10 Dezembro 2014
Make the Yuletide gay!
Se você participa da blogosfera católica, provavelmente já ouviu falar de Ron Pirola e Mavis Pirola, o casal devoto australiano que falou no recente Sínodo dos Bispos a respeito do assunto “o plano de Deus para o matrimônio e a família”. Casados há 55 anos, o casal foi motivo de manchetes por, entre outras coisas, se referir ao matrimônio como um “sacramento sexual com a sua mais completa expressão no intercurso sexual”, sugerindo que os documentos da igreja, que deveriam orientar os fiéis, não são, em geral, “muito relevantes para as nossas próprias experiências”. Porém, o que mais chamou a atenção da imprensa (num Sínodo em que muitos achavam que as questões referentes à comunidade LGBT seriam evitadas) foi uma interrogação cheia de significado, em particular nesta época do ano: o casal perguntou aos 200 bispos [1] reunidos: “Os pais deveriam receber para o Natal o filho gay e seu parceiro?”
A reportagem é de Eddie Siebert, SJ, publicado pelo The IN Network, 05-12-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ron e Mavis deram um exemplo tirado da vida real de dois amigos que discerniram sobre esta questão e escolheram acolher o filho gay e seu parceiro: “Eles acreditavam, por completo, nos ensinamentos da igreja. A resposta destas pessoas para a situação pode ser resumida em poucas palavras: “Ele é nosso filho”.
Estas palavras podem fazer frente a toda e qualquer contrarresposta teológica, pois derivam daquilo que o colunista Eugene Cullen Kennedy, do National Catholic Reporter, chamou de o aspecto mais importante do Sínodo: “aquele elemento sacramental da vida comum e do tempo comum, a base fundamental para a recepção da crença: a experiência humana”.
Kennedy escreveu: “O poder em muitas das declarações sinodais bem como na maior parte das ações e falas do papa vem não por elas terem base nas teses teológicas abstratas, mas por aquilo que podemos chamar de a sacada do confessor para com a experiência pedregosa humana”. O casal australiano instou os bispos a refletirem a partir desta história como sendo um modelo para as paróquias acolherem os casais homossexuais e verdadeiramente “deixarem o mundo todo saber do amor de Deus”.
Enquanto muitos bispos aplaudiram (figurativa e literalmente) a declaração de Ron e Mavis Pirola, outros se mostraram menos animados. O cardeal Raymond Burke, ex-prefeito da Assinatura Apostólica, disse ao LifeSite News:
“Se as relações homoafetivas são intrinsecamente desordenadas, o que realmente são – a razão nos ensina isso e também a nossa fé –, então o que significa aos netos ter presente, numa reunião de família, um membro familiar que está vivendo um relacionamento desordenado com uma outra pessoa?”
Burke acrescentou: “Nós não iríamos, se este fosse um outro tipo de relacionamento – algo que fosse profundamente desordenado e prejudicial –, nós não iríamos expor os nossos filhos a um relacionamento como este, à experiência direta com ele. E não deveríamos também expô-los no contexto de um membro familiar que não só sofre de uma atração homoafetiva, mas que também escolheu viver esta atração, agir em relação a ela, cometer atos que são, sempre e em qualquer lugar, errados, maléficos”.
No espírito do convite do Papa Francisco a se falar livremente sobre estas questões, tenho que dizer que, simplesmente, não entendo uma resposta como esta. Penso nos jovens que vêm até mim durante estes anos, lutando contra sua orientação sexual – alguns aterrorizados consigo mesmos, alguns cheios de vergonha e ódio de si próprios, outros na escuridão, em depressão (preciso mencionar o risco concreto de suicídio cometido por jovens LGBTs?) [2]. Penso nos pais que confiam em mim. Alguns se sentem traídos pela Igreja, quando esta define seus filhos como “intrinsecamente desordenados”. Alguns destes pais não estavam falando com os seus filhos e filhas. [3]
Tenho escutado estas pessoas partilharem suas verdades e tentarem se abrir ao “movimento dos espíritos”, para localizar Deus nestes encontros. (Em conversas como estas, acho salutar fazer uma leitura do Espírito Santo, em vez de dar uma reposta rápida e pronta.) Não há dúvida de que Deus quer que resistamos, denunciamos e nomeamos o mal. Mas nunca senti que Deus quisesse que eu usasse palavras como “mal” e “desordenado” quando me refiro a estas pessoas. A mim soa mais como uma linguagem para dividir e pôr à parte estas pessoas vulneráveis do que se aproximar delas. Tentei falar sobre o amor insondável de Deus, de como ele não comete erros – até mesmo no dom da sexualidade – e de como ele sempre quer tratar a nós, e a qualquer outra pessoa, como seus filhos.
Estas minhas palavras não contrariam o ensinamento eclesial [4]. Estou, porém, ciente de que alguns na Igreja poderão considerar errada esta resposta, um desvio da “linha partidária”. Eis a realidade arriscada do discernimento – ele pode nem sempre concordar com as mensagens da autoridade vigente. Felizmente, o papa é um firme fiel do discernimento. Preciso mesmo mencionar que Jesus mesmo encontrou uma contradição entre a vontade divina e a abordagem dos fariseus em relação às coisas? Este é o mesmo Deus que buscamos quando discernimos. Não se trata de desconsiderar o ensinamento da Igreja ou abraçar o relativismo. Em vez disso, trata-se de uma prova de que a nossa relação com Deus não é estática; que todos nós estamos constantemente desafiados a aprofundar-nos em nossas compreensões parciais de Deus, a amá-lo e a amar os seus filhos de forma mais profunda, e a notar o Espírito Santo trabalhando através das pessoas ao nosso redor.
Então, o Natal está chegando. Alguns de vocês podem estar se fazendo a mesma pergunta que o casal australiano fez aos bispos. O vídeo, feito como parte da nossa série “Gay Catholics”, conta as histórias “pedregosas, humanas” dos pais de dois homens gays. Tal como os amigos do casal Ron Pirola e Mavis Pirola, estes pais compreenderam o poder e a completude daquelas poucas palavras: “Ele é nosso filho”. Vale a pena assistir, em particular aqueles que enfrentam uma divisão familiar (e não apenas relacionada à sexualidade). Tentem tomar nota do que ressoa no lado de dentro de você ao assistir e tente “ouvir as coisas de Deus a partir do ponto de vista d’Ele”.
Com a quantidade de divisão existente no mundo, rezo para que, neste momento de Natal, os problemas em se ser um ser humano e ter uma família sejam espaços onde possamos encontrar a graça, e não só julgamento e isolamento. Rezo para que se tivermos a chance de receber alguém ou virar-lhe as costas, que o recebamos. Por fim, rezo para que lembremos do fato de que Deus não comete erros quando ele cria e que nada pode tirar a nossa dignidade inata – nem mesmo quando não a reconhecemos.
Notas
[1] E uma freira.
[2] Jovens lésbicas, gays e bissexuais são quatro vezes mais propensos a tentarem o suicídio do que os demais.
[3] Confira o interessante ensaio de Jason Welle sobre os jovens LGBTs cristãos desabrigados, publicado no Jesuit Post em setembro.
[4] O catecismo afirma que os homossexuais deveriam ser acolhidos com “respeito, sensibilidade e compaixão”. Ele também diz que os gays são capazes da “perfeição cristã”.
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“Ele é nosso filho”. A homossexualidade no tempo de Natal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU