Por: Vitor Necchi | 05 Outubro 2018
A depressão é uma doença que atinge cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Os dados são expressivos e reforçam a necessidade de ampliar as pesquisas e as informações sobre o assunto, até porque ainda há muito preconceito em relação a quem tem esse diagnóstico. Para aprofundar o entendimento sobre o tema, o psiquiatra Neury José Botega escreveu A tristeza transforma, a depressão paralisa, sua primeira obra voltada para um público não acadêmico.
O livro tem o objetivo de orientar pacientes e familiares. A primeira parte é destinada principalmente a quem está com depressão. A segunda, aos familiares. Na terceira parte, “a abordagem é mais densa, relacionada à formulação do diagnóstico de depressão e ao tratamento dos quadros graves da doença”.
A depressão não deve ser confundida com tristeza, que é um sentimento normal. Botega compara que, como uma febre, a tristeza “indica que algo não está bem, que um significado deve ser buscado para a angústia que nos afeta”. Esse sentimento, potencialmente, pode ser transformador, mas muita gente não consegue lidar bem com ele porque “estamos em uma era do imediatismo e da superficialidade feliz das imagens postadas”. Depressão, por outro lado, consiste em uma doença paralisante. “Tem determinação biológica e pode, na maioria das vezes, responder bem a um tratamento”, explica na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
É comum haver preconceito em torno de pessoas depressivas porque, conforme Botega, “ainda há a crença errônea de que só fica deprimido quem é fraco, quem não tem preocupações e responsabilidades e, também, de que para sair de um estado depressivo, só depende da pessoa adoentada”.
Neury Botega | Foto: Arquivo pessoal
Neury José Botega é graduado em Medicina, com residência em Psiquiatria, e doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde trabalha no consultório e no Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas. Fez estágio pós-doutoral no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres. É autor de diversas obras, entre elas Prática psiquiátrica no Hospital Geral (Porto Alegre: Artmed, 2015), Crise suicida. Avaliação e manejo (Porto Alegre: Artmed, 2015) e Telefonemas na Crise. Percursos, desafios na prevenção do suicídio (Porto Alegre: Artmed, 2010).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que caracteriza o sentimento de tristeza?
Neury Botega – A tristeza é um sentimento normal do ser humano. Como uma febre, indica que algo não está bem, que um significado deve ser buscado para a angústia que nos afeta. O sentimento de tristeza, potencialmente, é transformador.
IHU On-Line – Sentir tristeza é algo natural. Por que muita gente não consegue lidar com algo prosaico e inerente à natureza humana?
Neury Botega – Porque estamos em uma era do imediatismo e da superficialidade feliz das imagens postadas.
IHU On-Line – E depressão, o que é?
Neury Botega – Depressão é uma doença paralisante. Tem determinação biológica e pode, na maioria das vezes, responder bem a um tratamento.
IHU On-Line – Qual o impacto da depressão na vida de uma pessoa?
Neury Botega – Ela impede a pessoa de ter prazer em atividades que antes eram prazerosas, traz muitas dúvidas, medo, insegurança e pensamentos negativos. O bloqueio mental causado pela depressão é estranho ao ser, assustador. A depressão pode levar ao desespero, ao alcoolismo, ao suicídio. A doença interfere muito nas atividades cotidianas, ao contrário da tristeza.
IHU On-Line – Por que há confusão no reconhecimento de tristeza e de depressão?
Neury Botega – A própria expressão “ando meio deprê” passou para o linguajar comum. As pessoas também associam muito a doença-depressão ao sentimento de tristeza. No entanto, depressão é mais do que tristeza, pode se polarizar para o vazio, para a angústia, irritabilidade e desespero.
IHU On-Line – Como identificar que uma suposta tristeza é, na verdade, sintoma de um quadro mais grave como a depressão?
Neury Botega – O quadro a seguir oferece algumas dicas, ainda que, em algumas situações, seja difícil, mesmo para um profissional, fazer a diferenciação.
Fonte: A tristeza transforma, a depressão paralisa (São Paulo: Benvirá, 2018), de Neury José Botega
IHU On-Line – Por que há preconceito em torno de pessoas depressivas?
Neury Botega – Porque ainda há a crença errônea de que só fica deprimido quem é fraco, quem não tem preocupações e responsabilidades e, também, de que para sair de um estado depressivo, só depende da pessoa adoentada.
IHU On-Line – A depressão afeta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Por que atinge patamares tão expressivos?
Neury Botega – Não há boa explicação para o fato de a incidência da depressão estar aumentando. As pesquisas mostram que cada vez mais pessoas são afetadas e em faixas etárias mais precoces.
IHU On-Line – O que deve ser feito, na perspectiva individual, em relação a alguém que tem depressão?
Neury Botega – A pessoa deve ser conduzida – me refiro a um auxílio prático de nossa parte – a um médico. Quem se encontra deprimido não tem, muitas vezes, motivação e energia para fazê-lo espontaneamente.
IHU On-Line – E do ponto de vista social, no âmbito da saúde pública, há algo que possa ser feito de maneira preventiva?
Neury Botega – O primeiro passo é lutarmos para haver mais reconhecimento dos quadros depressivos, com diminuição do estigma, e com mais serviços e profissionais aptos para oferecer tratamento.
IHU On-Line – O acesso a consultas com especialistas ainda é restrito tanto no sistema público como nos planos privados. O quanto isso contribui para o agravamento do problema e a manutenção do preconceito com relação à depressão?
Capa do livro de Neury Botega | Foto: Divulgação
Neury Botega – De fato, agentes de saúde e médicos clínicos gerais devem estar capacitados a reconhecer e prover as primeiras orientações. Afinal, o problema é tão frequente quanto outros que afetam a população, como hipertensão arterial, por exemplo. A consulta com o especialista deveria ser reservada para os casos de maior complexidade, ou que não responderam a uma primeira tentativa de tratamento.
IHU On-Line – O livro A tristeza transforma, a depressão paralisa é sua primeira obra voltada para um público não acadêmico. Qual a sua pretensão? E como ele é estruturado?
Neury Botega – O livro visa a orientar pacientes e familiares. Está dividido em três partes. A primeira é mais voltada para quem está com depressão, com capítulos bem curtos. Relatos de pacientes falam sobre a experiência de estar deprimido, permitem a identificação imediata. A segunda parte do livro destina-se, sobretudo, aos familiares. As situações clínicas exemplificadas têm a intenção de promover a empatia, o entendimento da doença e dos tratamentos disponíveis. Na terceira parte, a abordagem é mais densa, relacionada à formulação do diagnóstico de depressão e ao tratamento dos quadros graves da doença.
IHU On-Line – Nos últimos anos, fala-se mais em suicídio, em contrariedade ao tabu da mídia silenciar sobre este assunto. A depressão relaciona-se com que intensidade a este ato extremo?
Neury Botega – O suicídio é um fenômeno muito complexo, o resultado trágico da combinação de vários fatores. Entre esses, a depressão tem papel preponderante. É o que demonstra o conjunto de vários estudos científicos. Por isso é tão importante diferenciar depressão de tristeza e oferecer um tratamento específico para a doença.
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'A tristeza transforma, a depressão paralisa'. Entrevista especial com Neury Botega - Instituto Humanitas Unisinos - IHU