As realidades reveladas ao longo de 2019 marcaram um ano de empobrecimento da população, de acirramento das desigualdades, da estagnação da economia e do emprego, assim como da desconstituição das políticas públicas. Ao mesmo tempo, foram implementadas inúmeras ações de resistência por grupos sociais que tiveram seus direitos ameaçados e/ou perdidos. Resistência de organização, de mobilização, de articulação, de busca de informação e de formação. Algumas redes se constituíram, como o Fórum de apoio à moradia digna no município de São Leopoldo e a Rede de Proteção da Criança e do Adolescente da Região do Vale do Sinos.
Este contexto teve a participação do Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. O Observatório dedicou o ano de 2019 para publicizar dados acerca das mais variadas dimensões da realidade da Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Sinos. Sistematizando informações sobre trabalho, ambiente, saúde, educação, moradia, segurança e proteção social, o Programa do IHU buscou provocar o debate sobre as políticas públicas e seu poder de assim como analisar os desafios e as possibilidades para a transformação social com a participação de diferentes agentes com a atuação nestas realidades.
A Região Metropolitana de Porto Alegre em análise
A primeira publicação do ObservaSinos no ano concluiu, a partir dos dados do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul - TCERS, que os municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre precisam criar 43.925 vagas entre 0 e 5 anos de idade na educação infantil. Embora o número de vagas a serem criadas seja ainda alto, em 2015 o número era de 51.383, ou seja, houve uma diminuição no déficit em 16,98%.
A falta de vagas em creche e escolas de educação infantil impacta na vida de mulheres consideradas chefes de família. O número de mulheres que possuíam pelo menos um filho menor de 15 anos de idade residindo no domicílio se manteve maior que 180 mil pessoas de acordo com os dados entre 2011 e 2015. Em 2014, esse indicador chegou a registrar 204.306 mulheres chefes de família na região.
Em relação ao trabalho, neste ano a taxa de desocupação das mulheres segue sendo uma das mais altas da série histórica iniciada no ano de 2012. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ainda revelam uma diferença salarial de R$ 1.460,00 em relação aos homens. Ainda sobre as realidades das mulheres, destacaram-se os dados de violência: os casos de ameaça, lesão corporal, estupro, feminicídio consumado e tentado. A Região Metropolitana de Porto Alegre registrou 19.046 ocorrências entre janeiro e outubro deste ano. Isto equivale a aproximadamente 1.905 casos por mês, 64 vítimas por dia e 3 mulheres que sofreram violência a cada hora.
No que se refere à taxa de desocupação dos jovens, entre aqueles de 14 a 17 anos está na casa dos 40%, enquanto entre os de 18 a 24 anos estava em 20% em 2019. Apenas 26,5% da faixa populacional da Região Metropolitana de Porto Alegre com idade entre 18 e 24 anos frequentavam o ensino superior, segundo dados de 2017. Apesar da baixa percentagem, esse dado é o mais alto do período entre os anos de 2012 e 2017, chegando a registrar 21,2% no primeiro ano de análise.
Analisando a população entre 15 e 29 anos, observa-se que a taxa de jovens porto-alegrenses que não estudavam nem trabalhavam aumentou de 2016 para 2018. No primeiro ano o valor era de 14,7% e passou para 16,2%. O estado do Rio Grande do Sul registrou uma taxa de 16,3% em 2018, enquanto os jovens nem-nem no Brasil chegaram a 23% no mesmo ano. Em termos absolutos, pode-se dizer que 49 mil porto-alegrenses entre 15 e 29 anos não estudavam nem trabalhavam em 2018.
Infográfico: Distribuição percentual de jovens de 15 a 29 anos de idade em Porto Alegre (2016-2018)
A taxa de abandono, por exemplo, aumenta de acordo com o nível de dificuldade do aprendizado, mas também é reflexo da inserção dos jovens no mercado de trabalho, que, por dificuldades, acabam deixando os estudos para dedicar-se ao sustento, ainda mais em período de crises. Em 2018, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, a taxa de distorção idade-série no Brasil era de 17,2 no ensino fundamental, podendo chegar a 26,2 no 7º ano. Em relação ao ensino médio, a taxa geral é de 28,2, com percentual de 47,8. No Rio Grande do Sul, a taxa no ensino fundamental era de 19,9, no 7º ano. Já no ensino médio, a taxa era de 34,7, chegando à 42,1 no 1º ano.
No Vale do Sinos, região que reúne 14 municípios no da Região Metropolitana de Porto Alegre, a taxa de distorção idade-série pode chegar até 26 no ensino fundamental, que foi o caso do município de Portão, enquanto em Campo Bom essa taxa chegou a ser de 4,8. No tocante ao ensino médio, o percentual chega a 48,3 em Araricá. Isso significa que, de cada 100 alunos, quase 50 estão com mais de dois anos de atraso escolar.
No que se refere a saúde dos jovens, a região possuía um registro de 167 casos de sífilis congênita no ano de 2008. Em 2017, este número saltou para 1.570 casos. Isso significa que neste período houve um aumento de 840% no número de gestantes com sífilis. A maior incidência de sífilis para o período de 2008-2017 ocorreu nas gestantes com idade entre 20 e 29 anos, sendo a faixa etária com maior número de casos dentre os municípios analisados.
Infográfico: Número de casos de sífilis congênita na Região Metropolitana de Porto Alegre (2008-2017)
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA referentes ao Índice de Vulnerabilidade Social - IVS revelam tendências provocadoras em relação à realidade de alguns grupos populacionais da Região Metropolitana de Porto Alegre. Dentre elas, a diminuição da esperança de vida ao nascer, o crescimento da população jovem vulnerável, bem como o aumento da mortalidade de crianças até um ano de idade.
Ainda na saúde, mas com relação ao meio ambiente, foi possível averiguar que foram descobertas 267 detecções de agrotóxicos nas águas que abastecem os municípios da Região Metropolitana entre os anos de 2014 e 2017. Aproximadamente 30% deste total se concentrou em Porto Alegre, Novo Hamburgo e São Leopoldo, cada um apresentando 27 tipos de substâncias tóxicas. Deste total, 11 agrotóxicos estavam relacionados com doenças crônicas, como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos.
Outra questão relacionada à saúde é a falta de universalização do saneamento básico no Brasil. 2.464.631 domicílios da Região Metropolitana de Porto Alegre não possuíam acesso ao serviço de coleta de esgoto, o que significa 58,5% da população. A maior parte das internações por doenças relacionadas ao saneamento ocorre com a população entre 0 e 4 anos e com aqueles com idade acima dos 60 anos na Região Metropolitana de Porto Alegre. Quase metade das internações ocorreu com essas faixas etárias em 2017. Os dados ainda mostram que 45,2% das internações por doenças associadas à falta de saneamento ocorreram na população feminina.
Infográfico: População total que mora em domicílios sem acesso à água tratada na Região Metropolitana de Porto Alegre
Por fim, o ObservaSinos analisou que o Índice de Desenvolvimento Humano - IDHM da Região Metropolitana de Porto Alegre aumentou de 0,788 para 0,795 entre 2016 e 2017. Ao abrir os dados do IDHM, ainda possibilitam saber a desigualdade por cor e raça no ano de 2017. A diferença do rendimento médio recebido entre brancos e pretos e pardos foi acima da média nacional regional: 55,11%, em valores, uma diferença de R$ 2.292,26 dos rendimentos dos pretos e pardos. Esse resultado faz o desenvolvimento humano de negros da Região Metropolitana de Porto Alegre um dos piores do Brasil.
Intervenções nas realidades do Vale do Sinos
Missão pela moradia digna
Uma das intervenções do Programa do IHU em 2019 foi a Missão pela Moradia Digna em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, realizada em março e segue confirmada. Sua continuidade foi reafirmada em 2020 com a criação do Fórum pela Defesa da Moradia Digna. Isso porque o direito fundamental à moradia segue ameaçado e/ou violado no município. A Missão foi assumida a partir da ameaça de despejo de 2.500 famílias moradoras da maior ocupação do Rio Grande do Sul no final do ano de 2018. Realidade difícil para cada família e para a cidade, já que uma remoção deste porte implica em um problema de envergadura multidimensional.
Moradores da Ocupação Steigleder recebem o cadastramento das 208 famílias. (Foto: Lucas Schardong | IHU)
Diante desta realidade um coletivo de entidades formada por CDES Direitos Humanos, Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul - CEDHRS, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM, Missionárias do Cristo Ressuscitado - MCR, Engenheiros Sem Fronteira Unisinos - ESF, juntamente com lideranças de quatro ocupações: Justo, Vitória, Steigleder e Anita projetou e realizou a Missão pela Moradia Digna nos dias 19 e 20 de março de 2019. Esta ação e metodologia têm inspiração nas missões realizadas pela Organização das Nações Unidas - ONU. Ela foi dividida em três momentos: visita e diagnóstico sobre a situação de quatro ocupações urbanas, com a identificação das situações de violação de direitos; visita às autoridades dos poderes legislativo, executivo e judiciário do município para apresentar e debater as realidades e indicar a necessidade de soluções; e, por fim, a Audiência Pública com a participação de todos os envolvidos neste processo: comunidades e autoridades para um debate amplo e profundo, em vista do encaminhamento de soluções.
As realidades e debates promovidos pela Missão apontaram a necessidade da ampliação da sua análise. Foram sistematizados os dados, as realidades e a experiência da Missão para publicizar e ampliar ainda mais o debate e a intervenção, numa perspectiva transdisciplinar e intersetorial.
Vídeo: Um retrato da (des)proteção social em São Leopoldo
O Seminário Direito à moradia em direção às cidades às cidades sustentáveis - uma agenda para 2020 na cidade de São Leopoldo realizado no dia 22 de novembro constituiu um espaço de diálogos a partir das experiências das ocupações urbanas de São Leopoldo, ressaltando o papel dos diversos atores que atuam na consolidação dessas práticas desde uma perspectiva de defesa da moradia, dignidade humana e da efetividade dos direitos humanos. Neste seminário foram assumidos compromissos pelas entidades e participantes de:
1) Elaboração de um manifesto público sobre as realidades da moradia no município, no estado e Brasil, reveladoras das desigualdades, ausência de políticas públicas para a moradia e de todos os direitos e serviços para sua garantia com dignidade;
2) Formação de Fórum em defesa à Moradia Digna, que reúna grupos de ocupações e de apoio às lutas pela moradia, dando visibilidade, socializando e articulando experiências em vista da afirmação de políticas públicas para a Moradia nas esferas municipal, estadual e nacional. Monitorar e publicizar as lutas e suas expressões;
3) Afirmação da garantia do despejo zero, enquanto não se apresentarem políticas para a garantia de moradia para toda a população que dela necessitar;
4) Realização de Agenda para manifestações públicas para dar vistas às realidades da questão da moradia e da realidade da população que vive este não direito, assim como dos seus defensores;
5) Promoção de espaços e processos de formação para os defensores públicos populares dos direitos à moradia e direitos humanos, assim como da formação permanente e continuada para profissionais das diferentes áreas (advogados, arquitetos, engenheiros, assistentes sociais, médicos, etc) na defesa dos direitos à moradia.
Seminário mobilizou diferentes grupos na luta pelo direito à moradia digna. (Foto: Lucas Schardong/IHU)
Proteção da criança e do adolescente
Ao longo de 2019, as Redes de Proteção da Criança e do Adolescente foi tema de debate para pelos 14 municípios da região do Vale do Sinos. Os momentos de reflexão e planejamento se deram a partir de uma parceria entre o Círculo Operário Leopoldense - COL, Programa de Apoio a Meninos e Meninas - PROAME e ObservaSinos. O debate foi inicializado a partir da elaboração do diagnóstico pelas instâncias de cada município, seguido do debate intersetorial de políticas por agentes governamentais e da sociedade civil.
A análise sobre as potencialidades e limites das redes, foi seguida da indicação de propostas de como fazer acontecer ou fortalecer as redes municipais e regional. Desafios importantes, se colocaram como propostas para o avanço das redes: participação das crianças, adolescentes e jovens deste debate é fundamental; definição dos fluxos do atendimento e acompanhamento das crianças, adolescentes e jovens; enfrentamento às situações alarmantes que dizem respeito às violências contra este segmento populacional, assim como às violências auto-praticadas pelas crianças, adolescentes e jovens. A Rede assumiu o compromisso de dar continuidade a este debate, parceria e construção em 2020. Definição feita no seminário realizado no dia 09/12 na Unisinos. A série de atividades teve o seu encerramento com a realização do “Seminário Regional Articulando Redes de Proteção: compartilhando experiências e celebrando parcerias”.
Infográfico: Números do ObservaSinos em 2019
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