Por: Jonas | 30 Outubro 2015
“Eu acredito que a razão é que Washington não tem nenhum interesse em uma solução, quer continuar a guerra, destruir a Síria, quer provocar uma crise com a Rússia”, afirmou o sociólogo norte-americano, professor James Petras, em uma entrevista concedida à Rádio CX36. Também mencionou as eleições na Argentina, a situação na Palestina, as futuras eleições parlamentares na Venezuela e Grécia.
A entrevista é de Efrain Chury Iribarne, publicada no sítio da Rádio CX36 Centenário, de Montevidéu, Uruguai, 29-10-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Bom dia, James Petras. Como você está?
Estamos bem e vocês? Como vai a primavera?
Digamos que hoje é um dia muito parecido com uma primavera, com uma temperatura que certamente deve estar no eixo dos 20, 21 graus.
Que bom, desfrutem, aproveitem o bom tempo.
Pedimos a você um panorama inicial. Você sabe que há uma grande quantidade de notícias que se aglutinam, são muitas, mas para interpretar realmente o que aconteceu na última semana, no Oriente Médio e nessa região, naturalmente com ênfase nos ataques de Israel contra a Palestina e todas essas coisas.
Em primeira instância, devemos reconhecer que a Rússia e o governo da Síria, Bashar Al Assad, declararam a disposição em convocar eleições para determinar a vontade dos sírios e evitar a saída, derrotar os terroristas e buscar uma forma de conciliação entre os combatentes não extremistas e o governo. No entanto, nem Washington, nem os países da Europa e nem a oposição supostamente moderada aceitaram esta oferta de acabar a guerra ao menos entre estas forças e buscar uma conciliação. A razão é que Washington não tem nenhum interesse em uma solução, quer continuar a guerra, destruir a Síria. Quer provocar uma crise com a Rússia e tudo mais. Tudo o que lemos e escutamos nestes dias aponta para o fato de que em Washington nada mudou em sua política. Continua buscando a dominação, continua provocando guerras, continua apoiando Israel, continua aliado com os extremistas monarquistas da Arábia Saudita, etc. Não vimos nenhuma mudança, inclusive, ainda não acabaram as sanções contra o Irã, que podem prejudicar o acerto conjuntural que negociaram com o governo de Teerã. Em outras palavras, podemos dizer que a continuidade define a situação. Mais que um reajuste, uma aceitação que as soluções não são absolutistas, que os Estados Unidos têm que aceitar algumas realidades, que para uma transição na Síria deve permanecer o governo de Al Assad até que as próprias eleições determinem a composição de um novo governo. Além disso, Israel continua matando palestinos, segue a política de desapropriação dos palestinos, mata jornalistas, mata médicos e mata ativistas pacifistas, que protestam contra a ocupação. Washington timidamente disse que devem acabar com a violência, mas ninguém leva a sério as intervenções de Washington, razão pela qual todos entendemos que Washington e Israel são duas partes do mesmo problema palestino.
Petras, por aí, quais repercussões tiveram a afirmação sobre o holocausto feita por Netanyahu, recentemente?
Em muitas partes do mundo, há grupos de direitos humanos que começaram uma ação penal contra Netanyahu por crimes de guerra e é um processo judicial que querem prosseguir contra ele por uma razão óbvia: cometeu muitos crimes internacionais. Mas, os governantes procuram proteger Netanyahu, como o governo de Merkel, o governo de Cameron e os governantes da França, Holanda que fazem um bloqueio, fazem uma política de proteção para evitar as ações iniciadas pelos cidadãos e as organizações de direitos humanos. É reconhecido mundialmente que Netanyahu e o governo israelense são criminosos, que cometem crimes diariamente, de grande escala e a longo prazo. No entanto, os governantes políticos utilizam seus poderes para evitar um julgamento e Netanyahu continua viajando e conversando com os diferentes governantes, apesar de permanecer pendentes julgamentos que o condenam.
Petras, não muito distante do que serão as eleições legislativas na Venezuela, como se nota através das notícias, que não sei se são legítimas, acredito que o clima segue bastante agitado, particularmente pelos elementos de ultradireita da Venezuela, com o apoio americano. Como enxerga isto, a partir daí?
Devemos reconhecer que Washington nunca suspendeu sua campanha de desestabilização, nunca deixou de financiar as oposições, canalizando o dinheiro às ONGs apoiadas pela direita. Infelizmente, na Venezuela não há nenhuma diferença entre a direita e a ultradireita, são a mesma coisa. Entre os violentos e os eleitoralistas existem muitas vinculações, a longo prazo. Então, para qualquer processo político as duas coisas se misturam, a direita obviamente violenta e a direita dura e compraram muitos ex-chavistas, particularmente oficiais. São utilizados para fazer denúncias falsas. Por exemplo, um promotor que estava de alguma forma vinculado ao governo, que partiu por ser um juiz incapaz, incompetente e vigarista. Agora, declara que o processo contra López, o terrorista encarcerado por onze anos, era um julgamento falso, testemunhas e provas falsificadas, mas não mostram nenhuma evidência, não mostram nenhuma coisa concreta para justificar a denúncia. Porém, os meios de comunicação de massas, inclusive a BBC e outros, repetem que o ex-promotor como dava seguimento ao julgamento, não é promotor há tempo. Não só que não é promotor, mas também está condenado e se foi do país para evitar o processo. É citado como uma testemunha contra o governo. E há muitos casos assim, falam de militares quando são militares aposentados ou militares destituídos do poder por algumas ofensas. Então, a campanha segue se intensificando e as pressões econômicas continuam, continuam sendo um fator importante. Os grandes capitais que controlam as importações e a circulação de mercadorias seguem atuando de alguma forma para prejudicar o governo. Sobem os preços de forma arbitrária. Estão em um grande processo de evasão de impostos. Continuam especulando com a moeda e fazendo tudo o que é possível para prejudicar a economia. Eu garanto que se houver uma mudança de governo rapidamente, vão aparecer muitas mercadorias, vão baixar a taxa de inflação, etc. Todo um mecanismo político para prejudicar o governo atual. O problema é que o governo trata a oposição com muita gentileza, ao invés de lhe dar golpes nocaute, continuam tolerando. Alguns setores governamentais estão procurando uma conciliação, sendo que em tais tipos de conflitos não há forma de constituir pontes com a oposição: trata-se de tudo ou nada. Ou seja, é preciso buscar transformar o país ou aceitar a derrota. O problema da Venezuela é que o governo não decidiu tomar medidas decisivas e vai às eleições com uma mão controlando e outra mão brigando, e não é mais possível ganhar eleições desta forma.
Faz algumas semanas que não conversamos. Após as últimas eleições, como estão as coisas, as negociações de Tsipras e tudo isso? Como está a Grécia?
Muito mal. Começaram as privatizações e começaram a impor medidas de austeridade. Apesar de todas as rejeições que o governo recebeu do público, estão determinados a provocar um decrescente padrão de vida para o povo grego. Já começam as demissões em algumas emissoras públicas e há uma greve geral provocada entre os trabalhadores. E há um expurgo de oficiais que são críticos do governo e não são da direita, são pessoas honradas que refletem a política anterior, algo progressista. Então, os expurgos estão em processo para a implementação de medidas repressivas. O governo segue mostrando um servilismo na política externa, buscando se aliar com Israel, buscando se aliar com a OTAN. Busca se subordinar aos Estados Unidos. É um governo completamente à direita e os poucos que o apoiam, recentemente decidiram que é um projeto para esquecer. O Syriza é um novo partido da direita e não há nada que possa salvá-lo de um último destino, o de acabar no lixo da história.
Petras, como sempre, depois desta séria de perguntas que formulamos, deixamos você com algum dos temas que ocupam sua atenção e seu trabalho.
O grande tema de hoje são as eleições deste fim de semana na Argentina, Polônia, Guatemala, Colômbia e Ucrânia. Devemos dizer que a tendência é mais que tudo um aumento da direita, extrema. Na Argentina, o candidato à presidência da ultradireita, o senhor Mauricio Macri, está a um ponto do candidato de centro-esquerda, Scioli. Isto porque, ultimamente, nos últimos dois anos, o kirchnerismo esgotou as medidas progressistas dos primeiro anos, não estimulou as pessoas que tinham compromissos com a esquerda a seguir com este projeto. Então, o candidato Scioli consegue algo mais de 36% dos votos, Macri 34, 35%. A ultradireita sempre teve muita força entre os portenhos e em Buenos Aires em particular. Agora, eles não têm contrapeso entre os setores populares, nos bairros, nas vilas, etc. Deixaram de popularizar o país. A esquerda ganha quando pode popularizar o país, porque a maioria apoia as medidas progressistas. Entretanto, o kirchnerismo, que domina a esquerda deixou de adotar medidas populares, prejudicaram setores ambientalistas, prejudicaram atores sindicais, prejudicaram trabalhadores independentes. É possível que nas eleições finais a direita tome o poder. Enquanto isso, o setor marxista, FIT, Frente de Esquerda, só consegue 3,4% dos votos, segue marginalizado, por muitas razões, mas principalmente porque a maioria popular continua pensando no kirchnerismo e quando o krichnerismo começa a se deteriorar, a FIT não tinha uma inserção para receber e aproveitar. O descontentamento se desloca à direita, para Macri, Massa ou para outros grupos. Isto é uma tragédia. Se Macri chegar ao poder, podemos esperar um retrocesso total em todas as frentes sociais, econômicas e na política exterior. Em outra situação, podemos ver um processo semelhante na Polônia, onde a ultradireita, Lei e Justiça, mal chamado um partido da ultradireita consegue 40% contra 23% da oposição. Agora, neste caso, temos uma combinação de clericalismo (fundamentalistas católicos) e medidas populistas. A direita dura ascende justamente porque adotaram medidas de bem-estar social e antineoliberais, junto com políticas direitistas, perseguição da esquerda, sentimento ultranacionalista, ultra anti-Rússia, ultramilitar. É uma tragédia que a força antineoliberal esteja dominada pela direita.
Agora, na Guatemala é pouco o que se pode dizer. Um comediante consegue 73%, o social-democrata consegue algo de vinte e poucos por cento. É outro caso da despolitização da política. O povo só pensa em derrotar os que apoiam aos esquadrões da morte, que eram presidentes anteriores. O comediante se chama Jimmy Morales e não tem nenhuma perspectiva progressista, mas como representa uma suposta alternativa aos generais, aos comandantes assassinos, as pessoas pensam que é o mal menor. E algo semelhante acontece na Colômbia, onde a esquerda perde Bogotá, o candidato da direita, Enrique Peñalosa vence e a candidata da esquerda, Clara López, só consegue um quinto do eleitorado. A única coisa positiva é que o candidato dos esquadrões da morte, Álvaro Uribe, só consegue 12% do eleitorado. Outra vez o eleitorado rechaça aos esquadrões da morte, mas não opta pela esquerda, buscam um candidato mais próximo do presidente Santos, que é Peñalosa. Em outras palavras, o mal menor é a opção.
Em geral, é o que podemos dizer do processo eleitoral que mencionamos, com exceção da Ucrânia, que devo destacar que é onde a esquerda começa a escalar uma força para além das províncias do leste... Em geral, há um processo eleitoral favorecendo a direita e devemos dizer que os governantes progressistas não tomaram medidas suficientemente duras para fragilizar o capital, o grande capital e os meios de comunicação controlados pelos conglomerados. Então, a partir das posições econômicas, a partir dos controles dos meios de comunicação, podem se manter e aproveitar a fragilização da centro-esquerda. Na medida em que a centro-esquerda começa a se fragilizar, a esquerda consequente fica à margem do processo. Não criou uma base para aproveitar a desintegração da centro-esquerda. Agora, na Ucrânia temos um caso especial que vai contra esta corrente. Podemos dizer que o governo de Petro Poroshenko consegue só 12% do eleitorado, ou seja, 88% do eleitorado rejeitam a junta. Pior, nas pesquisas, 99% do eleitorado rejeitam o primeiro-ministro. O primeiro-ministro é tão odiado que não apresentou sua candidatura, nem de seu partido. Decide no último momento, evitar o escândalo, apresentar-se e se retirar do processo eleitoral, porque 99% do eleitorado em Kiev e arredores eram contra o governo... O governo favorecido por toda a imprensa ocidental, o Fundo Monetário, por implementar medidas econômicas que prejudicam 90% do eleitorado. Derrubaram os salários em 50%, acabaram com as subvenções para mercadorias básicas da cesta do consumidor, prejudicaram a seguridade do país, etc. Em outras palavras, poderíamos dizer que onde a direita dura neoliberal manda há uma forte rejeição. Porém, quando a centro-esquerda está no poder e pensa em se acomodar com o capitalismo, eles são prejudicados. Em outras palavras, a luta entre a centro-esquerda e a direita depende de quem governa. Se a direita governa são atacados, se a centro-esquerda está governando, eles são prejudicados. E a esquerda ainda não encontrou o caminho para construir uma alternativa a este binômio. No único caso, na Ucrânia, em que a esquerda tinha alguma presença, a máfia de Kiev anulou as eleições. Dizem que as cédulas dos eleitores não eram apropriadas. Porém, a realidade é que as duas cidades onde anularam as eleições são cidades fortemente de oposição ao governo de Petro Poroshenko e seu primeiro-ministro. Com isso, terminamos dizendo que não há evidência de que a esquerda esteja avançando e há muitas indicações de que a esquerda está em retrocesso ou pelos menos estagnada.
Muito bem, Petras, apresentou-nos um completíssimo panorama. Agradecemos muito e nos comprometemos a conversarmos novamente na próxima segunda-feira, na (Rádio) Centenario. Um grande abraço.
Muito obrigado, um abraço aos ouvintes.
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“Washington não tem nenhum interesse em uma solução para a guerra na Síria”, afirma James Petras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU