09 Junho 2014
Eis por onde passa o futuro do cristianismo: de um cristianismo em movimento para um "ressituar-se" nos novos cenários abertos pela globalização.
Publicamos aqui alguns trechos da participação do padre Rosino Gibellini, teólogo e diretor literário da editora Queriniana, que aparece no número mais recente da Munera, a revista de cultura europeia publicada pela editora Cittadella.
Também aparecem no fascículo contribuições de Giorgio Campanini ("A pessoa na sociedade dos indivíduos"), Andrei Plesu ("O significado da cultura no mundo contemporâneo"), Andrea Grillo ("A indissolubilidade do matrimônio e matrimônios fracassados") e uma ampla entrevista com o advogado argentino Juan Grabois, cofundador dos movimento Trabalhadores Excluídos e próximo colaborador do então arcebispo de Buenos Aires, o cardeal Jorge Mario Bergoglio.
Expressão da associação cultural L'Asina di Balaam (www.lasinadibalaam.it), a Munera retomou as publicações em 2012 e propõe agora um significativo momento de reflexão pública. Entre os dias 1º a 5 de agosto está programado, na Pro Civitate Christiana de Assis, um seminário de estudos sobre o tema do trabalho. Sob o título "Com o suor do teu rosto", se sucederão, dentre outras, as conferências do teólogo Simone Morandini, do biblista e sociólogo Adrian Schenker e da socióloga Laura Zanfrini. Para mais informações, www.muneraonline.eu.
O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 04-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Poder-se-ia dizer, rapidamente, que, com o Edito de Milão de 313 d.C., estabelece-se no Ocidente a cristandade, posta em discussão, a partir do Iluminismo e da Revolução Francesa, pelo processo de secularização. Mas também posta em discussão no canteiro de obras da teologia cristã, a partir – se quisermos dar um nome significativo – de Bonhoeffer, em particular das Cartas da prisão de 1944 (publicadas em 1951 e em edição italiana em 1968).
O que aconteceu? Aconteceu uma passagem do discurso eclesiológico ao debate sobre o futuro do cristianismo. No início do século XX, depois da Grande Guerra, foi redescoberto e foi se impondo o tema da Igreja. Foi Romano Guardini, no início dos anos 1920 recém-passado, que saiu com essa expressão, que pode ser assumida como diagnóstica de um dos lineamentos da teologia cristã da primeira metade do século XX: "Um processo de porte incalculável iniciou: o redespertar da Igreja nas almas". Um redespertar que estava conectado, na análise do jovem teólogo ítalo-alemão, a um verdadeiro senso da realidade vivida e ao senso comunitário.
Desaparecia, sob os escombros da Primeira Guerra Mundial, o encanto pelo idealismo e pelo "eu" abstrato, e a consciência cristã começava a perceber a Igreja como via rumo à personalidade e, ao mesmo tempo, rumo à comunidade.
As >>Lições sobre a Igreja, proferidas por Guardini na Universidade de Bonn em 1921 e publicadas em 1922 sob o título O sentido da Igreja, tinham entusiasmado o seu auditório e os seus leitores, que as sentiram "como um bater de asas, um sopro de Cristianismo original, pentecostal", pois apontavam para "novos caminhos para uma relação viva entre Igreja e personalidade, para um crescimento humano autêntico fundamentado na liberdade interior, que desemboca em uma comunidade de graça".
A célebre expressão guardiniana de 1922 sobre o "despertar da Igreja nas almas" ecoava as palavras de Hermann Hoffmann comentando um grande encontro juvenil no castelo de Rothenfels em agosto de 1920, no qual Guardini também participou: "A Igreja despertou e se tornou viva na juventude", mas encontraria, por sua vez, eco no campo evangélico na obra de Otto Dibelius, O século da Igreja, que influenciará a teologia da Igreja Confessante.
O século XX registrou, de fato, alguns eventos decisivos no campo eclesiológico, como o nascimento do Conselho Ecumênico de Igrejas (1948), a celebração do Concílio Vaticano II (1962-1965) e uma intensa atividade teológica e eclesiológica, que marcou um caminho que levou a Igreja cristã "da era pré-ecumênica à era ecumênica".
Na virada cultural dos anos 1960 e na onda da secularização de 1968 – como chamada pelo sociólogo bávaro Joas – parece ser sintomático o livro do historiador francês Jean Delumeau, O cristianismo está prestes a morrer?, que marca a passagem para a concentração da reflexão histórico-teológica no centro da mensagem cristã. Argumentando como historiador, Delumeau descrevia o processo de "descristianização", a partir da Revolução Francesa, que colocava em discussão a aliança entre Igreja e poder mundano.
Essa aliança estaria favorecendo o "anticlericalismo" primeiro e a "descristianização" depois: "A descristianização atual constitui, em grande parte, a conta a ser paga por aquela formidável aberração que durou 1.500 anos [do século IV ao século XIX]. É uma punição por um pesado pecado coletivo que, infelizmente, acompanhou a evangelização no espaço e no tempo".
O historiador francês, além de propôr à Igreja com décadas de antecedência "a proclamação pública e inequívoca de erros que foram público demais", propõe que se realize a passagem de um cristianismo que foi "unanimista" e "dolorista" a um "cristianismo livre ", para enfrentar o processo de descristianização.
Apesar da análise severa, Delumeau está convencido da solidez do cristianismo e da sua capacidade de adaptação. Ele escreve: "Na realidade, no mundo inteiro, apresentam-se a quem sabe ver as provas da solidez do cristianismo". O convite de Delumeau a "virar a página" ofereceu o impulso para um livro em colaboração, Cristãos: virem a página, de 2002, que se assinala pela autoridade das intervenções.
Nesse livro-entrevista, Jean Delumeau confirma novamente o uso do conceito "descristianização" no contexto de uma sociedade não neopagã, mas agnóstica, mas, ao mesmo tempo, confirma novamente a sua confiança na capacidade de adaptação do cristianismo: "A carta mais alta do cristianismo é a sua capacidade de adaptação".
Entre as participações mais significativas é preciso assinalar a do historiador René Rémond, que não aceita a categoria de "descristianização" e persiste utilizando a categoria de "secularização", que deve ser conjugada no novo contexto de secularização e de pluralismo religioso com a de "recomposição do fato religioso" para uma nova configuração do cristianismo e da Igreja Católica, alertando também que se trata de um "processo ocidental".
Em uma espécie de Testamento do cristianismo (2000) no início do terceiro milênio, o ilustre historiador se recusa a falar de declínio, mas insiste na ressituação do cristianismo como fermento: "Inserir valores fortes, o sentido do homem, a história a caminho, a esperança em um progresso possível, mas ao mesmo tempo reencontrar uma palavra mais discreta, definir-se como fermento. E, especialmente, reconhecer a mudança fundamental que é a emergência do indivíduo, com a sua liberdade e a sua consciência. [...] Sem pretender ser um adivinho, estou disposto a apostar que ele será novamente capaz de abrir caminhos de liberdade e de esperança amanhã".
O teólogo francês Paul Valadier, fino analista da situação contemporânea, em Um cristianismo para o futuro (1999), propõe uma nova aliança entre razão e fé. A queda das ideologias – a ideologia marxista-leninista e a ideologia racionalista do progresso – determina uma paisagem nova, que abre espaço para a fé, para uma "fé de razão", que não se contrapõe à razão, mesmo que se proponha uma "racionalidade específica" adequada ao seu objeto.
Mas, no tempo da dúvida e do niilismo, ela não deve desencorajar a razão afirmando que "nós estaríamos em um mundo desesperado, em uma cultura de morte, na ausência de sentido ou às portas da barbárie. Ela deve, ao contrário, contribuir para que a razão não se desespere: ora, como já se disse, não estamos mais na era do otimismo incondicional, mas sim na das desilusões e do niilismo. A responsabilidade do crente nesse contexto seria a de aumentar desespero e desencanto ou, melhor, de participar do difícil trabalho de restaurar à razão a fé em si mesma?".
Vai se delineando uma nova relação entre razão e fé, e pode ser emblemática a discussão ocorrida entre o teólogo Joseph Ratzinger e o filósofo Jürgen Habermas em janeiro de 2004, que teve um amplo eco internacional, especialmente depois da eleição do cardeal Ratzinger como papa com o nome de Bento XVI (2005).
No seu discurso de Munique e na sua análise, Habermas – um dos principais representantes da filosofia política contemporânea – repropõe a questão já posta pelo filósofo Böckenförde que, em um ensaio de 1967, constatava que o Estado liberal e secularizado se alimenta de premissas normativas que ele, por si só, não pode garantir. Habermas retoma esse tema que, agora, na filosofia política, assume o nome de "teorema Böckenförde".
A proposta de Habermas reconhece à religião uma função pública: "A fronteira daquilo que a religião pode trazer para a vida social do nosso tempo é uma fronteira a ser explorada no diálogo a dois". O cardeal Ratzinger, no seu discurso de Munique (2004), manifesta um "forte acordo com o que Habermas expôs sobre uma sociedade 'pós-secular', sobre a disponibilidade de aprender e sobre a autolimitação de ambos os lados", e propõe "uma necessária correlatividade entre razão e fé, razão e religião, que são chamadas à purificação recíproca e ao mútuo aperfeiçoamento, e que precisam uma da outra e devem reconhecer uma à outra".
Por último, refiro-me a outra linha de análise, que não utiliza o conceito habermasiano de "pós-secularidade", mas que se coloca na linha das análises de Taylor, que defendeu a legitimidade da "opção secular". Na vasta e complexa obra Uma era secular, o sociólogo canadense Charles Taylor elabora um novo conceito de secularização como uma nova forma de humanismo, que exclui a referência à transcendência: "Um humanismo autossuficiente tornou-se uma opção amplamente disponível", alertando que "se trata de uma novidade absoluta na história".
O sociólogo bávaro, com cátedra em Chicago, Hans Joas, prolonga a reflexão de Taylor, atribuindo em A fé como opção. Possibilidades de futuro para o cristianismo (2012), a igual dignidade, cultural e social, à "opção religiosa" ou à opção que se apela, como no cristianismo, à transcendência.
Ele escreve: "Politicamente, isso significa que crentes e não crentes deverão viver permanentemente um ao lado do outro e aceitar-se reciprocamente. Mesmo que a porcentagem dos crentes continuará diminuindo, os crentes permanecerão sendo também na Europa uma parte significativa da população, parte que não pode ser sumariamente identificada com um partido ou com um campo político. O Estado – assim afirma Charles Taylor – "não pode ser nem cristão, nem muçulmano, nem judeu; mas também não pode ser nem marxista, nem kantiano ou utilitarista".
Joas, em referência às análises do historiador anglo-americano Philip Jenkins sobre a globalização do cristianismo, afirma: "Em uma ótica global, portanto, não há nenhum motivo para olhar com ceticismo para as possibilidades de sobrevivência do cristianismo. A situação, ao contrário, parece ser a seguinte: o que estamos vivendo hoje é uma das fases mais intensas de difusão do cristianismo que já foram registradas na história. Esses desdobramentos terão múltiplas consequências para os cristãos na Europa. Provavelmente, no que diz respeito à Igreja Católica, estamos às vésperas de um deslocamento fundamental das forças".
Com base nesses debates, eis por onde passa o futuro do cristianismo: de um cristianismo em movimento para um "ressituar-se" (expressão do historiador francês Rémond) nos novos cenários abertos pela globalização.
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Uma era pós-cristã? Artigo de Rosino Gibellini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU