25 Agosto 2015
No dia 15 de março do ano passado, o nível dos reservatórios do Sistema Cantareira, que abastecem 8,8 milhões de pessoas no Estado de São Paulo, atingiu 8,2% de sua capacidade utilizável, o pior índice já registrado desde a sua criação, em 1974. De lá para cá, as principais medidas propostas pelo governo centraram na ampliação da oferta de abastecimento de água: o aproveitamento dos volumes mortos do Cantareira; a utilização da água da represa Billings; e, mesmo, a possibilidade de transposição das águas do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira.
A reportagem é de Sílvio Anunciação, publicada pelo jornal da Unicamp, 24-08-2015.
Ao pesquisar as ações que podem contribuir para o aumento da disponibilidade de água da Região Metropolitana de São Paulo, o engenheiro ambiental Ricardo da Silva Manca [1] propõe uma nova diretriz sobre a situação. Ao invés de apenas centrar esforços e recursos na ampliação da oferta de água, o pesquisador da Unicamp aponta que o gerenciamento da demanda é fundamental; e num modelo que contemple ações de modo integrado.
Para Ricardo Manca, que acaba de concluir doutorado sobre o tema, as principais ações neste sentido são a redução de perdas e o reúso de água. Ele avalia ainda que as ações governamentais no que se refere ao gerenciamento dos recursos hídricos vêm sendo realizadas muito mais como “gerenciamento de crise” do que como “gerenciamento de risco”, modelo considerado o ideal.
“Se os setores de redução de perdas e de reúso de água tivessem avançado nas últimas décadas, os problemas relacionados à escassez de água seriam menores na atualidade. Estima-se que as perdas na Região Metropolitana de São Paulo girem entre 35% e 40% do volume ofertado à população. Reduzir perdas significa aumentar a quantidade de água que já é uma água tratada. No caso do reúso também, porque não depende de chuva. Hoje, há tratamentos que podem elevar a água numa qualidade muito boa”, defende.
O pesquisador pondera, no entanto, que estas duas medidas isoladas não seriam capazes de solucionar uma possível falta de água para a sociedade neste momento. “O nosso conceito de gerenciamento integrado para a água é de que seja dada atenção para as oportunidades possíveis, tanto na demanda quanto na oferta, mas nós temos dado pouca prioridade para a demanda. Por isso insistimos na defesa deste tipo de gerenciamento. Devo parar obras de captação, obras exclusivamente na oferta de água? De maneira alguma! Seria um erro excluir qualquer benefício para a melhoria da gestão do recurso, porém, o que o estudo propõe é que a gestão seja feita de forma abrangente, visando todas as opções possíveis e disponíveis”, explica.
Ricardo Manca defendeu doutorado junto à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). A tese foi orientada pelo docente José Gilberto Dalfré Filho, que atua no Departamento de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da Unidade. Houve a coorientação do professor Antonio Carlos Zuffo, que atua no mesmo Departamento; e financiamento, na forma de bolsa ao pesquisador, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A pesquisa do Ricardo chegou a um benchmark, que é o gerenciamento integrado da demanda de água. Essa proposta trabalharia para além da ampliação da oferta de água, ou seja, na redução de perdas, no reúso e também na utilização da água da chuva, na redução do consumo e conscientização da população”, explica o orientador do trabalho. Ainda conforme José Gilberto Dalfré Filho, o estudo é relevante, pois pode municiar o corpo técnico do governo ou mesmo o governante na tomada de decisões que não vêm sendo estabelecidas como prioritárias.
“O gerenciamento da oferta apresenta, muitas vezes, um resultado mais rápido e mais aparente. Porém, o gerenciamento integrado da demanda é um trabalho árduo e que nem sempre aparenta resultados impactantes em curto prazo. Mas trabalhar a demanda é extremamente necessário. Se não fizer isso, é como se eu administrasse uma companhia em que os gastos vão aumentando de uma forma descontrolada e, para suprir isso, o foco seja somente em ganhar mais capital. Isso é uma maneira pouco eficiente de buscar solução. No caso da água, há o agravante de que é um recurso esgotável”, compara o docente da Unicamp.
Como parte dos resultados da pesquisa, o engenheiro ambiental desenvolveu uma ferramenta de análise de sensibilidade que permite avaliar o gerenciamento da demanda de água com enfoque em medidas prioritárias do ponto de vista do gestor do sistema de abastecimento. Essa ferramenta aponta, na forma de um acelerador, para diversos tipos de situações possíveis, a partir das medidas que seriam tomadas pelo gestor: situação ruim, regular, boa e a considerada ideal, que é o gerenciamento integrado da demanda de água.
“Hoje se busca muito ampliar a oferta. Na tentativa de atender a oferta, o governo ‘esquece’ a demanda. Perdas chegam a 40%. Desse modo, reduzir as perdas pela metade equivaleria à economia de praticamente um Cantareira. Só que o resultado não é rápido: é preciso investir muito em substituição de redes, isso leva tempo e custo. Ao diminuir a demanda, passa-se para uma situação de eficiência, na direção da sustentabilidade. Portanto, esse gerenciamento integrado, proposto pela pesquisa do Ricardo, vai neste caminho”, avalia o coorientador, Antonio Carlos Zuffo.
O estudo da FEC, baseado nos dados do Setor Nacional de Saneamento (SNIS), aponta que no Brasil as perdas totais (reais e aparentes) variam entre 45% e 50% do volume ofertado à população. Em algumas cidades, o índice pode chegar a 70%. “Isso representa 4,68 bilhões de metros cúbicos de água produzidos por ano. Os volumes perdidos levam a conclusão de que metade da água produzida é perdida. Cidades com índices de perdas nesses valores poderiam aumentar o volume disponibilizado para a população adiando a necessidade de obtenção de novos pontos de captação e água importada de outras bacias. A melhoria nos sistemas de abastecimento público é uma tarefa emergente, necessária e com vantagens econômicas e ambientais”, considera o autor da pesquisa.
MÉTODOS DE TOMADA DE DECISÃO E MULTICRITÉRIOS
Para identificar e hierarquizar as principais ações de atuação na demanda hídrica, Ricardo Manca utilizou dois recursos metodológicos. “Primeiro, nós precisávamos obter informações por meio de um conjunto de especialistas da área. Para isso, recorremos a entrevistas e envio de questionários. Tendo como meta ‘Aumentar a disponibilidade de água’, questionamos, por exemplo: ‘Que nota você daria para a redução de perdas? E para reúso?’” Este método, conforme o engenheiro ambiental, ocupa-se com médias e permite definir as prioridades com base no consenso dos especialistas. Trata-se do Método de Auxílio à Tomada de Decisão Delphi.
O outro recurso metodológico, denominado como Multicriteriais, avalia as opções dadas pelos especialistas em multicritérios: econômicos, ambientais, sociais, estruturais e governamentais. “Uma opção pode não ser viável do ponto de vista econômico, mas, do ponto de vista ambiental, ela pode ser muito importante. Portanto, nós podemos criar vários critérios e cruzar esses critérios atribuindo pesos e valores a eles, dando prioridades às diferentes opções. Isso nós fizemos com três métodos multicriteriais: Analytic Hierarchy Process (AHP), Compromise Programming (CP) e Cooperative Game Theory (CGT)”, acrescenta.
Após a aplicação dos métodos multicriteriais foi possível a criação da ferramenta de análise de sensibilidade, que avaliou se uma das alternativas escolhidas pelos especialistas cumpriria as prioridades definidas nestes multicritérios. “O que isso significa? Por exemplo: os especialistas concordam que redução de perdas e reuso de água são duas medidas prioritárias. A partir disso, nós inserimos estas medidas na ferramenta. Se o meu resultado não é positivo, significa que eu estou caminhando no sentido contrário às melhores alternativas para o aumento da disponibilidade de água na Região Metropolitana de São Paulo”, ilustra.
Nota:
[1] Ricardo da Silva Manca é autor da tese “Hierarquização de ações pré-avaliatórias para o gerenciamento dos sistemas de abastecimento de água”, orientado por José Gilberto Dalfré Filho e coorientado por Antonio Carlo Zuffo.
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Estudo sugere ações integradas para atenuar a crise hídrica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU