16 Julho 2015
No final de uma longa viagem pela América Latina, em que se ouviram algumas de suas críticas anticapitalistas mais duras até o momento, o Papa Francisco reconheceu que as suas opiniões causam polêmicas nos Estados Unidos e prometeu refletir sobre essas reações com vistas à sua viagem a este país em setembro.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada pelo sítio Crux, 13-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Ouvi que algumas críticas foram feitas nos Estados Unidos. Devo começar a estudar estas críticas, não?”, acrescentou. “Em seguida devemos dialogar sobre elas”.
Curiosamente para um pontífice que fez da justiça econômica um tema central em seu pontificado, Francisco declarou ser “alérgico” a questões financeiras. Sobre o assunto contabilidade, ele disse: “Eu não entendo muito bem”.
O pontífice reconheceu que os seus comentários sobre a economia tendem a se concentrar sobre os pobres e não na classe média, insistindo que os pobres estão no centro da mensagem cristã. No entanto, achou “um erro” esta disparidade e disse, reconsiderando, que é “uma coisa que eu preciso fazer”.
Francisco deixou de lado os elogios recebidos pelo papel desempenhado por ele na retomada das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba em dezembro passado, dizendo que o crédito principal vai para os dois países. Ele também deu graças ao Senhor, dizendo que uma intervenção divina desempenhou um papel importante na resolução.
Falando sobre um assunto bem diverso deste, o papa negou ter mascado folhas de coca durante a sua viagem à América Latina, e confessou que toda vez que um jovem lhe pedia para tirar uma selfie, ele se sentia “como um bisavô”.
Estes comentários do papa foram feitos durante uma coletiva de 65 minutos com os jornalistas no domingo a bordo do avião papal a caminho do aeroporto de Asunción, no Paraguai, de volta a Roma.
Francisco também falou da atual situação política na Grécia, do crucifixo confeccionado ao estilo comunista dado a ele pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, e de uma disputa de fronteira entre a Bolívia e o Chile.
Durante a coletiva, Francisco foi perguntado sobre a percepção de alguns críticos nos Estados Unidos de que estes seus repetidos ataques contra um sistema “que impôs a lógica do lucro a todo o custo” constituem uma crítica direta do sistema e do modo de vida americanos.
O papa disse que este ponto de vista, sobre o qual falou na Bolívia, não é novidade; ele o expressou em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, em 2013, e em sua recente encíclica sobre o meio ambiente, Laudato Si’.
O pontífice disse saber que suas opiniões têm recebido críticas nos Estados Unidos, mas acrescentou que não podia responder a elas porque não havia tido tempo para lê-las.
“Toda crítica deve ser recebida e estudada, para, depois, se travar o diálogo”, disse ele.
Ele também disse que não havia começado a se preparar para as visitas a Cuba e aos Estados Unidos ainda, preparação que começará a ser feita agora que a sua primeira viagem à América Latina de língua espanhola acabou.
Sobre o caso envolvendo a restauração das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, Francisco apresentou um cronograma de como a sua intervenção se deu em 2014.
“Tudo começou em janeiro do ano passado, e passei três meses simplesmente rezando sobre isso”, disse ele. “O que se pode fazer com esses dois [países], depois de mais de 50 anos que estão assim?”
Francisco disse que se perguntou o que fazer depois que foi abordado pelos dois lados, e então enviou um cardeal para fazer a intermediação.
“O Senhor me fez pensar em um cardeal. Ele foi lá, falou, e depois eu não soube de mais nada”, disse ele.
O papa disse que se passaram meses sem que ele ouvisse sobre qualquer avanço, até que um dia o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, disse-lhe que, no dia seguinte, haveria uma segunda reunião entre representantes dos dois países, os quais estavam intermediando retomada das relações diplomáticas.
“Eu lhe perguntei: ‘Mas como?’”, disse Francisco. “E ele me disse: ‘Sim, os dois grupos estão se conversando”.
Depois disso, o pontífice insistiu que o que aconteceu entre os Estados Unidos e Cuba não foi o resultado da mediação do Vaticano, e sim o resultado da boa vontade dos dois países.
“O mérito é deles, são eles que fizeram isso”, disse ele. “Nós não fizemos quase nada, apenas pequenas coisas”.
Em outro momento, Francisco falou que “foi o Senhor” quem “mediou” a reaproximação entre Cuba e os EUA, e que espera que ambas as nações ganhem alguma coisa e que abram mão de algo durante as negociações.
Em dezembro passado, quando o presidente Barak Obama e o líder cubano Raul Castro anunciaram a intenção de retomar as relações diplomáticas depois de mais de cinco décadas, os dois líderes agradeceram o Papa Francisco pela sua ajuda.
Francisco também foi perguntado se usará a sua parada em Cuba para pressionar Havana no sentido de o país caribenho melhorar o seu histórico em matéria de direitos humanos e liberdade religiosa. Francisco disse que, muito embora todos devam ter estes dois direitos garantidos, o país insular não é o único onde nem são sempre eles são respeitados.
“Temos que ter em mente que existem muitos países, incluindo alguns na Europa [como a França], onde não se pode ostentar símbolos religiosos”, disse ele.
Perguntaram a Francisco sobre a situação na Grécia antes ainda que tivesse sido anunciada a notícia de que Atenas havia alcançado um novo acordo de resgate com os membros da zona do euro, no final de uma maratona de negociações que durou todo o dia de domingo.
O pontífice admitiu ser “alérgico” a assuntos de economia desde que era criança. Disse que o seu pai, contador, trazia consigo os livros da fábrica onde trabalhava para casa nos finais de semana, e o futuro papa achava-os misteriosos.
“Eu não entendo muito bem [desse assunto]”, disse ele.
No entanto, Francisco arriscou-se a dizer que acredita que seria simples demais falar que a culpa é apenas de um lado, considerando que os governos gregos anteriores também falharam.
“Espero que se encontre uma maneira de resolver o problema grego e também uma forma de supervisionar a situação para que isso não aconteça a outros países”, afirmou.
Um órgão de supervisão, segundo Francisco, poderia ajudar melhorar a situação, porque “esse caminho do empréstimo e das dívidas, no fim, não termina nunca”.
Ao falar do crucifixo de inspiração marxista que recebeu do presidente da Bolívia, Evo Morales, o pontífice disse que ficou curioso com o objeto, já que não sabia que era uma réplica do trabalho feito pelo jesuíta Luis Espinal, sacerdote assassinado em 1980 pelo exército boliviano – a quem Francisco prestou homenagem em seu primeiro dia no país.
Francisco disse que ficou surpreso com a cruz, que chamou de “arte de protesto”, mas que não se ofendeu pelo presente porque ele o vê como parte do legado de Espinal, que seguia uma versão da Teologia da Libertação alinhada com o marxismo anos antes que o Vaticano advertisse contra tal teologia.
O pontífice também disse que está preocupado com o processo de paz na Colômbia, e que espera que as negociações prossigam, confirmando que o Vaticano está disposto a ajudar.
Questionado sobre uma possível intervenção por parte do Vaticano na longa disputa entre a Bolívia e o Chile sobre o acesso ao mar, uma disputa de fronteira, o pontífice respondeu que, como chefe de Estado, não podia dizer nada a respeito do assunto, pois poderia ser interpretado como se estivesse tentando interferir na soberania de outro país.
Francisco também foi questionado sobre por que, durante esta viagem, ele havia dado tantas mensagens fortes dirigidas aos pobres, e também mensagens fortes – e às vezes severas – aos ricos e poderosos, mas ao mesmo tempo teve muito pouco a dizer à classe média, “pessoas que trabalham, pagam seus impostos, as pessoas normais”.
Ele começou a sua resposta reconhecendo que era verdade, dizendo que esta foi “uma boa correção” dada pelo jornalista.
“É um erro meu não pensar sobre isso”, disse ele.
O papa disse que a sociedade está polarizada, com a classe média ficando cada vez menor, com o fosso entre os ricos e os pobres crescendo cada vez mais.
“Falo dos pobres porque eles estão no coração do Evangelho”, disse ele. “Eu sempre falo a partir do Evangelho”.
Mas as pessoas comuns, as pessoas simples, o trabalhador, esse é um grande valor, disse Francisco.
“Acho que você me diz uma coisa que eu preciso fazer. Preciso aprofundar mais o magistério sobre isso” disse ele, referindo-se à doutrina oficial da Igreja.
Em um momento mais descontraído, o papa, de 78 anos, foi questionado sobre a sua resistência física durante esta longa semana de viagem.
“Você quer saber a minha saúde?”, brincou ele, dizendo que o mate argentino, que tem altos níveis de mateína, semelhante à cafeína, o ajuda.
“O mate me ajuda, mas não provei a coca. Que isso fique claro, hein!”
Questionado sobre os jovens que se aproximam dele pedindo para tirar uma selfie, Francisco disse que se sente como um bisavô cada vez que isso acontece, considerando o fato “uma outra cultura”.
Francisco confidenciou que, quando saía de um dos eventos durante a viagem pela América Latina, um policial na casa dos 40 anos se aproximou dele pedindo para tirar uma selfie. Ele não pôde evitar a situação e brincou, disse ele, falando que “você não é um adolescente!”.
“É uma outra cultura (...). Eu a respeito”, disse o papa.
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Papa promete estudar as críticas que a sua retórica anticapitalista vem recebendo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU