22 Abril 2014
Não se fala mais de clima, nem do que vai acontecer com a terra, desde que a crise entrou nas nossas vidas distorcendo-as com políticas recessivas, desigualdades indignas e um desemprego que, junto com a esperança, apaga a própria ideia de futuro.
A reportagem é de Barbara Spinelli, publicada no jornal La Repubblica, 16-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A terra ferida era o grande tema no início do século e, de repente, foi retirada do palco: não mais mal a evitar, mas sim pesadelo impalpável. Direito imaterial e novo demais, encampado do planeta.
No entanto, existe a enfermidade da terra que o homem provocou e está acentuando: mesmo que tenha caído fora do discurso público, mesmo que tenha se tornado invisível como certos doentes incuráveis que não queremos olhar de perto e por isso relegamos a hospitais distantes.
É como se, paradoxalmente, a crise tivesse nos libertado do medo inefável que tínhamos nos anos 1990 – a morte do planeta –, colocando no seu lugar muitos outros medos: não menos angustiantes, mas mais imediatos e sem relação com aquela trepidação não mais tão concreta, translocada para as periferias dos nossos pensamentos e inquietações.
O retorno à realidade, sob a forma de mais um alerta da ONU, ocorreu domingo, com a publicação do terceiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Seiscentos cientistas de 120 países emitiram o seu veredito: ainda podemos mudar a história, mas o tempo e a disposição se encurtam fatalmente.
Parece que estamos vivendo as últimas cenas do filme de Lars von Trier, quando sobre a Terra está por colidir o planeta chamado Melancholia: é a depressão que nos dá essa estranha, calma indiferença. Por causa do nosso descuido e cegueira, a terra continua se sobreaquecendo, e será cada vez mais árduo respeitar o objetivo fixado: evitar que o aumento da temperatura supere os dois graus centígrados.
Limiar fatídico, além do qual o globo é posto mortalmente em perigo pelas emissões de dióxido de carbono e de gases de efeito estufa. Conhecemos o que pode se seguir: derretimento das geleiras, elevação dos níveis marinhos e destruição de regiões inteiras, comida insuficiente para a humanidade, desaparecimento de florestas e extinção em massa de plantas e espécies animais.
A crise econômica despertou nos últimos anos muitas consciências, antes dormentes: sobre a fraqueza política da Europa, sobre terapias de austeridade que se revelaram devastadoras para muitos cidadãos e também para as democracias. Não é assim no que diz respeito à prevenção do desastre climático, adiada para sabe-se lá quais dias melhores. Recessão, desemprego: hoje são as nossas preocupações prioritárias, mas infelizmente únicas. Os cérebros estão se acostumando a trabalhar pela metade, quase tomados por hemiplegia. A terra pode esperar, embora o Melancholia se aproxime.
Um eminente gestor público italiano, o ex-CEO da Eni, Scaroni, chegou a perguntar publicamente em julho do ano passado: "Investimos de modo insano nas energias renováveis. Estávamos bêbados?". E a nova ministra do Desenvolvimento italiano, Federica Guidi, ilustrou à Comissão da Indústria qual era o seu "feeling": é preciso "a máxima atenção para o crescimento sustentável" e, ao mesmo tempo, a "remoção dos obstáculos burocráticos que impedem tanto o desenvolvimento da nossa capacidade de regaseificação para nos beneficiarmos da revolução do gás de xisto (shale gas) quanto os investimentos privados na pesquisa e na produção de hidrocarbonetos".
O feeling é bastante contraditório: as perfurações necessárias para extrair gás de xisto pouco se conjugam com a economia verde, envolvendo gastos desproporcionais de água, poluição das camadas e, segundo alguns, possíveis terremotos.
Resta a verdade atestada pelos 600 cientistas. Ainda estamos ruinosamente dependentes dos combustíveis fósseis. Petróleo, carvão, gás contribuíram em 78% para o aumento total de emissões de 1970 a 2010 e vão pesar ainda mais se nada mudar. Se os países produtores de petróleo e gás resistirem às medidas sugeridas pelo IPCC, se os governos não introduzirem impostos pesados sobre a emissão de dióxido de carbono (carbon tax), e se insistirem em subsidiar os combustíveis fósseis em vez de investir em energias renováveis, reflorestamento, construção de baixo consumo de combustíveis.
A Alemanha, por exemplo, emite mais dióxido de carbono, apesar da virada energética, porque a dependência do carvão inchou. Dizem que falta dinheiro, mas os desembolsos são poucos em relação aos gastos inevitáveis quando a catástrofe estiver às portas. A passagem para uma economia baseada em combustíveis low carbon custaria hoje 1-2 pontos de riqueza nacional. Em 2020, subiria para 4-5 pontos. Tornar-se-ia proibitiva depois de 2030.
Também dizem que o crescimento será bloqueado, se a partir de agora protegermos a terra. É mentira: o desenvolvimento iria abrandar apenas 0,06%, asseguram os cientistas. Remonta a 1979 o livro que o filósofo Hans Jonas escreveu sobre o Princípio responsabilidade e sobre o medo pelo destino terrestre: um texto futuristo na época. É esse medo que deve ser novamente exumado, sem adiá-lo aos temores que incutem desemprego e crescimento lento. Não nos é possível enfrentar antes a recessão e depois o clima.
A verdadeira insanidade é não contar até dois, não executar juntas as duas tarefas. O medo de ver o planeta perecer – junto com aqueles que nele habitam – é para Jonas constitutiva da responsabilidade: "Não nos referimos ao medo que dissuade da ação (o choque, a paralisia), mas sim ao medo fundado, que exorta a realizá-la". É uma forma de amor ao próximo.
Ou, melhor, diria Nietzsche, de "amor ao mais distante": é trepidação pelos seres vivos que virão, escudo contra a destruição que os ameaça. À pergunta sobre o que vai acontecer com o próximo-distante se não cuidarmos dele, a resposta é clara: "Quanto mais obscura é a resposta, mais claramente delineada é a responsabilidade. Quanto mais distante no futuro, quanto mais distante das próprias alegrias e das próprias dores, quanto menos familiar é na sua manifestação o que é deve ser temido, mais a clareza da imaginação e a sensibilidade emotiva devem ser mobilizadas para esse escopo".
Jonas até reformulou o imperativo categórico de Kant. O dever ético-político ordena ainda hoje que se "age de modo que a tua vontade possa sempre valer como princípio de legislação universal", mas se estende assim: "Age de modo que os efeitos do teu agir sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra".
Nesse ponto, é inútil sustentar indústrias (incluindo a automobilística) que emitem venenos. A reconversão deve ser radical e, imediatamente, envolverá sacrifícios. Inicialmente hostis, os EUA e a China começam a entender isso.
O caso Ilva é exemplar: sacrificar a vida em troca de postos de trabalho é alternativa funesta. A crise econômica nos ensina isto: ela pode secretar o mal ou o bem. Ela faz redescobrir direitos irrenunciáveis (o bem-estar, o trabalho), mas pode condenar ao esquecimento o direito do novo sujeito que é a terra.
Infelizmente faltam as instituições que protejam ambos os direitos. A ONU e o IPCC são órgãos intergovernamentais e se assemelham à Liga das Nações: totalmente ineficaz, entre as duas guerras, porque cada Estado tinha a sua própria soberania inviolável. A Europa progride sobre o clima porque, em parte, já é supranacional.
O mundo em que vivemos não está à altura do imperativo de Jonas. Diante de lobbies já transnacionais (as indústria petrolíferas, mas também o comércio de armas, as máfias), não se levanta um poder político igualmente transnacional, que as impeça. A ordem global ainda é o westfaliano concebido em 1648, que pôs fim às guerras religiosas, mas suscitou os monstros dos nacionalismos. Os mesmos monstros prontos para anular as advertências da ONU e dos seus cientistas.
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O imperativo de Jonas para salvar o planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU