03 Agosto 2011
Em vez de se renderem ao novo americanismo, os católicos dos EUA poderiam "americanizar" o conceito católico do bem comum, ajudando a definir como uma sociedade justa com recursos limitados pode definir melhor as prioridades de gastos e busca fontes equitativas de receita.
Publicamos aqui o editorial da revista America, dos jesuítas dos EUA, 01-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em Testem Benevolentiæ, uma carta apostólica enviada ao cardeal James Gibbons, de Baltimore, em 1899, o Papa Leão XIII se preocupava com algumas tendências liberais da Igreja Católica nos Estados Unidos que ele chamou de "os erros do americanismo".
Nestes dias, ficamos pensando se uma variável moderna e conservadora do americanismo está infectando a Igreja. O recente artigo do deputado Paul Ryan sobre o ensino social católico parece endossar a tradição, mas, depois, o utiliza como cobertura para um ato de balanceamento de orçamento que ameaça prejudicar os mais vulneráveis da nação. Um grande número de católicos, incluindo Ryan, admira muito o objetivismo defendido pela falecida Ayn Rand, cujo "egoísmo racional" liberta o indivíduo das obrigações para com os outros.
O pior de tudo foi um perceptível endurecimento de atitudes entre alguns católicos com relação àqueles que passaram a contar com a ajuda do governo para se sustentar nestes tempos difíceis. Esse ressentimento emergente esquece que os modestos serviços sociais da nação são dirigidos principalmente para apoiar crianças, idosos, deficientes e as pessoas atingidas pela recente recessão.
Não é de se surpreender que as correntes mais poderosas de uma corrente cultural devem influenciar o curso dos seus afluentes. Em 1997, o então arcebispo Francis George observou que os cidadãos norte-americanos "são culturalmente calvinistas, mesmo aqueles que professam a fé católica". Ao longo do tempo, muitos católicos dos EUA internalizaram alguns conceitos americanos inaceitáveis, como a primazia do indivíduo e do livre mercado e da ineficiência inerente do governo. Eles passaram a ver com suspeita as estruturas de mediação, como sindicatos e grupos de pressão, que desafiam o entendimento de si mesmo dos EUA ou do seu papel no mundo.
Alguns católicos fazem da ideologia um ídolo ou uma fé forte do nacionalismo, elevando a responsabilidade pessoal ao diminuir as obrigações comunitárias. Seu "americanismo" tem a pretensão de que a caridade pessoal pode substituir adequadamente a necessidade de justiça social e distorce o sentido da subsidiariedade a uma forma quase irreconhecível. Ao contrário do seu predecessor, o Papa Bento XVI não abordou diretamente essa mutação moderna do americanismo, mas apelou por uma melhor educação entre os leigos/as da Igreja sobre o ensino social e lembrou-lhes que é sua responsabilidade levar as preocupações da justiça social da Igreja ao discurso cívico.
Contra a cultura dominante norte-americana, a Igreja ensina que uma sociedade deve ser julgada pela forma como aborda as necessidades dos seus membros pobres e vulneráveis. Exige-se uma opção preferencial pelos pobres, não o Pentágono, quando os documentos morais como o orçamento federal são preparados, um ponto frequentemente observado pelos bispos dos EUA. A Igreja não aceita a premissa norte-americana peculiar de que geralmente é melhor deixar os pobres à sua própria sorte, para que a sua dignidade seja degradada pelo paternalismo – um altissonante slogan que pode ser usado para se abdicar da responsabilidade coletiva.
Quando o deputado Ryan começou uma correspondência bem divulgada com o arcebispo Timothy M. Dolan, de Nova York, os dois brigaram de leve sobre o papel moderno do ensino social católico. Ryan equiparou o conceito católico da subsidiariedade com a tradição norte-americana do federalismo e usou-a para adicionar um brilho de autenticidade católica ao seu plano de orçamento. O arcebispo Dolan gentilmente lembrou-lhe que a solidariedade continua sendo um outro componente significativo da tradição católica. Um componente que persiste independentemente das vicissitudes do déficit federal anual ou da urgência política recém-descoberta para resolver a dívida nacional.
Aqui é onde os católicos podem dar a sua contribuição para o atual diálogo. As preocupações do congressista Ryan sobre uma dívida nacional sufocante e um governo intrusivo são legítimas, mas não podem ser autorizadas a produzir resultados, que, a curto prazo, significam, na prática, o abandono dos mais vulneráveis mediante cortes profundos na ajuda alimentar, nos cuidados da saúde e no apoio aos desempregados.
Enquanto a nação tenta balancear as necessidades imediatas dos mais necessitados com as exigências de longo prazo de redução da dívida, os católicos podem trazer sua perspectiva singular para a mesa. Talvez, em vez de se renderem ao novo americanismo, eles poderiam "americanizar" o conceito católico do bem comum, ajudando a definir como uma sociedade justa com recursos limitados pode definir melhor as prioridades de gastos e busca fontes equitativas de receita.
Certamente, então, as necessidades legítimas dos mais vulneráveis não seriam sacrificadas para proteger os privilégios estruturais daqueles que gozaram das maiores recompensas econômicas nos últimos anos. Certamente, a feitura de guerras não seria privilegiada sobre as necessidades básicas de uma sociedade civil sustentável.
Os católicos nos EUA devem valorizar a contribuição da sua fé para a cultura em geral, e não abrir mão de sua singularidade como um impedimento para uma assimilação mais profunda e pessoalmente mais frutífera. Ao contrário de Rand, os católicos norte-americanos não podem fazer do egoísmo uma virtude. Nosso caminho provém não do evangelho da prosperidade, mas sim do Evangelho de Mateus.
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O novo "americanismo", segundo revista jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU