01 Abril 2013
Enquanto cada vez mais pessoas se afastam da religião institucional, as expressões públicas de oração têm algum significado real ao redor do mundo? Elas se conectam de alguma forma significativa com as expressões privadas e pessoais de oração? A oração tem alguma importância?
A análise é de Elizabeth Drescher, coautora, com Keith Anderson, de Click 2 Save: The Digital Ministry Bible (Ed. Morehouse, 2012). É professora de religião e ministérios pastorais na Santa Clara University. Seu site é www.elizabethdrescher.com.
O artigo foi publicado no sítio Religion Dispatches, 27-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nesta Páscoa, dois líderes cristãos recém-empossados, o Papa Francisco e arcebispo de Canterbury, Justin Welby, conduziram milhões de pessoas nas orações que remontam aos primeiros dias da Igreja. Mas o que tais orações significam – se é que significam algo – para os crescentes contingentes mundiais e norte-americanos de pessoas religiosamente não filiadas – os Nones – que Francisco e Welby se esforçaram para reconhecer ao assumir seus novos ministérios?
Enquanto cada vez mais pessoas se afastam da religião institucional, as expressões públicas de oração têm algum significado real ao redor do mundo? Elas se conectam de alguma forma significativa com as expressões privadas e pessoais de oração? A oração tem alguma importância?
Uma grande maioria de norte-americanos ainda respondem "sim" a essas perguntas. Cerca de 90% das pessoas filiadas a religiões relatam que rezam regularmente, e 40% dos Nones em geral dizem que rezam com alguma frequência. De fato, uma grande pluralidade (17%) das pessoas identificadas como "ateias/agnósticas" pelo relatório do Fórum Pew sobre Religião e Vida Pública dizem que rezam. Entre aqueles que descreveram a sua filiação religiosa como "nenhuma em particular", mais de metade dizem que rezam regularmente.
Mas as orações dos Nones têm algo em comum com as orações do Papa Francisco ou do arcebispo Welby e seus rebanhos?
Nos últimos dois anos, eu tenho explorado as vidas espirituais das pessoas religiosamente não filiadas – ouvindo como os Nones descrevem as suas próprias abordagens à criação de significado, à autorrealização ou a autotranscendência. Para muitos dos Nones em todo o país que participaram de grupos de discussão, estudos de narrativas ou entrevistas, a oração é a única prática espiritual associada com a religião tradicional que continua fazendo sentido em suas vidas.
Em uma pesquisa online que eu realizei na primavera de 2012 [1] sobre as atividades que os Nones consideram como espiritualmente significativas, a oração destacou-se como a única atividade tradicional religiosa dentre uma série de práticas que muitos dos sem filiação religiosa praticam ao menos uma vez por mês:
Então, o que os Nones fazem quando rezam?
Como os dados da pesquisa sugerem, as atividades que os Nones consideram mais "espiritualmente significativas" estão profundamente enraizadas nos ritmos da vida cotidiana. De muitas formas, isso não causaria nenhuma surpresa para os formadores das Reformas protestantes, que previram uma espiritualidade robusta centrada na família e no lar, que afundava suas raízes na oração. Para Martinho Lutero, a família era precisamente onde os discípulos cristãos deveriam se formar e onde as vocações deveriam se desenvolver, e guias para a oração familiar eram tão populares quanto (e mais acessíveis do que) as Bíblias. O Livro Anglicano de Oração Comum foi criado por Thomas Cranmer para ser tanto um recurso para a oração pessoal e familiar, quanto para o culto comunitário.
A ironia do cristianismo institucional tardo-moderno, do qual a maioria dos não afiliados autodeclarados emergem, é que essa espiritualidade holística e cotidiana dentre as pessoas comuns dificilmente desempenha um papel na noção popular de "religião". Contudo, a oração parece ser uma ligação persistente entre o pessoal e o comum, o passado religioso e o presente espiritual, que muitos Nones entendem como sendo algo que tem um significado duradouro, embora limitado. A "oração" tem uma série de significados para os Nones, alguns deles reconhecidamente religiosos, alguns deles, na superfície ao menos, não tanto.
No extremo mais religioso do espectro está um homem que eu entrevistei no verão passado em Illinois, que havia se criado em uma Igreja metodista conservadora e que se descreveu como "um admirador de Jesus, mas não mais um fanático cego". Ele me disse que usava a oração diária
para conectar todas as coisas na minha vida que são realmente importantes em qualquer momento – meus filhos, minha esposa, talvez algo no meu trabalho, ou algo que esteja acontecendo no mundo. Essa é quase a mesma maneira pela qual eu acho que eu rezaria na minha Igreja, mas é diferente, também, porque eu realmente não estou pedindo que Deus faça qualquer mágica especial em meu nome. Eu estou assumindo, eu acho, que Deus – ou o que quer que seja – está presente nessa mistura o tempo todo. Eu acho que, quando eu rezo, estou reconhecendo isso, mas também reconhecendo que a forma como tudo isso funciona cabe a mim, dentro dessas relações que importam – com a minha família, com os meus bons amigos. Rezar coloca tudo isso diante de mim todos os dias.
Para outros, a "oração" é essencialmente uma categoria lexical conveniente que se sobrepõe a "meditação", "contemplação", "reflexão" e afins. Qualquer significado espiritual parece fino, submerso em uma mistura indistinta de práticas reflexivas mais claramente vinculadas ao bem-estar pessoal do que a qualquer coisa muito além disso.
"Se eu rezo? Claro, você poderia chamar dessa forma", disse uma mulher de San Diego, que se descreveu como "quase uma ateia". Ela continuou:
Eu me sento em silêncio algumas vezes durante a semana. Eu tento acalmar o meu pensamento. Às vezes, eu espero algo para mim ou para outra pessoa, mas não é necessário. Eu acho que é isso o que a maioria das pessoas entende por "oração". Não é tanto "falar com Deus" ou "salvar a sua alma". É apenas parar por alguns minutos e pensar sobre aquilo que você realmente se importa. Não precisa ser mais do que isso.
"Então, por que chamar isso de 'oração', afinal?", eu perguntei a ela.
"Bem, porque as pessoas simplesmente chama assim", ela começou. "Mas é diferente de simplesmente se sentar em um banco pensando, eu acho. Ou seja, se você diz a alguém que você está 'rezando', eu acho que você está dizendo que talvez haja algo mais nisso. Você está rezando para alguma coisa, você está rezando por alguma coisa, mesmo que, como eu, você não acredite exatamente nisso".
"Eu tive experiências que eu só posso descrever como 'orantes'", relatou uma mulher da Pensilvânia, que expressou uma crença na "interconexão de toda a energia vital" e que, às vezes, participou de algumas comunidades pagãs. Mesmo assim, insistiu ela,
eu não sou teísta. Quando eu tive essas experiências – um sentimento de profunda conexão, ou algo mais misterioso que eu realmente não posso descrever –, quando eu caminho por um labirinto ou faço caminhadas na mata, eu não acho que seja um deus vindo ao meu encontro. Eu acho que é simplesmente o que acontece. Eu apenas aceito isso. E sou grata por isso. Quero compartilhar essa gratidão, acrescentar a minha gratidão à experiência, de modo que ela faça parte da maior conexão que alguém pode experimentar. Isso é o que faz disso uma "oração". Isso faz com que seja mais do que apenas eu mesma, mais do que eu estava pensando profundamente enquanto eu dava um passeio ou algo parecido.
A oração, ao que parece, pode funcionar como um marcador de incerteza e possibilidade religiosa e espiritual até mesmo para aqueles que se veem como em grande parte desconectados das tradições institucionais que moldaram seus sentidos teológicos e suas prática vividas desde os tempos antigos. Ela tem tanto uma amplidão pessoal quanto cultural que lhe concede um significado contemporâneo que quase sempre tem sido drenado de outras medidas típicas de "religiosidade" – participação no culto, estudo das escrituras, até mesmo acreditar em Deus.
Para as pessoas decepcionadas com o rancor religioso e político que elas veem nas religiões organizadas, ou que são repelidas por escândalos financeiros e sexuais entre grupos religiosos, a oração é um lembrete experimental de que pode haver "algo a mais lá fora", algo "mais do que apenas eu".
A oração também pode ser um lembrete persistente às Igrejas e a outras instituições religiosas das muitas outras formas pelas quais a religião tem sido e pode ser organizada para a prática de sentido comum e pessoal – uma lição pascal, talvez.
Nota:
1. Pesquisa online realizada entre os dias 1º a 31 de março de 2012. De um total de 1.166 entrevistados, 265 (22,8%) se autoidentificaram como "None", "Nada em particular", "Agnóstico", "Ateu", "Secular" ou "Humanista Secular". Os entrevistados podiam marcar qualquer atividade mostrada em um inventário de 18 práticas que "têm significado espiritual em sua vida", e uma resposta aberta de "Outras opções" também estava disponível. Os entrevistados também foram convidados a indicar quantas vezes eles se envolviam nessas atividades "como uma parte consciente da sua vida espiritual". É interessante notar que a pesquisa foi realizada para testar as questões de pesquisa e para identificar potenciais sujeitos a entrevistas. A alta taxa de resposta foi uma surpresa. Os resultados devem ser considerados sugestivos e não definitivos.
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Abandonando a religião, mas não a prática da oração. Artigo de Elizabeth Drescher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU