16 Julho 2011
O trabalho social jesuíta já passou por momentos difíceis, mas está formando uma identidade a partir do compromisso "com os excluídos que têm rostos concretos nos migrantes, desalojados, refugiados, indígenas, afrodescendentes e populações urbanas, vítimas da violência e em geral populações marginalizadas e excluídas", avalia Alfredo Ferro, após participar de um encontro dos Centros Sociais Jesuítas da América Latina, em Cuba. Segundo ele, um dos pontos fortes do encontro foi a conscientização de que os Centros devem atuar em rede porque elas "dão uma nova maneira de estar presentes de forma articulada, pensando-nos não como obras ou províncias isoladas, mas sim como um corpo para uma missão, tendo como marco de trabalho as fronteiras e prioridades definidas no Projeto Apostólico Comum – PAC".
Apesar de desenvolver um trabalho social, "não estamos conscientes do potencial que temos, nem das possibilidades de incidir em decisões ou políticas que afetam o bem comum", disse ele à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Para fortalecer as ações sociais, ele sugere que os Centros jesuítas tomem consciência da identidade e da realidade latino-americana para compartilhar fracassos e êxitos. "Devemos fazer um esforço maior para deixar de nos pensar só como setores isolados (social, educativo, paróquias, etc.) e passar a desenvolver nossa missão mais como corpo, dando respostas juntos à missão que temos nas mãos".
Na entrevista a seguir, Alfredo Ferro também ressalta suas impressões sobre a atual conjuntura política, econômica e social cubana, ao retornar ao país depois de 13 anos. "Pelo que conseguimos ouvir, há uma grande incerteza sobre até onde as mudanças poderiam ocorrer com Raúl à frente do governo em Cuba, e se Fidel é que continua governando. Vimos que, em geral, há boas opiniões com relação ao papel que ele tem desempenhado em uma certa transição, já que o mais importante é ter se atrevido a propôr assuntos ou problemas que Fidel nunca tocou".
Alfredo Ferro Medina, colombiano, jpadre jesuíta, é delegado e coordenador do setor do apostolado social da Conferência de Provinciais Jesuítas na América Latina – CPAL, com sede no Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que balanço o senhor faz da reunião dos jesuítas da América Latina em Cuba? Quais suas impressões deste encontro?
Alfredo Ferro – Realmente foi um encontro muito interessante. A avaliação foi excelente. Reunimo-nos entre 55 pessoas de toda a América Latina, entre coordenadores ou delegados sociais das regiões ou províncias, diretores dos centros sociais e vários convidados. O fato de nos reunirmos em Cuba foi muito importante para os jesuítas e colaboradores cubanos, assim como para nós que, além dos temas que tratamos, pudemos nos aproximar da realidade cubana.
IHU On-Line – Que avanços percebeu nesta reunião em relação à do ano passado?
Alfredo Ferro – Um avanço importante foi a tomada de consciência da necessidade de trabalhar em rede, seja a partir dos centros sociais, seja da coordenação do setor social em cada uma das Províncias e Regiões. Um outro foi a consolidação da Rede de Centros Sociais, que avaliou e projetou seus programas, assim como a oportunidade que tivemos de analisar e conhecer mais de perto o Projeto Apostólico Comum da CPAL – PAC e outras iniciativas que vão dando uma dinâmica mais ágil ao setor vinculado aos outros setores.
IHU On-Line – Quais foram os temas centrais abordados no encontro?
Alfredo Ferro – Os temas centrais foram os programas da Rede de Centros Sociais e a realidade financeira deles, a dinâmica das Redes do SJR, o SJM e o apostolado indígena, o PAC, as Redes de incidência em nível internacional da Companhia de Jesus (GIAN), o funcionamento do secretariado de justiça social e ecologia da Companhia em Roma, a missão ou tarefa dos coordenadores sociais, a realidade social, econômica, política, cultural, religiosa e eclesial de Cuba atualmente e, por último, uma reflexão-meditação sobre as polaridades de nossas práticas.
IHU On-Line – Que centros sociais estavam presentes no encontro? Os cubanos também participaram?
Alfredo Ferro – Participaram 28 centros sociais de 12 países da América Latina. De Cuba, participaram três jesuítas e dois leigos que colaboram no centro de Fé e Cultura de Havana.
IHU On-Line – Que avaliação faz do trabalho social dos jesuítas na América Latina?
Alfredo Ferro – É um trabalho árduo que passou por momentos difíceis, mas que, nos últimos anos, foi tomando mais corpo e identidade. Há um compromisso sério com os excluídos que têm rostos concretos nos migrantes, desalojados, refugiados, indígenas, afrodescendentes e populações urbanas, vítimas da violência e em geral populações marginalizadas e excluídas. As Redes atualmente nos dão uma nova maneira de estarmos presentes de forma articulada, pensando-nos não como obras ou províncias isoladas, mas sim como um corpo para uma missão, tendo como marco de trabalho as fronteiras e prioridades definidas no Projeto Apostólico Comum – PAC.
IHU On-Line – Quais as evoluções e os pontos que precisam melhorar?
Alfredo Ferro – Precisamos tomar consciência da nossa identidade e realidade latino-americana, em que há muitas coisas em comum, o que nos permitirá compartilhar os fracassos e os êxitos, fazendo esforços de diversos tipos para nos vincularmos, apoiarmo-nos e acompanharmo-nos. Não estamos conscientes do potencial que temos, nem das possibilidades de incidir em decisões ou políticas que afetam o bem comum. Por outro lado, devemos fazer um esforço maior para deixar de nos pensar só como setores isolados (social, educativo, paróquias, etc.) e passar a desenvolver nossa missão mais como corpo, dando respostas juntos à missão que temos nas mãos. E, por último, surgiu com muita força a necessidade de trabalhar temas ecológicos, ambientais e da relação com os recursos naturais, que aparecem como uma das primeiras demandas da humanidade e do nosso continente hoje.
IHU On-Line – Quais são as demandas latino-americanas no que se refere ao serviço social, à promoção da justiça e ao serviço da fé?
Alfredo Ferro – As provas ou desafios em torno da justiça são muitos. O primeiro, possivelmente, é o de não deixar apagar a chama da necessidade que temos de mudanças e de transformações sociais profundas e do papel que podemos desempenhar nelas. Vivemos em um continente de muita desigualdade, violência e injustiça, e, diante dessa realidade, nossa indignação deve se traduzir em alternativas que apontem para a construção de sociedades sustentáveis. Nossa fé vacila perante as crises da Igreja, e, embora tenhamos um povo profundamente religioso, devemos pôr as instituições que construímos a serviço de um projeto que esteja a serviço dos mais excluídos e marginalizados, tendo como referência a opção de Jesus, próximo e amigo dos pobres.
IHU On-Line – Qual a importância dos Centros Sociais Jesuítas – CIAS especificamente na América Latina?
Alfredo Ferro – Os CIAS propriamente já não existem, isto é, o que eram os Centros de Investigação e Ação Social criados pela Companhia nas décadas de 1960 e 1970. O que existe agora foi o que restou deles, e os outros centros que chamamos de centros sociais foram sendo criados posteriormente e são de grande diversidade. Os centros atuais têm várias características, cada um com sua especificidade, e elas são: reflexão-investigação, formação, ação social e incidência. Tudo isso, de uma forma ou outra, dão uma contribuição crítica às sociedades e estruturas em que estão imersos.
IHU On-Line – Os CIAS estão cumprindo com sua missão na América Latina?
Alfredo Ferro – Penso que sim. Alguns têm maior presença e condições para incidir tanto nos beneficiários, assim como em quem são os tomadores de decisão das políticas públicas. Muitos desses centros conseguiram desenvolver programas ou ações dirigidas às mudanças e transformações sociais que a nossa sociedade requer. São centros que têm uma relação estreita com as populações mais excluídas e empobrecidas, e isso lhes permite dar uma resposta mais acertada.
IHU On-Line – Como o superior geral da Companhia de Jesus, Adolfo Nicolás, vê o trabalho social dos jesuítas no mundo?
Alfredo Ferro – Ele o vê com muito interesse e o incentiva grandemente, considerando-o como uma prioridade na Companhia, tanto que, entre os três secretariados de Roma que permaneceram na nova estrutura de governo que foi definida, encontra-se o de justiça social e ecologia. Recentemente, o padre geral Adolfo Nicolás se reuniu com os coordenadores sociais das assistências e conferências para lhes reiterar seu apoio e o desejo de que o setor como tal se fortaleça colaborando com as demais obras da Companhia de Jesus no desenvolvimento da dimensão social, algo próprio de toda a missão institucional.
IHU On-Line – Qual é a atual situação econômica e social de Cuba?
Alfredo Ferro – Cuba atualmente vive uma situação muito difícil, tanto social quanto econômica, que sobrepassa as causas do que significou o bloqueio. Sentimos que, embora muitos de seus habitantes se sintam orgulhosos com a revolução e especialmente com a autonomia que tiveram ao definir seu próprio destino na tentativa de tornar real o socialismo, foram cometidos muitos erros que começam a ser reconhecidos no nível das altas esferas de governo, ao mesmo tempo em que as novas orientações ou linhas do Partido Comunista apresentam uma abertura a novas realidades sociais e econômicas com as quais esperam sair da emergência que vivem. Sentimos também que a ajuda da Venezuela é um alívio para a situação atual, embora, de todos os modos, haja uma grande incerteza de até onde poderiam ir as mudanças propostas.
IHU On-Line – Os cubanos ainda têm o mesmo sentimento por Fidel? Há um consenso popular sobre a figura dele?
Alfredo Ferro – Fidel continua sendo uma figura emblemática, embora, agora aposentado, aparentemente deixou nas mãos de Raúl, seu irmão, a condução do processo atual, e isso foi valorizado pelos cubanos. Pelo que percebemos, não há consenso sobre sua figura e sobre o papel histórico que ele desempenhou. Veem-se tanto opiniões muito favoráveis que o defendem e o consideram um líder e um herói, tanto os que pensam que ele é o grande responsável pela situação atual do país.
IHU On-Line – O que os cubanos pensam do governo de Raúl Castro? O que mudou na ilha na gestão dele?
Alfredo Ferro – Pelo que conseguimos ouvir, há uma grande incerteza sobre até onde as mudanças poderiam ocorrer com Raúl à frente do governo em Cuba, e se Fidel é que continua governando. Vimos que, em geral, há boas opiniões com relação ao papel que ele tem desempenhado em uma certa transição, já que o mais importante é ter se atrevido a propôr assuntos ou problemas que Fidel nunca tocou. Outros afirmam que quem está mais próximo dele são, aparentemente, pessoas mais realistas e sensatas com relação às mudanças que devem ocorrer no sistema. As novas linhas do partido mostram as mudanças que ocorreram depois de uma ampla pesquisa que foi feita com a população cubana.
IHU On-Line – Quais suas impressões de Cuba? Já esteve lá outras vezes?
Alfredo Ferro – Eu já havia estado duas vezes, e minha impressão depois de 25 anos ou de 13 anos é que é um povo de uma grande integridade e de uma resistência impressionante, apesar das dificuldades que vivem e do sofrimento que padecem por causa das condições econômicas em que vivem, fruto da crise que sofrem. A realidade é muito complexa. Não podemos negar que, historicamente, há triunfos significativos no setor da saúde e da educação, mas, ao mesmo tempo, fomos testemunhas da deterioração que esses mesmos setores que foram o baluarte do triunfo revolucionário foram sofrendo. Como novidade, fomos testemunhas também das boas relações existentes atualmente entre o governo e o episcopado cubano. Abriu-se uma porta, e acreditamos que isso pode dar bons frutos em benefício da população em geral.
IHU On-Line – Há jesuítas ou colaboradores da Companhia de Jesus na América Latina ameaçados em função do trabalho social?
Alfredo Ferro – Existem apenas 26 jesuítas em Cuba, e nenhum deles está ameaçado, como também não estão os membros da Igreja em geral. Cremos que esses tempos já passaram. Chamou-nos muito a atenção que, há algum tempo e por cerca de 15 meses, a Nossa Senhora da Caridade do Cobre, padroeira de Cuba e símbolo da identidade desse povo, está peregrinando por todo o país, com grandes multidões que a acompanham e que a recebem nas cidades e zonas rurais, e, para tudo isso, houve uma colaboração estreita das autoridades locais e das forças policiais.
IHU On-Line – Em sua opinião qual é o trabalho desenvolvido pela Companhia de Jesus no continente latino-americano que o senhor considera profético?
Alfredo Ferro – Aqueles que trabalham com índios, afrodescendentes, migrantes, desalojados, vítimas da violência, tráfico de pessoas e, em geral, com aquelas pessoas mais excluídas de nossa sociedade. Ao sentir que perdemos inserção por causa da diminuição das comunidades no meio dos bairros populares ou pelo desinteresse de estar nesse meio, aqueles que estão sendo próximos ao nosso povo, acompanhando-o de perto e convivendo nele dia a dia, são aqueles que nos dão testemunho de entrega e questionam nossas seguranças e comodidades.
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Serviço social jesuíta na América Latina. A reunião de Havana. Entrevista especial com Alfredo Ferro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU