O reformismo eterno tem um efeito paralisante no país. Entrevista especial com Mauro José Silva

Aposentadoria | Foto: ACCE

Por: Patricia Fachin | 29 Abril 2019

“O ajuste não pode ser feito somente pelo lado das despesas; é possível fazer ajustes pelo lado da receita”, afirma o auditor fiscal Mauro José Silva, ao defender que medidas como o combate à sonegação fiscal e o fim das isenções fiscais poderiam render ao Estado uma arrecadação suficiente para equilibrar as contas públicas e abrir mão da reforma da Previdência. Segundo ele, a insistência em reduzir as despesas ao invés de ampliar a receita é explicada pela orientação político-ideológica do governo.

“No Brasil, venceu a eleição um governo que se identifica como liberal na área econômica e conservador na área dos costumes e isso tem consequências: eles estão mais preocupados em cortar despesas do que em agir pelo lado das receitas. Isso faz parte da essência do projeto – se é que existia algum – que venceu a eleição. O candidato que venceu a eleição traz consigo um tratamento favorável ao liberalismo, que implica querer um Estado menor, o corte de despesas, sem se preocupar com a atuação mais forte do Estado”. Infelizmente, lamenta, “os sociais-democratas, os de esquerda e centro-esquerda, quando estiveram no governo, também não investiram nas receitas como solução para resolver os problemas previdenciários”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Mauro Silva comenta alguns pontos da reforma da Previdência e explica que não existem “empecilhos técnicos” para a adoção de uma política de ampliação da receita. “Não existem empecilhos técnicos; eles são políticos. Obviamente que os grupos econômicos de grande poder ficam incomodados porque, se a sonegação fosse fiscalizada, isso atingiria os grandes contribuintes, que têm grande poder econômico e grande poder de pressão política. Obviamente que se o governo fosse por esse caminho, ele teria que enfrentar a pressão política desses grupos, mas essa falta de disposição marcou todos os governos, de todos os espectros possíveis”, pontua. Na avaliação dele, as constantes reformas “têm um efeito paralisante no país; atrás desse reformismo estamos deixando de fazer o país crescer”.

Mauro Silva também critica a proposta de um modelo previdenciário de capitalização, porque esse modelo não é sustentável. “Haverá uma redução da aposentadoria: o valor cairá 1/4 ou 1/5, porque só com a contribuição do trabalhador não é possível sustentar esse modelo. Se optarem por um modelo em que tiver a contribuição do trabalhador mais a do patrão – mesmo essa sendo mais tímida – e mais a participação dos bancos, que retiram todos os anos 2% do patrimônio do trabalhador, também não será possível fechar a conta, porque as taxas bancárias comem metade do patrimônio do trabalhador no decorrer dos anos”. E adverte: “Esse é um gigantesco mecanismo de transferência de renda dos trabalhadores para os bancos; essa é a capitalização financeira”.

Mauro Silva (Foto: UnaFisco)

Mauro José Silva é graduado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo - USP e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É auditor fiscal da Receita Federal do Ministério da Fazenda e exerce a função de julgador na Delegacia de Julgamento de São Paulo.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line — O senhor defende que o combate à sonegação fiscal, a restrição ao Refis - programa de regularização fiscal - e a retirada de benefícios fiscais ineficientes seriam suficientes para garantir o equilíbrio fiscal sem ter que fazer a reforma da Previdência. Quais são as dificuldades de adotar esse conjunto de medidas, por que o governo não aposta nessa via e quais seriam os impactos dessas medidas?

Mauro Silva — Essas medidas sugerem que o ajuste não pode ser feito somente pelo lado das despesas; é possível fazer ajustes pelo lado da receita. Quando se combate a sonegação das contribuições categorizadas, que é da ordem de 230 bilhões de reais por ano, se traz essa arrecadação para dentro do sistema anualmente. Se o Estado combatesse 30% dessa prática, seria possível arrecadar 680 bilhões em dez anos. O combate à fraude renderia mais 66 bilhões em 10 anos, o fim do Refis traria mais 120 bilhões em 10 anos e o fim dos benefícios fiscais traria mais 300 bilhões. Isso tudo faz ultrapassar aquele número de pouco mais de 1 trilhão, que é o objetivo de economia com a reforma.

Entretanto, é muito simples de entender, sem grandes tintas ideológicas, porque o governo não investe nesse modelo, a partir da definição do ministro Paulo Guedes do que é um governo “social-liberal” em contrapartida a um governo “social-democrata”. A diferença, segundo ele, é que o modelo social-liberal não gosta de impostos e gosta de controlar as despesas, enquanto o social-democrata quer ver o lado das receitas. Então, a própria inspiração ideológica do governo leva para a orientação política que se tem em relação à reforma da Previdência, a qual foi apresentada para a população e agora está se impondo. Não se trata de partido A ou partido B, mas de orientações. Por exemplo, nos EUA, os republicanos têm um tipo de orientação e os democratas têm outro. No Brasil, venceu a eleição um governo que se identifica como liberal na área econômica e conservador na área dos costumes e isso tem consequências: eles estão mais preocupados em cortar despesas do que em agir pelo lado das receitas. Isso faz parte da essência do projeto – se é que existia algum – que venceu a eleição. O candidato que venceu a eleição traz consigo um tratamento favorável ao liberalismo, que implica querer um Estado menor, o corte de despesas, sem se preocupar com a atuação mais forte do Estado.

IHU On-Line – Nas reformas que foram feitas nos últimos anos pelos governos do PSDB e do PT, alguma propôs ou foi baseada nessa agenda que o senhor propõe, de aumentar as receitas combatendo as isenções fiscais e a sonegação?

Mauro Silva — O outro espectro político que esteve no poder, embora esperássemos que tivesse outro tipo de comportamento, igualmente ao espectro liberal, também investiu no lado das despesas. Então, é complicado, porque os sociais-democratas, os de esquerda e centro-esquerda, quando estiveram no governo, também não investiram nas receitas como solução para resolver os problemas previdenciários. A atuação da Receita Federal foi completamente tímida nesse aspecto em um governo que é completamente oposto ao liberalismo.

IHU On-Line – Além das orientações ideológicas, questões técnicas impedem ou impediram os governos de investir mais na fiscalização das sonegações e adotar outras estratégias para aumentar a receita, de modo a não precisar de uma reforma da Previdência, ou as tratativas são apenas políticas?

Mauro Silva — Não existem empecilhos técnicos; eles são políticos. Obviamente que os grupos econômicos de grande poder ficam incomodados porque se a sonegação fosse fiscalizada, isso atingiria os grandes contribuintes, que têm grande poder econômico e grande poder de pressão política. Obviamente que se o governo fosse por esse caminho, ele teria que enfrentar a pressão política desses grupos, mas essa falta de disposição marcou todos os governos, de todos os espectros possíveis.

Não existem obstáculos técnicos. Basta orientar a Receita Federal para fazer uma atuação que a atuação será feita. O obstáculo é de opção política, não só desse governo, lamentavelmente. Os demais governos tiveram pouca preocupação no combate à sonegação para a contribuição para a seguridade social e isso nos colocou nessa situação.

Claro que tem uma crise, uma queda na atividade econômica e o aumento do desemprego, e isso tudo agrava a arrecadação para a seguridade. Mas uma coisa a se destacar é que prevalece mais uma narrativa do que a questão técnica acerca da Previdência: a reforma da Previdência – assim como a reforma trabalhista – sozinha não vai gerar os empregos e o crescimento econômico que estão prometendo. A reforma da Previdência não é uma bala de prata que vai eliminar todos os problemas fiscais do Brasil. Pelo contrário, em quatro anos todos os efeitos da reforma previdenciária serão de 66 bilhões, segundo estudos que foram realizados. Então, como dizer que logo no dia seguinte da implantação da reforma teremos crescimento econômico, se o efeito será mínimo? O ministro Paulo Guedes disse que se a reforma for aprovada, a partir de agosto o Brasil cresce 3%. Essa é uma afirmação totalmente desprovida de fundamento técnico.

Da mesma forma, quando aprovaram a reforma trabalhista, disseram que ela permitiria a geração de milhões de empregos, e até hoje estamos esperando a geração desses empregos. O que se fez foi tirar direito dos trabalhadores. A reforma da Previdência também é uma panaceia. Há uma ilusão e uma desinformação propositadamente provocada de que o Brasil vai à falência se não fizerem a reforma da Previdência, o que é uma grande mentira. Não sou eu quem está dizendo, mas economistas independentes. Quer dizer que o Brasil, um país que arrecada em todas as esferas mais de dois trilhões por ano, vai falir por falta de 66 bilhões em quatro anos? O Brasil não vai falir e nem virão empregos do dia para a noite. Esta é uma narrativa que estão criando, mas que não tem nenhuma correspondência com a realidade.

IHU On-Line — O senhor já declarou que a reforma da Previdência, tal como está sendo proposta, é absolutamente desnecessária. Com quais aspectos da reforma o senhor discorda?

Mauro Silva — Discordo de todos os pontos, menos com a questão da instituição da idade mínima. Discordo do modo como estão propondo o Benefício de Prestação Continuada – BPC, a aposentadoria rural, a redução da pensão por morte, a elevação da alíquota previdenciária dos servidores, que é desnecessária, a falta de regras de transição para os servidores que ingressaram antes de 2003. Enfim, essas mudanças não seriam necessárias; seria possível fazer um ajuste das receitas, criar uma idade mínima e ir adiante.

Essas reformas, ou seja, o reformismo eterno, tem um efeito paralisante no país; atrás desse reformismo estamos deixando de fazer o país crescer. Basta ver os números de aumento do desemprego que foram divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Caged. Esse cenário é efeito da paralisia que as reformas causam. Ninguém quer investir num contexto desse.

IHU On-Line — Por que a idade mínima proposta pela reforma, de 62 anos para as mulheres, 65 para os homens e 60 para trabalhadores rurais, não é adequada na sua avaliação?

Mauro Silva — Fizemos o seguinte cálculo para definir a idade mínima: pegamos a expectativa de vida saudável na Europa e a expectativa de vida saudável no Brasil, depois de as pessoas se aposentarem, segundo dados da Organização Mundial da Saúde - OMS. Na Europa, a expectativa de vida saudável depois da aposentadoria é de seis anos e meio. Para se ter os mesmos seis anos e meio de expectativa de vida saudável no Brasil, a idade mínima aqui teria que ser de 60 anos para homens e mulheres.

Outra questão da qual não podemos fugir, embora possa incomodar, é que haja uma fórmula para a idade mínima, porque aumentou a expectativa de vida. A previsão de aumento da idade mínima com base no aumento da expectativa de vida evita fazermos reformas previdenciárias frequentemente, porque a cada reforma que se fizer, novos direitos serão tirados. Não ter novas reformas é de interesse do trabalhador também. Então, à medida que a expectativa de vida for crescendo, tem que ter algum aumento na idade mínima de aposentadoria. Não precisa ser tão rápido quanto o governo está propondo, mas faz sentido haver algum mecanismo para definir a idade mínima com a expectativa de vida.

IHU On-Line — Pode explicar em que consiste a proposta de mudança das alíquotas para contribuintes do INSS e do funcionalismo? Uma das propostas de mudança da reforma diz respeito à alíquota paga pelos trabalhadores contribuintes do INSS, que hoje varia de 8 a 11%, mas que pode ser alterada para 7,5% até 11,68%, dependendo do salário. O que essas mudanças significam?

Mauro Silva — O governo está propondo fazer política social com as alíquotas, ou seja, o pessoal do Regime Geral de Previdência Social (trabalhadores em geral) pagaria um pouco menos e o pessoal do Regime Próprio de Previdência SocialRPPS (funcionalismo) pagaria mais. Essa proposta, embora tenha uma política social, não respeita a natureza jurídica dessas contribuições, que estão ligadas aos benefícios que cada um tem com a Previdência. Então, isso já é um problema porque se propõe fazer política social fazendo com que somente um setor da sociedade, que é o funcionalismo público, pague por essa política social. Se o objetivo é fazer política social, tem que fazer com que toda a sociedade pague por essa política. Tenho sérias dúvidas de que uma política social paga somente por um grupo seja constitucional. Aí você pode me perguntar se não é necessário aumentar a contribuição dos servidores. Mas o fato é que o servidor público que contribui por 35 anos, mais a contribuição do seu empregador, pagaria sua aposentadoria com facilidade. Então, é desnecessária essa alteração de alíquotas.

Evidentemente que os governos federal, estaduais e municipais já gastaram as contribuições que os servidores pagaram, mas isso não é culpa dos servidores; se o dinheiro foi mal-empregado, não é culpa deles. Tanto é assim que há municípios que são superavitários em seus regimes próprios e usam esses recursos para outros gastos. Então, a discussão está sendo feita sem fundamento técnico.

IHU On-Line — Qual seria o impacto da alteração de alíquota para os trabalhadores do funcionalismo?

Mauro Silva — Isso equivale a uma redução de remuneração, porque se aumentar a alíquota em 3%, esse aumento significará uma remuneração líquida reduzida. Não me preocupa a alíquota de 22%, porque pouquíssimas pessoas seriam atingidas, mas as alíquotas intermediárias de 14 e 16% podem pegar alguns servidores e isso vai representar uma redução de remuneração, porque terá um impacto imediato. Os servidores não estão se atentando para a dramática redução das pensões por morte e da aposentadoria por incapacidade. Aquilo que foi, para mim, por exemplo, uma decisão importante para ingressar no serviço público, que é a proteção à minha família em caso de morte ou infortúnio, está sendo drasticamente reduzido para menos de 50% do seu valor atual. As pessoas precisam estar atentas, porque isso implicará uma redução da renda familiar em mais de 50% do que já é hoje em caso de morte de servidor, ou seja, já há uma redução de 30% e a proposta é reduzir mais 50% desse valor.

IHU On-Line – Como o senhor reage ao discurso do governo de que essas ações estão sendo feitas para acabar com privilégios dos servidores públicos?

Mauro Silva — Esse discurso de privilégio é uma narrativa para desviar a atenção da opinião pública. Dentro da economia proposta pela reforma, haveria, em 20 anos, menos de 10% de economia. No entanto, o discurso é de que a reforma vai acabar com os privilégios e que quem recebe privilégios são os servidores públicos. Quem na verdade está pagando essa conta é o pobre que recebe Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, aqueles que recebem o BPC e aqueles que recebem a aposentadoria rural. A economia mais significativa que a equipe econômica pretende alcançar vem desses setores. Então, essa história de que se quer tirar privilégio dos privilegiados é apenas uma narrativa para dispersar a opinião pública, porque os números mostram que isso não é verdade. Além disso, os servidores públicos têm uma série de direitos a menos que os contribuintes do FGTS: eles não têm fundo de garantia, pagam aposentadoria previdenciária mesmo depois de aposentados etc. Esse discurso não é novo; o Collor se elegeu com esse discurso. Esse discurso de acabar com os privilégios faz muito sentido eleitoralmente, mas na vida prática não tem nenhuma relação, porque os dados não comprovam isso.

IHU On-Line — O senhor declarou recentemente que a reforma é inconstitucional porque existem vários problemas históricos com a arrecadação da Previdência, uma vez que o dinheiro arrecadado é usado para outros fins que não o pagamento da aposentadoria dos trabalhadores. Pode nos dar alguns exemplos?

Mauro Silva — O que acontece é o seguinte: a CPI da Previdência, da qual participei, mostrou que há uma série de medidas que devem ser tomadas antes de se propor a retirada de direitos. Esse é um princípio constitucional, que diz que não pode haver retrocesso social se outras medidas podem ser adotadas para não restringir os direitos. Ou seja, enquanto o governo não combater a sonegação, não diminuir os benefícios fiscais e não trouxer para dentro do sistema previdenciário todos os recursos que foram gastos quando o sistema era superavitário, não se poderia fazer uma reforma. Quando o sistema era superavitário, o Estado usou o dinheiro para construir a ponte Rio-Niterói, para construir Brasília, fundaram as grandes estatais, mas esses recursos nunca voltaram para a Previdência. Também houve desvio de recursos por meio da Desvinculação de Receitas da União - DRU, e esse dinheiro desviado nunca retornou. Então, há uma falta de compromisso em trazer esses recursos de volta, mas enquanto isso não for feito não é o caso de fazer uma reforma, porque juridicamente a reforma seria inconstitucional já que o próprio governo não fez a sua parte.

IHU On-Line — Constitucionalmente é permitido usar esse dinheiro para outras finalidades que não o pagamento das aposentadorias?

Mauro Silva — Não é, mas o que temos neste país é o descumprimento de leis e da Constituição. Então, o fato é que em outros governos o dinheiro saiu e não voltou. Na verdade, há muitas violações da Constituição e isso acaba não sendo combatido.

IHU On-Line — Quais são os problemas de um modelo previdenciário de capitalização?

Mauro Silva — Existem alguns modelos de capitalização. Um deles é a capitalização financeira, que é o modelo proposto pelo governo, e outro é a capitalização nocional, que também está na proposta, mas não há interesse nele.

A capitalização financeira é aquela que os bancos administram o dinheiro arrecadado; por isso se chama capitalização financeira. Esse modelo de capitalização arrecada o dinheiro de quem? Apenas do trabalhador ou do trabalhador e do empregador? Isso dependerá da escolha de cada um. O modelo de capitalização que querem implementar no Brasil é aquele em que existe a contribuição apenas do trabalhador, não existe a contribuição patronal. Esse modelo de capitalização financeira, apenas com contribuição do empregado, não funciona e não é capaz de gerar recursos para pagar a aposentadoria do trabalhador. Com a implementação desse modelo, haverá uma redução da aposentadoria: o valor cairá 1/4 ou 1/5, porque só com a contribuição do trabalhador não é possível sustentar esse modelo. Se optarem por um modelo em que tiver a contribuição do trabalhador mais a do patrão – mesmo essa sendo mais tímida – e mais a participação dos bancos, que retiram todos os anos 2% do patrimônio do trabalhador, também não será possível fechar a conta, porque as taxas bancárias comem metade do patrimônio do trabalhador no decorrer dos anos. Esse é um gigantesco mecanismo de transferência de renda dos trabalhadores para os bancos; essa é a capitalização financeira.

A capitalização nocional é uma proposta que já foi apresentada anteriormente, e é defendida pelo PDT e pelo Ciro Gomes. Na capitalização nocional não se separa o dinheiro: é aberta uma conta no nome do trabalhador, na qual é depositado o rendimento que o trabalhador e a empresa recolheram. Quando o trabalhador se aposentar, será apresentado o saldo da conta a ele, e será feito um cálculo para verificar qual será o valor de aposentadoria que será pago até o fim da vida dele. Essa capitalização nocional, como não envolve banco, já livra o trabalhador de um peso muito grande. Mas esse modelo só teria chance de funcionar se houvesse a contribuição do trabalhador e a contribuição patronal, porque, sem a contribuição patronal, nem a capitalização nocional funciona; isso eu provo com números.

No entanto, a capitalização proposta pelo governo, à qual o Paulo Guedes se refere a todo o momento, é apenas a financeira, porque é interesse dele entregar esse serviço para a administração dos bancos. Já a proposta do PDT e do Ciro Gomes é a de que os trabalhadores gerenciassem esses fundos de capitalização nocional.

IHU On-Line — Em que consiste o estudo da UnaFisco acerca do lucro que o modelo proposto vai gerar para os bancos?

Mauro Silva — Se implementarmos a capitalização hoje, ano após ano, novos trabalhadores vão aderir a esse modelo e daqui a 35 anos todo o sistema vai ser administrado pelo banco e todas as aposentadorias serão afetadas – trabalhando com a hipótese de aposentadoria aos 35 anos de contribuição. Fizemos uma planilha na qual fomos colocando as contribuições dos trabalhadores ano a ano, e os rendimentos que os bancos teriam por administrar esse serviço. Com isso, percebemos que, em 70 anos, os bancos retirariam dos trabalhadores 27 trilhões de reais. Dividindo esse valor ao longo de 70 anos, dá uma média de faturamento de 388 bilhões por ano. Então, os filhos e os netos dos banqueiros dormirão tranquilos, porque terão muito jeito de ganhar dinheiro nos próximos 70 anos se a reforma for implementada. Os herdeiros dos banqueiros ficarão muito felizes, porque vão garantir que as suas próximas gerações sejam muito ricas, pois vão estar recebendo metade da renda do trabalhador, a qual deveria ir para formar a previdência dele, mas vai para o bolso dos banqueiros. Nós chegamos a esse número de 388 bilhões por ano só para fazer uma média. Ainda não apareceu ninguém para desmentir esse número; nosso estudo está publicado e ninguém apareceu para dizer que ele está errado.

IHU On-Line — O senhor também já declarou que os direitos dos trabalhadores serão “massacrados” se a reforma for aprovada como está. Quais direitos estão em risco, como e por quê?

Mauro Silva — É um problema se a idade mínima for de até 75 anos. Então, o primeiro problema é estabelecer uma idade mínima excessiva. Outro direito que será afetado é o corte profundo nas pensões por morte e na aposentadoria por incapacidade. A questão da desconstitucionalização também fragiliza toda a proteção previdenciária, porque poderão ocorrer mudanças posteriores com um quórum menor; é uma forma de preparar um corte mais profundo na retirada de direitos. Sobre os direitos dos servidores públicos, os problemas dizem respeito à mudança das alíquotas, à questão da pensão, à regra de transição, e à quebra da confiança e da segurança jurídica. Basicamente são esses os pontos principais.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Mauro Silva — A população e os servidores públicos precisam se envolver nessa discussão e cobrar dos seus parlamentares um posicionamento, pois muitas mentiras estão sendo ditas e vão prevalecer se as pessoas não se mobilizarem. As entidades e os cidadãos devem se mover para essa discussão, porque o futuro está sendo decidido. Somente a cobrança do eleitor pode fazer com que menos mentiras sejam ditas quando se discute um assunto tão sério quanto esse da Previdência.

 

Leia mais