22 Mai 2012
“Não existe uma proposta concreta de desenvolvimento para Amazônia por parte do governo federal e dos governos estaduais”, constata o pesquisador.
Confira a entrevista.
“Hoje, as regiões mais atrasadas do Brasil estão financiando as regiões mais desenvolvidas: Sul e Sudeste. O único investimento que se destaca na Amazônia é o Bolsa Família: 18% de sua distribuição ocorre lá”. É com essa constatação que o agrônomo Alfredo Homma resume o precário desenvolvimento da região amazônica e a falta de investimento dos governos federal e estaduais nos últimos anos. Os investimentos em ciência e tecnologia, informa, “são da ordem de 5%, numa região onde vivem aproximadamente 13% da população brasileira”.
Com uma visão crítica dos discursos verdes que prometem salvar o meio ambiente mantendo a floresta em pé, Homma é enfático ao dizer que se há interesse em salvar a floresta, é preciso “dar atenção para as áreas já desmatadas, criando alternativas produtivas mais adequadas”. Também é preciso superar a utopia da exploração extrativista. Segundo ele, a “insistência em torno desse modelo fez com que toda a sociedade perdesse a produção de produtos de melhor qualidade e quantidade e com preços mais baixos”. E dispara: “É interessante observar como o capital extrativo funciona como uma barreira para os plantios locais na Amazônia, pois os cultivos dessas frutas geralmente ocorrem fora da Amazônia. São Paulo, por exemplo, é o maior produtor de pupunha, e a Bahia é o maior produtor de guaraná e cacau do Brasil, quer dizer, produtos da Amazônia estão sendo produzidos em outras regiões”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador explica sua visão de desenvolvimento para a Amazônia, comenta as alterações do Código Florestal e se opõe à Lei de Floresta Pública. “Estamos assistindo a grandes esforços de reflorestamento na China, Espanha, Grécia e, enquanto os países desenvolvidos estão investindo em reflorestamento, o Brasil emite concessões florestais. Deveria ser o contrário, ou seja, deveria haver uma política de reflorestamento na Amazônia”.
Alfredo Homma (foto) possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa, mestrado e doutorado em Economia Rural pela mesma universidade. É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa desde 1974.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em 1989 o senhor defendeu a tese “A extração de recursos naturais renováveis: o caso do extrativismo vegetal na Amazônia”. O que mudou em relação ao extrativismo e às reservas extrativistas de lá para cá?
Alfredo Homma – Quando ocorreu o assassinato de Chico Mendes, em 1988, as pessoas passaram a dizer que as reservas extrativistas e o extrativismo vegetal seriam a grande solução para a Amazônia no sentido de acabar com o desmatamento extremado, gerar renda e emprego, em comparação com outras alternativas produtivas. Entretanto, o extrativismo tem um limite por conta da oferta fixa determinada pela natureza. Quando o mercado começou a crescer, o extrativismo não teve condições de suportar a demanda, porque não foi possível expandir a extração. É por causa desse fenômeno de limitação da produção para atender ao consumo da população que a humanidade iniciou, há dez mil anos, o processo de domesticação das culturas, dando início à agricultura. Hoje, existem mais de três mil plantas cultivadas e centenas de animais no mundo, as quais foram domesticadas.
O extrativismo é bom quando o mercado é pequeno, mas quando o mercado começa a crescer, o setor extrativo não tem condições de suportar o crescimento da demanda. Os ingleses foram os primeiros a perceber que o mundo não poderia depender da borracha coletada dos seringais nativos, tanto que em 1876 levaram 70 mil sementes de seringueiras para o sudeste asiático. Quando começaram a comercializar a borracha do sudeste asiático, a Amazônia entrou em colapso econômico, social e político, pois investia apenas na coleta da borracha extrativa. Houve uma grande utopia em torno da exploração extrativista, e a insistência em torno desse modelo fez com que toda a sociedade perdesse a produção de produtos de melhor qualidade e quantidade e com preços mais baixos. Esse culto ao atraso é perigoso. Eu não tenho nada contra o extrativismo, porque ele foi muito importante no passado, continua sendo no presente. Mas é difícil de ele se desenvolver para dar conta da demanda.
IHU On-Line – Então, qual a melhor opção para as áreas florestais?
Alfredo Homma – É uma ilusão pensar que nós vamos poder sobreviver coletando produtos das florestas. Temos de dar atenção para as áreas que já foram destruídas na Amazônia, algo em torno de 74 milhões de hectares, praticamente três vezes o tamanho do estado de São Paulo, ou metade do estado do Amazonas. Para salvarmos a floresta, temos de dar atenção para as áreas já desmatadas, criando alternativas produtivas mais adequadas. Nesse sentido, é preciso investir na plantação de produtos da biodiversidade que apresentam potencialidades.
Atualmente, o Brasil importa 3/4 da borracha consumida no país e cerca de 1/3 do cacau. Ambos são produtos da Amazônia e saíram do Brasil para serem plantados em países da África e da Ásia, e aí gerar riquezas. Para não depender da importação da borracha, o Brasil precisaria plantar 300 mil pés de seringueiras, as quais já deveriam estar em idade de sangria para virar borracha. Isso daria emprego para aproximadamente 150 mil famílias. No caso do cacau, seria preciso dobrar a área plantada atualmente na Amazônia. Temos que intensificar a produção de castanhas também, mas não é com o extrativismo que será possível fazer isso. O Brasil perdeu para a Bolívia a posição de maior fornecedor de castanha. A população dos países desenvolvidos tem aumentado. Por isso o Brasil precisa aumentar a produção de castanha e demais frutas, como o açaí, bacuri, pupunha.
É interessante observar como o capital extrativo funciona como uma barreira para os plantios locais na Amazônia, pois os cultivos dessas frutas geralmente ocorrem fora dessa área. São Paulo, por exemplo, é o maior produtor de pupunha, e a Bahia é o maior produtor de guaraná e cacau do Brasil, quer dizer, produtos da Amazônia estão sendo produzidos em outras regiões.
Novos investimentos
Outro recurso da biodiversidade amazônica que está sendo negligenciado é a piscicultura. O Brasil assistiu nos últimos 40 anos uma ascensão da avicultura, e atualmente se produz mais carne de frango do que carne bovina. O desmatamento da Amazônia teria sido muito maior se não tivesse sido intensificada a criação de frangos. Mas quando se examina o setor de pesca no Brasil, percebe-se que há 30 anos ele está estagnado e não alcança 10% da produção, comparando com a produção de carne bovina e frango. Há trinta anos a carne de frango era consumida somente pelas pessoas doentes, pelas mulheres grávidas, e hoje a produção de frango é enorme. Nesse sentido, precisaríamos fazer uma revolução na piscicultura brasileira também. Criar peixes para aproveitar a quantidade de água existente no Brasil.
Não adianta as pessoas criticarem a produção de carne bovina na Amazônia, pois a carne ainda continua sendo a fonte de proteína mais barata se compararmos a um quilo de carne bovina, de frango e de peixe. Uma família pobre consegue comer muito mais com um quilo de carne bovina. O peixe, por incrível que pareça, não é barato na Amazônia.
Perda de oportunidades
A Amazônia está perdendo a oportunidade de desenvolver os produtos da região e gerar emprego e renda. A mais recente biopirataria é de uma planta chamada jambu, que é utilizada na culinária paraense, e está sendo cultivada em São Paulo. Fico preocupado com a biodiversidade abstrata, porque, quando vamos a congressos no Brasil, percebemos que as pessoas têm a esperança de que muitas doenças sejam curadas através de produtos da Amazônia. Precisamos mudar esse discurso abstrato da biodiversidade. Nesse momento, temos uma contínua perda dos recursos genéticos para outros locais. Oportunidades existem, mas precisamos investir nas culturas que já conhecemos.
IHU On-Line – Então o desenvolvimento da Amazônia consiste em investir em tecnologia nas culturas já existentes, principalmente as frutíferas?
Alfredo Homma – Frutíferas e madeireiras também. O setor madeireiro tem que acabar com essa ideia de extrair madeira da floresta. Em vez de conceder concessões florestais, como ocorreu no governo Lula, é preciso investir em um programa de reflorestamento para atender à demanda por madeira, e não ficar retirando madeira da floresta. Não é com essa política que será possível abastecer o setor de forma constante e uniforme. Seria possível plantar madeira nas áreas já desmatadas da Amazônia, já que o novo Código Florestal irá abrir um novo mercado para recompor as áreas de reserva legal e preservação permanente.
IHU On-Line – Quais são os produtos almejados pela biopirataria?
Alfredo Homma – A biopirataria na Amazônia é algo bem antigo. O cacau foi o primeiro produto levado para o município de Canavieiras, na Bahia, em 1746, e de lá foi levado para a África e a Ásia. A maioria dos palácios e igrejas de Belém foi construída durante o ciclo do cacau. Como naquele tempo não existia a Ciência Agronômica, o cacau só foi despontar no período da Independência do Brasil, em 1822, e a produção na Amazônia perdeu importância. Iniciou-se, então, o ciclo da seringueira, que durou até 1912, quando os ingleses levaram as sementes de seringueiras e passaram a produzir borracha.
O quinino [1], obtida da casca da cinchona [2], também é um produto da Amazônia e foi levado para outros países por conta do tratamento da malária, que na época era uma doença grave. Mas quando ocorreu a segunda Guerra Mundial, os americanos investiram no quinino e, posteriormente, o americano Robert Burns Woodward recebeu o Prêmio Nobel de Química por conta da síntese química do produto.
Biopirataria
Em época mais recente, podemos dizer que o guaraná foi um produto-alvo da biopirataria. Esse era um produto amazônico que foi levado para a Bahia, que se transformou em seu maior produtor. As grandes empresas de refrigerante acabaram comprando as pequenas empresas e dominando esse mercado. A pupunha, que também é um produto oriundo da Amazônia, é plantada em grande escala em São Paulo, que é o maior produtor, enquanto na Amazônia Legal a produção é cerca de 10% do total nacional.
Essa questão de levar e trazer espécies de plantas faz parte da cultura humana, e não há como mudar isso através de uma legislação. Além disso, não há como criticar essa prática, pois toda a agricultura brasileira é feita de biopirataria: o café, que é a maior riqueza brasileira, foi introduzido no país em 1727, em Belém; o gado foi trazido por Martim Afonso de Souza, em 1532; o búfalo, que é criado no Pará, foi trazido em 1822, como culturas de laranja, soja, eucalipto, maçã, pera, arroz. Todas essas culturas eram exóticas e foram domesticadas no Brasil.
O conceito de que a biopirataria é roubo depende da ótica de quem observa. A domesticação da seringueira, por exemplo, talvez foi uma das grandes conquistas agronômicas do século XX. Para evitar a biopirataria, é preciso investir em um parque produtivo forte de determinada espécie. É só assim que se desestimula a biopirataria.
IHU On-Line – A Amazônia recebe investimento tecnológico para investir em produtos oriundos da floresta?
Alfredo Homma – A questão tecnológica é um fator limitante na Amazônia. Se analisarmos hoje o investimento em tecnologia na Amazônia Legal, veremos que menos de 5% dos pesquisadores com nível de doutorado estudam a região. Os investimentos em ciência e tecnologia dos governos federal, estadual e privado são da ordem de 5%, numa região onde vivem aproximadamente 13% da população brasileira. Para haver uma homogeneidade, os investimentos teriam de equilibrar com o percentual da população, ou seja, deveria ser de no mínimo 13%.
Hoje, as regiões mais atrasadas do Brasil estão financiando as regiões mais desenvolvidas: Sul e Sudeste. O único investimento que se destaca na Amazônia é o Bolsa Família: 18% de sua distribuição ocorre na Amazônia. O mau uso dos recursos naturais na Amazônia decorre da falta de investimentos em tecnologia que possa gerar resultados e novas alternativas econômicas, e isso reflete no alto custo ambiental e social da Amazônia.
IHU On-Line – Em que consiste a política econômica dos governos estaduais do Acre, Amazonas e Pará em relação ao uso das áreas florestais?
Alfredo Homma – Não existe uma proposta concreta de desenvolvimento para Amazônia por parte do governo federal e dos governos estaduais. O controle das áreas florestais está sendo feito fora da Amazônia por organismos que começam a direcionar as políticas das áreas florestais.
Atualmente o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação – REED tem sido proposto pelos países desenvolvidos, e o BNDES criou o Fundo Amazônia. Essas propostas têm uma ênfase em cima da floresta, e por isso discordo totalmente dessas políticas, pois pagam as pessoas para não desmatarem a floresta sob a justificativa de que a floresta em pé seria a melhor alternativa para a Amazônia. Estes recursos do REDD ou do Fundo Amazônia seriam melhor aplicados se fossem investidos em ciência e tecnologia, em obras de infraestrutura social, educação. Isso teria mais efeito do que o atual assistencialismo ambiental. Não é por aí que vamos melhorar as condições da Amazônia e elevar a renda da população.
IHU On-Line – O senhor se refere ao programa governamental Bolsa Verde?
Alfredo Homma – Sim. O Programa Bolsa Verde é um tipo de assistencialismo ambiental. Ele acaba sendo importante para gerar renda para as populações pobres, mas não resolve a situação em longo prazo. É preciso incorporar essas pessoas ao processo produtivo adequado.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a Lei de Floresta Pública? Quais as implicações dela para as florestas?
Alfredo Homma – A ex-ministra Marina Silva assinou esse decreto emitindo concessões florestais na Amazônia. Para mim ocorreu um retrocesso. O mundo está consumindo atualmente cerca de 67% da madeira de florestas nativas. A previsão é de que a participação das florestas nativas caia para 50% por volta do ano 2025, 2030. E daqui a 50 anos, vai cair para 25%. Estamos assistindo a grandes esforços de reflorestamento na China, Espanha, Grécia e, enquanto os países desenvolvidos estão investindo em reflorestamento, o Brasil emite concessões florestais. Deveria ser o contrário, ou seja, deveria haver uma política de reflorestamento na Amazônia.
A minha preocupação é em relação aos contratos que são elaborados, porque num período longo, a pessoa que assinou o contrato pode vir a falecer e os filhos podem ter outros objetivos, apresentam riscos de invasões e de incêndios florestais. Em termos de preservação em longo prazo, vejo perigo nessa lei. Essa concessão só é boa para os madeireiros, que não precisam investir em terras e podem ganhar dinheiro explorando essas áreas.
Defendo que se plantem madeira nas áreas que já foram desmatadas, porque aí haverá responsabilidade com as árvores plantadas e não ficaríamos apenas coletando madeira da floresta. As madeireiras é que devem investir em reflorestamento.
IHU On-Line – Caso aprovado, o novo texto do Código Florestal causará impacto nas áreas florestais?
Alfredo Homma – No que se refere ao reflorestamento, o Código Florestal avançou um pouco. Por outro lado, um artigo do novo texto me deixa preocupado, porque autoriza qualquer pessoa a coletar produtos não madeireiros nas propriedades privadas. Então, um produtor que planta uma determinada cultura pode ter sua área ocupada por pessoas que queiram colher os produtos. Em termos práticos, não sei como isso será resolvido.
O novo texto também separa produtos madeireiros e não madeireiros, mas para mim isso não tem diferença, porque se criou uma falsa concepção de que todo produto não madeireiro é sustentável. Isso é um grande equívoco, pois nem toda a extração econômica garante a sustentabilidade biológica e nem toda sustentabilidade biológica garante uma sustentabilidade econômica. Por outro lado, a legislação ambiental acaba com essa ideia de propriedade absoluta. Muitos proprietários acham que podem fazer tudo dentro da propriedade. Hoje já se sabe que o desmatamento de uma propriedade tem consequências em outros locais, e o proprietário não é dono absoluto daquela terra.
O Código também separa muito bem o que é planta nativa e o que é planta exótica, mas ele não explica se efetua um consórcio dessas espécies. O texto ainda terá de passar por transformações. Não sei como o legislador irá interpretar a legislação.
NOTAS
[1] Quinino é um pó branco, inodoro e de sabor amargo. Extraída da Chinchona, é uma substância utilizada no tratamento da malária. Além de ser um fármaco, é utilizada como flavorizante da água tônica.
[2] Chinchona é um gênero de aproximadamente 40 espécies da família Rudiaceae. São arbustos de folhagem persistente naturais da região tropical da América do Sul, que crescem entre 5 e 15m altura.
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Economia extrativista: ''Esse culto ao atraso é perigoso''. Entrevista especial com Alfredo Homma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU