Por: Ana Paula Abranoski | 11 Agosto 2018
A Escola que temos e a Escola que queremos. Foi para abordar esta temática que na manhã da última segunda-feira, 06 de agosto, estudantes do Colégio Estadual Santos Dumont, na periferia de Curitiba, reuniram-se para assistir o documentário Fora de Série, pelo ciclo de debates e vivências Juventudes, direitos humanos e democracia, promovido pelo CEPAT em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Núcleo dos Direitos Humanos da PUCPR e o referido colégio.
Produzido pelo Observatório Jovem do Rio de Janeiro e lançado em março deste ano, o documentário traz relatos de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de 13 escolas públicas do Rio de Janeiro. Nele, jovens narram percursos de vida e contam histórias sobre seus relacionamentos com a escola. Os relatos apresentam desafios que envolvem o processo da formação escolar e revelam os suportes e apoios encontrados dentro e fora da escola para concluir o ensino médio.
O enredo do documentário demonstra as lutas e conquistas de um processo educacional voltado aos que foram privados desse direito, excluídos ou abandonados. É possível perceber a diversidade dos alunos, das idades, das motivações para retornar à escola. Suas histórias se cruzam quando o assunto é pobreza, racismo e violação de direitos.
Cada um dos relatos exibidos no documentário aproximou os estudantes do Colégio Santos Dumont não só com a realidade excludente, mas também com os próprios protagonistas dessas exclusões. A exibição serviu como um espaço para reivindicar políticas públicas que possam reconhecer e lidar com as desigualdades sociais do país.
Vale lembrar que o documentário foi produzido no ano de 2015, mesmo ano em que o Governo Federal iniciou os debates para elaborar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.
Logo após a sessão, houve um debate sobre os desafios da educação no país, com as contribuições da diretora do Colégio Santos Dumont, Luciana Ramos Mendes, e da professora de sociologia, Cristiane Bogo, que trouxeram ao debate os impactos da nova base curricular.
Mendes lembra que o governo brasileiro acelerou o processo de votação da nova versão da base sem um debate democrático, o que implica um grande retrocesso na educação e põe em prática um projeto muito maior de cunho neoliberal, que na educação privilegia apenas os saberes utilitaristas. Também fez um resgate dos marcos legais que embasam a BNCC, assim como tantos outros documentos que regeram e regem a educação, por exemplo, documentos maiores do país como a Constituição Federal (1988), lei maior da nossa nação, e a Lei de Diretrizes e Base da Educação, que inclusive foi promulgada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1996). Em sua opinião, a nova base curricular contraria toda a trajetória que o Brasil vinha percorrendo, por meio da definição de diretrizes curriculares.
Neste contexto, Mendes lembra que a Reforma do Ensino Médio (Medida Provisória 746) ocorreu no atual governo Temer. Esta reforma busca fazer mudanças do ponto de vista curricular sem considerar as questões estruturais da sociedade e da própria escola, com o objetivo de flexibilizar as disciplinas dadas aos alunos, estabelecendo disciplinas obrigatórias e opcionais, motivo que fez eclodir os movimentos estudantis de ocupação em 2016. A BNCC, que já foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, este ano, tem como proposta organizar uma base curricular por meio da definição de uma listagem de competências que caberia à escola desenvolver com os estudantes.
Já a professora Cristiane Bogo destaca que no novo modelo da base curricular haverá uma limitação da carga horária, em uma parte reduzida para 1800 horas, sendo que a outra metade da carga horária será destinada para itinerários formativos que incluem ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica profissional. Desse modo, torna-se opcional incluir artes, educação física, filosofia e sociologia na grade escolar. Fica claro que em escolas menores e de regiões periféricas, como é o caso do Colégio Santos Dumont, tais disciplinas dificilmente conseguirão ser incluídas na grade curricular do colégio. Na prática, as escolas com condições mais precárias estarão mais distantes de cumprir o que está prescrito, aumentando ainda mais as desigualdades de aprendizagem entre os estudantes. A síntese dessa medida é uma formação precária, que vai se tornar realidade, principalmente para os filhos da classe trabalhadora, pobre e vulnerável.
Esse cenário se agrava no contexto de vigência da Emenda Constitucional 95/16 (PEC 241/55 – "PEC da Morte") que impõe um teto para os gastos nas áreas sociais, especialmente educação, saúde e assistência social. Como forma de compreender esse desmonte da educação, basta lembrar que a Constituição Federal diz que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, mas este mesmo Estado vem se omitindo de sua responsabilidade quando superlota salas de aula, não oferecendo estrutura de trabalho aos professores, quando não valoriza o trabalho docente, tendo como consequência a baixa qualidade do ensino e os diversos problemas que educandos e educadores vêm enfrentando no interior das instituições.
Para Mendes, a nova base curricular compromete uma formação integral e o acesso a um conjunto de conhecimentos nas múltiplas áreas da ciência e da arte, necessários para o desenvolvimento de uma visão crítica do mundo. Tal perspectiva fragiliza o direito à educação básica e compõe o cenário de retrocessos que estamos assistindo no país.
É fundamental fortalecer o envolvimento dos estudantes com a escola como forma de criar estratégias para pressionar uma mudança desse cenário. Atividades como esse debate com os estudantes do Colégio Santos Dumont deveriam se expandir por todo o país, já que o momento é propício para uma retomada de nossa capacidade de se articular contra as violações que só vem se intensificando.
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