.
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O Tao levado a sério. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU