Por: Jonas | 03 Junho 2014
Um mês antes de ser sequestrado e morto em sua chácara no Rio de Janeiro, o ex-coronel Paulo Malhães (foto) declarou para a Comissão da Verdade do Brasil que havia participado em operações contra guerrilheiros argentinos que operavam em seu país. Aparentemente, eram membros da organização Montoneros que foram capturados quando tentavam voltar à Argentina no marco da Contraofensiva. O dado torna-se conhecido pela divulgação, no Brasil, do conteúdo da extensa confissão do militar diante da comissão.
Fonte: http://goo.gl/D76muC |
A reportagem é de Darío Pignotti, publicada por Página/12, 01-06-2014. A tradução é do Cepat.
“O que surge da declaração de Malhães é que ele esteve envolvido no sequestro dos militantes argentinos Campiglia e Pinus, em 1980”, declarou ao jornal Página/12 Aline Borges, integrante da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. “Não descarto que tenha alguma relação com a prisão de Norberto Habegger”.
A advogada Borges esteve presente e formulou perguntas durante as 23 horas de confissões de Malhães, que ocorreram em março e cuja transcrição acaba de ser divulgada. Nessas horas de confissão, o militar contou como espionou e sequestrou argentinos quando fazia parte do Centro de Informações do Exército brasileiro, vinculado ao Batalhão de Inteligência 601, de Campo de Mayo.
Os militantes Horacio Domingo Campiglia e Mónica Pinus de Binstock foram sequestrados por elementos brasileiros e argentinos, no dia 12 de março de 1980, quando desceram, procedentes da Venezuela, no Aeroporto Internacional do Galeão, de onde planejavam seguir viagem para Argentina. Dois anos antes, em algum momento de julho ou agosto de 1978, Norberto Habegger, também membro da organização Montoneros, foi raptado no mesmo aeroporto. Os três continuam desaparecidos.
Em sua confissão, o militar, às vezes falando em terceira pessoa sobre si mesmo, disse que “Malhães capturou um argentino e o mandou de volta para Argentina, o tipo era um montonero importante... o tipo veio ao Brasil não sei para quê... eu sequestrei, realmente sequestrei e mandei para Argentina... o peguei saindo do aeroporto”.
Borges conta que Malhães não demonstrava arrependimento: “Sentia que cumpriu sua missão na guerra, que era acabar com o comunismo”. Durante um encontro preliminar com membros da comissão, o ex-agente afirmou ter ensinado a seus colegas argentinos como se infiltrar nas organizações armadas. Depois, em sua declaração formal se gabou de que “tornei-me famosíssimo na Argentina, deram-me uma medalha da Argentina”.
Um mês antes de morrer de uma maneira ainda não esclarecida, o repressor relatou que “descobri que tinha um montão de argentinos no Rio de Janeiro. Alguns eram exilados políticos amparados pela ONU, outros não. Então, ordenei (a meus subordinados) que fossem fotografar todo mundo... assim eu sabia que este argentino é Fulano, este Sicrano, este matou a não sei quem...”.
Nas 232 páginas da ‘degravação’, o septuagenário Malhães demonstra conservar a memória, embora por momentos vacile e pareça confundir lugares para onde iam ou de onde vinham suas vítimas. Também não apresenta datas precisas sobre as ações contra os guerrilheiros de Montoneros e do ERP, a quem elogia por sua coragem. “Nossos guerrilheiros eram frouxos, eu tenho experiência, mas os guerrilheiros argentinos eram completamente diferentes... eu aprendi isso. Os argentinos eram de uma convicção... algo que espantava. Para mim, eles foram uma surpresa porque eu estava acostumado a lidar com brasileiros”.
Por segurança, vingança ou vaidade, a verdade é que Malhães queria falar, o que fez dele uma ameaça que atravessa toda a corporação militar, que até hoje reivindica a lei de auto-anistia sancionada em 1979 e denunciada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Nós constatamos que uma parte importante do que disse Malhães é certo. Tudo isto é valioso para a Comissão da Verdade e poderia ser incômodo para aqueles que estiveram na repressão”, aponta a advogada Borges.
O ex-coronel começou a falar em 2008, quando deu uma entrevista em que contou detalhes sobre como se financiavam as operações de infiltração para desarticular organizações armadas locais ou grupos argentinos no Brasil. Segundo Malhães, estas operações continuaram até 1985, pouco antes do retorno da democracia. A partir de 2012, recebeu em sua chácara da Baixada Fluminense jornalistas e pesquisadores, e continuou falando de seu passado.
Para a Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 pela presidente Dilma Rousseff, e para a Subcomissão da Verdade do Senado, o falecimento de Malhães se parece com uma “queima de arquivo”. Segundo a investigação, três homens invadiram seu domicílio e durante dez horas revisaram cada canto do lugar e levaram arquivos e armas. O dono da casa morreu de uma parada cardíaca que pode ter sido causada pelo pânico ou por ter sido asfixiado por seus capturadores.
O curioso para senadores e especialistas é que a causa esteja sob sigilo e que o comissário responsável a tenha considerado um crime comum, roubo seguido de morte acidental, sem conotações políticas.
Malhães foi o primeiro quadro militar destacado que aceitou contar em detalhes os segredos da repressão e apresentar dados sobre um dos momentos cruciais do capítulo argentino-brasileiro do Plano Condor.
“A morte de Malhães nos prejudica bastante, mas suas denúncias talvez possam ser tomadas pela Justiça argentina na causa pela Contraofensiva. Poder-se-ia citar alguns de seus cúmplices nos sequestros. Sabemos que alguns ainda estão vivos”, ponderou Borges.
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Como Condor também voava no Rio de Janeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU