24 Fevereiro 2015
"Nenhuma diferença de língua, de ritos, de calendários, de formulações teológicas, nenhuma disputa secular resiste diante do fato que estes coptas – como todos os seus coirmãos mártires de outras confissões – são simplesmente “cristãos”, discípulos de Cristo com toda a sua vida, até morrer", a opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado pelo jornal La Stampa, 22-02-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
Neste ano as Igrejas cristãs não celebrarão na mesma data a festa da Páscoa: não obstante, apesar de chegarem de muitas partes, e em particular do patriarca da Igreja copta Tawadros, repetidos convites a celebrar juntos a fé na ressurreição de Jesus Cristo, este sinal eloqüente ainda não é possível. Em consequência, nem sequer a quaresma encontra coincidência de datas. No entanto, trágicas vivências destes dias colocaram em comum todas as igrejas cristãs nos sofrimentos e nas lágrimas, precisamente no momento no qual as do Ocidente entram no período de conversão e arrependimento em preparação da Páscoa.
Assim, o metropolita Onufrio de Kiev, primaz da Igreja ortodoxa ucraniana, num acurado apelo aos fiéis e aos concidadãos, convidou a viver os dias habitualmente festivos que precedem a quaresma num clima de prece, de jejum e de arrependimento: “fazendo memória da tragédia sangrenta de Maidan – escreve o metropolita – e recordando os milhares de vítimas que houve no ano passado na parte oriental do país, recordando que também hoje, talvez neste exato momento, o povo dali está perdendo a vida, a Igreja ortodoxa da Ucrânia anula todas as festividades que por tradição se celebram neste período do ano. Convido os representantes da cultura e das artes, a mídia, todos os nossos concidadãos a unir-se em tal iniciativa. Este não é o momento de diversões e de gozos. É o momento da prece e do jejum, o momento da expiação dos pecados pelo futuro do nosso país e daqueles que nele viverão”.
Mas, o evento sanguinolento que de modo ainda mais perturbador uniu os cristãos de todas as confissões foi o bárbaro assassinato na Líbia de vinte e um operários cristãos coptas, trucidados por mãos do Estado Islâmico. O Papa Francisco, recebida a notícia, não hesitou em realizar um gesto litúrgico inaudito, comemorar numa eucaristia católica cristãos de outra confissão: “Oferecemos esta Missa pelos nossos vinte e um irmãos coptas, degolados pelo simples motivo de serem cristãos... rezamos por eles, que o Senhor como mártir os acolha, pelas suas famílias, pelo meu irmão [o Patriarca copta] Tawadros que sofre tanto”.
Palavras de grande intensidade espiritual, antes ainda que de profunda comparticipação na dor. E a evocação do termo ”martírio” não é casual. A mídia de todo o mundo, de fato, retomou quanto foi difundido pelos ambientes coptas: aqueles simples operários imigrantes, no momento em que eram trucidados invocaram o nome de Jesus Cristo e se confiaram a Ele, não renegaram sua fé que constituía o único motivo daquela morte violenta. As imagens provêem de uma localidade desconhecida da Líbia, às margens do Mediterrâneo e foram realizadas e difundidas com as mais requintadas técnicas modernas, e, no entanto nos referem diretamente aos Acta martyrum, aquelas escassas, mas eficazes narrações do martírio sofrido por cristãos dos primeiros séculos – alguns mortos pelas mesmas lides do ecídio destes dias – os quais, diante dos tribunais, de milícias armadas, juízes e imperadores, confirmavam com sua morte o sentido que tinham dado às suas vidas.
Eram pessoas simples esses cristãos coptas, emigrados para trabalho, preocupados pelas famílias deixadas em El Minya no Egito, assim como eram simples operários católicos aqueles catorze croatas degolados há vinte anos num canteiro de obras perto do Mosteiro de Tibhirine na Algéria, no cume do trauma fundamentalista vivido por aquele país.
Como todos os seus coirmãos, estes coptas – dos quais nos é caro referir aqui todos os nomes: Milad, Abanub, Maed, Yusuf, Kirollos, Bishoy e seu irmão Somali, Malak, Tawadros, Girgis, Mina, Hany, Bishoy, Samuel, Ezat, Loqa, Gaber, Esam, Malak, Sameh e um operário “da aldeia de Awr” que ficou sem nome – carregavam no pulso desde seu batismo uma única tatuagem, a cruz de Cristo, para que, se até as palavras não tivessem podido expressar sua fé, esta era testemunhada pela sua carne. É o ecumenismo do sangue, frequentemente evocado pelo Papa Francisco: dos bárbaros assassínios vem o paradoxal reconhecimento que os discípulos do Senhor são “uma só coisa”, entre eles e com o seu Senhor.
Nenhuma diferença de língua, de ritos, de calendários, de formulações teológicas, nenhuma disputa secular resiste diante do fato que estes coptas – como todos os seus coirmãos mártires de outras confissões – são simplesmente “cristãos”, discípulos de Cristo com toda a sua vida, até morrer. Às vezes o mártir é eliminado porque as suas palavras e os seus gestos perturbaram a quem opera impunemente o mal – se pense no bispo Romero ou em dom Pino Puglisi – o mártir é morto por aquilo que “tem feito”, outras vezes, como aqui, simplesmente por aquilo que “é” e não renuncia a ser: um testemunho de Cristo.
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Os 21 cristãos coptas assassinados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU