06 Novembro 2014
"Há meninas, estudantes universitárias, jovens mães, mulheres profissionais ainda com medo de chegar em casa sozinhas, ainda sendo abandonadas pelas escolas e faculdades que prometeram protegê-las, mas que então protegem os homens que as violam", escreve Joan Chittister, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-11-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Este título é um tanto confuso. As interrogações que ele levanta são ainda mais. Por exemplo, nós “empoderamos” as mulheres, certo? Depois de mais de 2000 mil anos, o mundo ocidental finalmente despertou, em nossa época, para o reconhecimento surpreendente de que as mulheres são, também seres humanos. Quase.
Em 1922, a maioria dos países de língua inglesa, incluindo os Estados Unidos, permitiu que as mulheres votassem nas eleições políticas. Foi uma luta difícil, o clero e os políticos consideraram este movimento simplesmente como o início do declínio total, “o nariz do camelo sob a tenda” da sociedade masculina civilizada. Tal como aquilo que o cardeal James Gibbons teria dito certa vez: “Imaginem o que vai acontecer com a sociedade quando as mulheres começarem a andar em volta dos locais de votação”.
E, com certeza, a comportas da imoralidade se abriram: não foi muito antes de as mulheres poderem ter suas propriedades, poderem trabalhar fora, dirigir automóveis, guardar o seu próprio dinheiro, estudar, participar de contratos legais, tonarem-se “profissionais” – primeiramente como professoras e enfermeiras, mas por fim chegando a médicas e advogadas, e hoje como banqueiras e engenheiras, astronautas e reitoras. Estas coisas não se deram tudo de uma única vez, evidentemente. Mas aconteceram aos poucos.
Não sabemos ainda se uma mulher pode ser presidente dos Estados Unidos, mas sabemos que algumas igrejas – sem mencionar nomes – ainda estão certas de que Deus não quer fazer negócios com elas. E, no entanto, um bom número de outras igrejas e países tem feito ambas as coisas, e nem suas igrejas tampouco suas assembleias legislativas caíram em ruínas sob o comando delas.
A tentação é pensar que, pelo menos nos Estados Unidos, as mulheres são livres, independentes, estão seguras, são respeitadas, sendo acolhidas em pé de igualdade junto dos pais e irmãos em todos os lugares.
Com histórico como este, poderíamos pensar que as mulheres realmente chegaram a um ponto de vida adulta plena, de plena independência, de ação moral e liberdade pessoal.
No entanto, há um outro conjunto de palavras – palavras mais poderosas, mais reveladoras do que estas aqui – que expõe a mentira disto tudo.
Este conjunto de dizeres – mulheres molestadas aqui, outras sequestradas lá, outras ainda assinadas acolá, mais algumas desaparecidas ali –, dizeres francos e ubíquos, lembram às mulheres para jamais supor que podem andar pelas ruas das cidades americanas e esperar chegar em casa com segurança, em uma palavra: viva. Estas histórias lembram-nas de que, não importa o quanto alcançaram, fizeram, economizaram, administraram, a sua vida não é sua própria realmente. Ela está na misericórdia fraternal dos meninos das fraternidades (sociedades) universitárias, das equipes de futebol, dos “stalkers” [aqueles que espreitam as pessoas, em particular as mulheres jovens e bonitas], dos garanhões, dos viciados em sexo, dos caçadores de mulheres e dos cheios de testosterona.
Este conjunto de títulos fala sobre os abusos domésticos de esposas e mães, e dos assim-chamados “mortes em nome da honra” – ou das humilhações pornográficas a que as mulheres estão sujeitas ainda hoje, até mesmo aqui nos EUA, se violarem o código não escrito dos homens sobre elas. Tudo isso acontece independentemente daquela conversa sobre “igualdade”.
Aliás, a violação das mulheres se dá em todas as classes sociais, em todas as raças, em todas as culturas.
Esta situação é negada em todos lugares, exceto em algumas manchetes: As mulheres e meninas ainda são uma commodity a serem possuídas, controladas, usadas e descartadas.
Em primeiro lugar, chamava-se de “um problema das mulheres”. Então nós nos civilizamos o suficiente para perceber que não se tratava de um problema nosso; era um problema humano. Porém jamais iremos realmente resolver a situação até começarmos a admitir, em voz alta, que este é um problema dos homens, na verdade.
É somente quando os homens se colocarem como uma classe e confrontarem-se contra outros homens sobre o assunto que as mulheres poderão começar a ter esperanças por uma vida livre da violência.
Os homens devem encarar outros homens. Os homens devem dizer aos juízes, parlamentares, departamentos policiais masculinos, servidores públicos, treinadores, equipes esportivas masculinas, rappers homens, chefes executivos que eles não mais ficarão em silêncio, que não mais olharão para o outro lado quando os que batem nas parceiras, os estupradores, os stalkers e os cantadores de mulher nas ruas encontrarem alguma desculpa esfarrapada para suas práticas com base em seus hormônios ou nas “provocações” femininas.
Assim, as piadas sujas deixarão de ser engraçadas; as conversas de vestiário vão deixar de ser aceitáveis; a linguagem que “jamais devemos usar na frente da nossa mãe” não será mais aceitável em nenhum lugar, inclusive na frente de outros homens.
Por fim, tudo isto tem algo a ver com a forma como os pais formam os seus filhos e conduzem suas próprias vidas. Tudo isto tem a ver com a maneira como os treinadores esportistas treinam as suas equipes. Tudo isto estabelece um padrão para a forma como os ministros dão os seus sermões no Dia dos Pais e moldam os cursos preparatórios para o casamento.
Toca também na forma como os tribunais e as faculdades lidam com o único crime presente nos livros que, realmente, não é tratado como crime até ser tarde demais – tanto para as mulheres quanto para os homens envolvidos.
Há meninas, estudantes universitárias, jovens mães, mulheres profissionais ainda com medo de chegar em casa sozinhas, ainda sendo abandonadas pelas escolas e faculdades que prometeram protegê-las, mas que então protegem os homens que as violam.
Não, não se trata de um problema das mulheres. Isto não diz respeito à igualdade de uma mulher. Trata-se da nossa definição de homem. Isto tem algo a ver com o que realmente acreditamos a respeito da racionalidade, do autocontrole e da qualidade espiritual masculina.
De meu ponto de vista, ouvir dos homens que eles simplesmente “fazem estas coisas sem querer ofender” é o maior dos insultos. Talvez seja por isso que os generais do exército e reitores não estão tendo sucesso onde as mulheres dizem respeito.
Mas eis aqui a melhor notícia do dia: bem no momento em que eu estava terminando este artigo, a Islândia anuncia um congresso da ONU feito somente por homens sobre as mulheres e a igualdade de gênero. [1]
O propósito do evento, disse Gunnar Bragi Sveinsson, é “trazer homens e meninos à mesa de discussão sobre a igualdade de gênero sob uma forma positiva”. Haverá uma sessão especial sobre violência.
O jornal local tinha anunciado, no dia 3 de outubro, que dezenas de homens numa pequena cidade vão “Walk a Mile in Her Shoes” – literalmente, eles irão “Andar uma Milha nos Sapatos delas”, em sapatos de salto alto – para demonstrar apoio às mulheres que lidam com casos de abuso doméstico.
Por fim, se os homens daqui dos EUA – os homens nos clubes, nas paróquias, em cargos administrativos, no ministério religioso, nos vestiários e bares, nas faculdades e bases do exército – fizerem o mesmo, talvez, algum dia, as mulheres terão condições de caminhas sozinhas pelas ruas também.
Nota 1: O texto pode ser lido aqui em inglês.
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A desigualdade de gênero é problema dos homens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU