02 Dezembro 2014
O pão é o primeiro substantivo da gramática da vida. No palco dois piemonteses, Enzo Bianchi, Prior da comunidade monástica de Bose, e Carlo Petrini, fundador da Slow Food, ambos afeiçoados ao pão, real e espiritual. Mas no mundo 800 milhões de pessoas estão sem o pão quotidiano, lança Simonetta Fiori. Falta o pão, ou a vontade?
A conversa é com Enzo Bianchi e Carlo Petrini, publicada por Michele Smargiassi no jornal La Repubblica, 30-11-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Petrini: Pelo contrário, existe a precisa vontade de manter populações inteiras sob o jogo da dependência. Na África, o fenômeno do land grabbing está em exponencial crescimento, 80 milhões de hectares comprados a preços ridículos com a cumplicidade dos governos desonestos da China, Índia, Emirados Árabes, de multinacionais, para produzir biocombustíveis, enquanto não tem comida para os africanos. De um dia para o outro vilarejos inteiros perdem as pastagens para os seus rebanhos, uma violência que gera desespero e fome.
Esse neocolonialismo é mais violento que o precedente, o lembramos quando vemos multidões que fogem de um continente depredado. Há cinquenta anos fala-se do direito ao alimento, mas as governanças mundiais não são capazes de resolver esta vergonha. No entanto existe um custo ridículo referente às contas com armas ou para ajustar os balanços de instituições bancárias. Mas existe também a culpa dos nossos vícios. Até que não existir uma indignação coletiva as coisas não irão mudar.
Bianchi: Somos parte do problema. Muito antes da indignação vem a educação. A sobriedade é ensinada, mas fazendo entender que não é renúncia: é a rejeição do excesso. Nas tradições da sabedoria monástica se fala de medir os alimentos, moderar na alimentação. Vivemos em um estado de bulimia aquisitiva e consumismo vertiginoso que altera o nosso relacionamento com os alimentos. Existe uma cifra que cria em mim um sentimento de revolta: na Itália são jogados no lixo 180 Kg de alimento por pessoa por ano. Isso porque fomos educados a ter muito mais do que consumimos. A minha geração foi educada na penúria. Mas o problema hoje não é reciclar os avanços. É mais radical. A educação ética começa a partir da experiência da alimentação, quando a mãe te dá comida na boca, bons e bravos são aqueles, depois se transformam em categorias morais. Então, a primeira coisa que devemos fazer para respeitar o alimento é educar os sentidos. Quando comes, antes de tudo você olha, depois toca, sente o perfume e somente depois o degusta. Sabem porque se brinda? Para levar na experiência do alimento também a audição. Do alimento devemos recomeçar a ver a materialidade, entender que vem do cansaço e da história dos homens. O pão quotidiano é sempre coletivo, é sempre nosso, jamais é meu.
Petrini: Bendita seja a educação alimentar nas escolas, extraordinários são os professores que fazem uma horta na escola... Aquilo que chamei de “spreconomy” é um sistema criminoso. O alimento perdeu o seu significado humano e é se tornou uma mercadoria, tendo um preço e não um valor. No pão quotidiano não vemos mais a vida das pessoas que o produziram, mas um preço, que deve ser o menor possível, à custa da terra. Qualquer que seja o agricultor idoso poderá confirmar a dramática perda de fertilidade dos solos. A escassez de água está se transformando na principal causa das guerras. Se Jesus quisesse voltar a se batizar no Jordão molharia somente os calcanhares.
Bianchi: Dramática essa nossa incapacidade de enxergar no alimento algo que vem antes do seu valor. O alimento não é produzindo somente pela natureza, mas pela cultura. Nós nos alimentamos de história. Cada alimento que chega sobre a mesa deveria nos maravilhar. Rezar antes das refeições não era agradecer a Deus porque do contrário ele ficaria bravo, não, era um agradecimento interior para essa maravilha, para este dom. A nossa cultura do alimento nasce com a doação, a mãe não vende o leite para o seu filho. Mas em países pobres não sabemos fazer a doação do cancelamento de débitos nem depois de ter usufruído os mesmos. Queremos justiça somente aqui, na nossa casa, mas uma justiça mundial, quem verdadeiramente a quer?
Petrini: Podemos recomeçar pelo valor das pequenas comunidades de agricultura locais. A nossa associação “Terra mãe” está presente em 175 países, e não é a única. A civilização em comunidades tem 12.000 anos, a economia que a criou é aquela da subsistência: cultivar para viver. A economia da acumulação, cultivar para ganhar, destruiu a agricultura. Creio que esteja amadurecendo uma nova economia da subsistência, que não é privação, que compreende direito ao estudo, ao descanso, à serenidade. Não estamos no mundo para fazer crescer o PIB, nascemos para viver. Se dizemos isso, muitos riem: mas olhem ao que se reduziram. Um grande adepto do Slow Food, Edgar Morin fala: tudo deve recomeçar e tudo já recomeçou. Falo isso para essa Itália manhosa e sofredora. Digo também para sua política, que é muito mais slow do que nós para entender essas coisas. Mas entenderá.
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Bianchi – Petrini: “Uma nova sobriedade contra a spreconomy” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU