Por: André | 29 Outubro 2013
“Medidas difusas, palavreado interminável e, ao final, um compromisso solto de revisar todo o dispositivo migratório, inclusive o tema do asilo político, em junho de 2014, ou seja, depois das eleições europeias”, escreve Eduardo Febbro, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 27-10-2013. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Um pouco mais de vazio político dentro do drama euro-africano. “Tenho – todos temos – em mente as terríveis imagens de Lampedusa e da embarcação que afundou nas águas de Malta há poucos dias. Pessoalmente, nunca vou esquecer os centenas de caixões, o desespero refletido nos olhos dos sobreviventes ou as imagens dos náufragos esforçando-se penosamente para alcançar os barcos de salvamento”. Cecilia Malmström, comissária do Interior na Comissão Europeia, escreveu estas linhas alguns dias antes que, no dia 24 e 25 de outubro, se realizara a reunião dos 28 chefes de Estado e de governo da União Europeia. A reunião estava consagrada à “economia digital”, mas foi tomada por dois temas: a magnitude da espionagem norte-americana contra líderes europeus e a imigração. Não havia um pano de fundo, mas um imenso drama como o das centenas de pessoas que morrem tentando atravessar o Mediterrâneo vindos da África com destino ao Velho Continente. Ao final, a Europa naufragou outra vez. Enquanto os líderes europeus discutiam para não decidir nada, as patrulhas marítimas italianas resgatavam cerca de 800 migrantes nas costas da Sicília.
A simultaneidade dos fatos não arrancou nem a mais remota iniciativa. Medidas difusas, palavreado interminável e, ao final, um compromisso solto de revisar todo o dispositivo migratório, inclusive o tema do asilo político, em junho de 2014, ou seja, depois das eleições europeias. “Estamos todos convencidos de que devemos adotar medidas decididas para evitar que tragédias como esta voltem a acontecer”, disse o presidente do Conselho da Europa, Herman van Rompuy. Ninguém resumiu melhor o cinismo político e a inação como a prefeita de Lampedusa, Giusi Nicolini, presente na reunião de Bruxelas. Nicolini advertiu que se a Europa não adotar de forma comum uma política migratória global, “também a Europa naufragará em Lampedusa”.
Nenhum dirigente político se anima, de fato, a tocar publicamente no tema da migração porque é um campo minado onde espreitam a cada passo a bomba da extrema direita e a veloz conquista das consciências coletivas europeias que se plasmaram nos últimos anos. As decisões políticas, inclusive as socialistas, e as pesquisas de opinião expressam o grau de aprovação dos, finalmente, denominados “discursos populistas”. Uma pesquisa de opinião divulgada na França dá conta ao mesmo tempo do apoio que as ideias veiculadas pela extrema direita têm e da evolução das opiniões públicas sobre esse tema. O líder da direita sarkozista, Jean-François Copé, propôs que não se outorgasse mais a nacionalidade francesa de forma automática aos filhos de imigrantes estrangeiros nascidos na França. Trata-se do sacrossanto “direito de solo”. A pesquisa realizada pelo Instituto BVA para os jornais Le Parisien/Aujourd’hui na França indica que 72% das pessoas interrogadas são favoráveis a essa medida. Outra pesquisa de opinião realizada no começo do mês revelou que 33% dos franceses estão de acordo em que haja um corpo político entre o partido de direita UMP (fundado pelo presidente Nicolas Sarkozy) e a extrema direita da Frente Nacional com a finalidade de governarem juntos.
Com esse teatro poluído como meio ambiente, tocar no tema da imigração é correr o risco de provocar um terremoto eleitoral. Os estudos de opinião realizados há cerca de duas semanas mostraram que, na França, com possíveis 24% a Frente Nacional ganharia tanto as eleições municipais como as europeias de 2014. Pior ainda, caso isso se concretizar nas urnas, a Frente Nacional se converterá no principal partido político da França, deixando para trás o Partido Socialista, no governo, e a direita clássica da UMP. Para onde quer que se olhe, a crise de identidade política é fatal e beneficia os “populismos”.
Na França, a expulsão da adolescente Leonarda Dibrani, do Kosovo, e do estudante Khatchik Karchatryan, da Armênia, desnudou outro aspecto desta transformação: nem os socialistas no poder se salvam do ímã atrativo das ideias da extrema direita. A corrida rumo às urnas não está assinalada pela identidade política que se defende, mas pelo que é mais oportuno dizer ou fazer para superar o adversário, e isso sem limite de ética nem moral. O retorno dessa tendência é nefasto: quando um partido que está no poder, e cujas plataformas políticas e princípios estão a anos luz da extrema direita, põe-se a jogar com a ideia do outro, ou seja, com seu adversário histórico, a única coisa que consegue é dar mais legitimidade ao seu adversário. Quando era presidente, Nicolas Sarkozy legitimou a Frente Nacional apropriando-se das suas ideias, seus sucessores seguiram seus passos e, agora que os socialistas estão no poder, há alguns personagens (Manuel Valls, atual ministro do Interior) que imitam o exemplo. Todos trabalham, em suma, para a extrema direita. Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, sabe que, entre a cópia e o original, os eleitores preferem o original.
Na União Europeia, o tema da imigração é tenso e complexo e não existe coragem política suficiente para abordá-lo sem regateios ou falsas expressões de solidariedade. A Europa está na encruzilhada do resguardo de seus valores e da desordem da realidade. Lampedusa é uma ilha situada no meio do Mediterrâneo que conta com 6.000 habitantes, o que a converte na primeira entrada na Europa para os migrantes da África. Só neste ano, 13.000 migrantes e solicitantes de asilo chegaram a Lampedusa a bordo de 140 barcos.
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A Europa naufragou com os imigrantes. Artigo de Eduardo Febbro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU