05 Outubro 2012
“A força do conservadorismo evita mudanças mais profundas na governança da política econômica e social, em que pese a natureza e profundidade da crise”, avalia o economista.
Confira a entrevista.
A segunda rodada de recessão econômica internacional, que está em curso desde 2009, “levou a uma deterioração acentuada das expectativas dos agentes em relação ao futuro, evidenciando que o mundo desenvolvido irá enfrentar longo período de baixo crescimento e elevado desemprego”, aponta o economista Luiz Fernando de Paula à IHU On-Line em entrevista concedida por e-mail. Em sua avaliação, a crise atual “pode ser analisada de vários ângulos, todos relacionados ao esgotamento de um projeto neoliberal”. Apesar de não vislumbrar o fim do modelo capitalista, o economista ressalta que a conjuntura sinaliza o “esgotamento” do modelo capitalista “sob a dominância financeira, em que a lógica da acumulação de capital esteve baseada num processo de financeirização”.
Apesar de intensificar o desmantelamento dos direitos sociais adquiridos ao longo das últimas décadas, a crise “abre uma porta de oportunidade”. Fernando de Paula assinala para a possibilidade de as economias emergentes, com grande potencial de crescimento do mercado interno, se fortalecerem, como Brasil, China e Índia. “Devemos lembrar que o Brasil transitou de uma economia agrária para uma economia urbano-industrial no contexto da depressão mundial dos anos 1930. Quem sabe agora saibamos aproveitar este momento de crise?”, questiona.
Luiz Fernando de Paula é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, pesquisador do CNPq e presidente da Associação Keynesiana Brasileira – AKB.
Confira a entrevista
IHU On-Line – Diante da semiestagnação da economia norte-americana, da crise do euro e da desaceleração das economias emergentes, o senhor menciona uma segunda rodada de recessão. O que diferencia essa segunda rodada de recessão da “primeira fase” da crise internacional, que se iniciou em 2008? Qual a peculiaridade deste período da crise?
Luiz Fernando de Paula – A primeira rodada de recessão é aquela que veio a partir da crise financeira de 2007-2008. Já a segunda recessão veio após uma breve e tímida recuperação nos países desenvolvidos, abortada por uma nova desaceleração causada por um conjunto de fatores, como a retirada prematura de parte da política anticíclica e o aprofundamento da crise do euro. Claro que há uma relação entre os dois momentos, uma vez que a crise ainda não havia sido nem de longe absorvida – agentes estavam endividados, empresas investindo pouco, bancos desalavancando e com baixa propensão a emprestar etc. Mas o segundo momento levou a uma deterioração acentuada das expectativas dos agentes em relação ao futuro, evidenciando que o mundo desenvolvido irá enfrentar longo período de baixo crescimento e elevado desemprego, ainda que um novo grande evento (como a quebra do Lehman Brothers em 2008) seja improvável de acontecer. A criação de emprego nos EUA teve forte desaceleração no início deste ano, a zona do euro já está em recessão, enquanto que a economia chinesa encontra-se em processo de desaceleração econômica.
IHU On-Line – Quais são as razões estruturais da crise econômica internacional? Trata-se de uma crise que transcende a questão econômica, por exemplo, uma crise política, social? Muitos economistas e sociólogos apontam para uma crise própria do capitalismo, que sinaliza o “seu fim”. Outros, entretanto, falam de seu fortalecimento.
Luiz Fernando de Paula – Não acredito nessas análises sobre o fim do capitalismo; isso não faz qualquer sentido. Esta é uma visão de um marxismo vulgar que olha uma crise mais profunda e assinala sem pestanejar: é o fim do capitalismo. Mas sem dúvida se trata de uma grande crise que pode ser analisada de vários ângulos, todos relacionados ao esgotamento de um projeto neoliberal. Por um lado, trata-se do esgotamento um modelo do capitalismo sob dominância financeira, em que a lógica da acumulação de capital esteve baseada num processo de financeirização definido como “o aumento do papel dos motivos financeiros, mercados financeiros, atores financeiros e instituições financeiras nas operações de economias nacionais e internacionais”. Uma das características deste processo é que há uma perda de participação dos salários na renda nacional, sendo o declínio da parcela salarial acompanhada por um acelerado aumento no endividamento das famílias nos EUA. Isso foi em parte viabilizado até 2008 pela valorização de ativos (ações, pex) e imóveis que gerava um efeito riqueza positivo nas famílias americanas. Por outro lado, a crise atual é a crise da globalização financeira, em que o processo de excessiva liberalização financeira permitiu o aparecimento de novos instrumentos financeiros especulativos opacos. Minsky, economista keynesiano americano, nos anos 1990 manifestava sua preocupação com a desregulamentação financeira nos EUA.
IHU On-Line – A crise internacional, especialmente na Europa, muda a geopolítica do cenário internacional? Alguns países se beneficiam diante desta conjuntura e podem sair fortalecidos da crise?
Luiz Fernando de Paula – Uma crise, como dizem os chineses, sempre abre uma porta de oportunidade. Países emergentes com grande potencial de crescimento do mercado interno poderão se fortalecer ao longo da crise, como o caso do Brasil, China e Índia. Devemos lembrar que o Brasil transitou de uma economia agrária para uma economia urbano-industrial no contexto da depressão mundial dos anos 1930. Quem sabe agora saibamos aproveitar este momento de crise.
IHU On-Line – Mas a crise internacional pode respingar nas economias emergentes? Como ela as afeta?
Luiz Fernando de Paula – Sem dúvida respinga, por conta nos canais de comércio e de fluxos de capitais interligando os países. Países emergentes exportadores de commodities já enfrentam problemas de exportações, como consequência direta e indireta da crise europeia. Como disse, a única saída vai ser crescer para o mercado interno.
IHU On-Line – O senhor cogita a possibilidade de a Grécia sair da zona do euro. Caso isso ocorra, o que é possível esperar de países que também enfrentam uma situação difícil, como Espanha e Portugal, e do euro, especificamente? Para os países que estão em crise, é melhor continuar com o euro ou sem ele?
Luiz Fernando de Paula – O problema é que a saída do euro é algo muito doloroso, em termos econômicos e sociais. A experiência da Argentina mostra as enormes dificuldades de sair de um regime de cambio rigidamente fixo. A crise é avassaladora. Contudo, a adoção de políticas recessivas pode se tornar por demais custosa e longa para certos países, como a Grécia. Entretanto, não se cogita de Portugal e Espanha saírem da zona do euro. Mas a região tem problema de falta de uma institucionalidade (ausência de Banco Central com função de emprestador de última instância bem definida, de federalismo fiscal, união política etc.) para lidar com uma situação de crise, e aí as soluções acabam sendo sempre a reboque. Há necessidade de se repensar seriamente a governança na zona do euro.
IHU On-Line – Quais as implicações de políticas econômicas anticíclicas articuladas com o Fundo Monetário Internacional – FMI? Em que medida a resolução econômica da crise está gerando um problema social ainda mais profundo?
Luiz Fernando de Paula – Em alguma medida o FMI está melhorando suas posições políticas, ainda que não seja, até o momento, o que gostaríamos que fosse. Toda crise gera problemas sociais, ainda que a Europa tenha – bem ou mal – uma rede social mais abrangente do que os EUA.
IHU On-Line – Diante da sua aposta de “pessimismo moderado” em relação à crise internacional, o que é possível vislumbrar acerca do Welfare State, do sistema de proteção social, considerando os pacotes de austeridade dos governos europeus?
Luiz Fernando de Paula – O Welfare State está sendo parcialmente desmantelado na Europa, com a sua tentativa de restaurar condições de competitividade. Mas felizmente isso não vem alcançando os países emergentes, onde os efeitos da crise têm sido bem menos dramáticos.
IHU On-Line – Vê na crise atual uma tentativa de minimizar o sistema de proteção social? Diante da ameaça do mercado liberalizado, como recuperar os direitos sociais?
Luiz Fernando de Paula – Sem dúvida. A recuperação dos direitos sociais vai ocorrer concomitantemente com o processo de recuperação econômica que, contudo, deverá ser lento. Em economias com alto nível de desemprego, a sociedade tem mais dificuldade de se contrapor às forças do mercado.
IHU On-Line – Como avalia o projeto dos partidos de esquerda e da social democracia diante da crise internacional? O que é possível apontar em relação a essas propostas políticas?
Luiz Fernando de Paula – Esta é a grande contradição do mundo atual: a força do conservadorismo evita mudanças mais profundas na governança da política econômica e social, em que pese a natureza e profundidade da crise. É só ver a resistência dos republicanos nos EUA e a força de Ângela Merkel na Alemanha. Algo novo poderá acontecer apenas nos países em desenvolvimento.
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Conservadorismo evita mudança na governança internacional. Entrevista especial com Luiz Fernando de Paula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU