A educação é um dos temas de análise do Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. O Observatório entende que as políticas públicas são ferramentas de afirmação e transformação da sociedade numa perspectiva de enfrentamento às desigualdades e de afirmação da justiça e realização humana.
Um dos papéis do ObservaSinos é, através de suas análises, promover o debate para qualificar a interlocução da criação de políticas públicas e controle social, com a exposição de dados sobre as diferentes realidades do Vale do Sinos, da Região Metropolitana de Porto Alegre e de seus municípios.
Nesse sentido, o Observatório promoveu a oficina Dados Educacionais: Educação e Políticas Públicas, com o propósito de apresentar, debater e analisar os dados e as políticas públicas educacionais. A atividade, que ocorreu no dia 16/11, foi ministrada pela professora Flávia Werle, que conduziu os debates e as apresentações da Dra. Alenis Cleusa de Andrade, Dra. Cristiane Welter e dos doutorandos Sandra Simone Hopner Pierozan e Júlio Magido Velho Muara.
De acordo com a professora Flávia, a oficina serviu para “discutir os diferentes espaços de apropriação, legitimidade e objetividade das taxas e estatísticas que representam realidades socioculturais, econômicas e educacionais”. Para ela, isto é importante, pois se pode debater sobre a forma e o quanto os pesquisadores e sociedade em geral podem se apropriar da temática, principalmente focando na utilização das bases de dados disponíveis.
Ela iniciou a oficina falando sobre o paradigma dominante dos indicadores educacionais e também de outras áreas, que apresentam as realidades através de dados e que isso tornaria a realidade compreensível e com a possibilidade de ser apropriada por todos. Flávia também cita o paradigma emergente sobre as estatísticas, que aborda os sentidos das interpretações dos diferentes atores sociais. “De alguma maneira eu acho que nós somos sempre cotejados com esses dois tipos de paradigmas. A questão dos números e das taxas e, por outro lado, a subjetividade, a interpretação e as diferentes lógicas que ora conflituam e ora dialogam entre si”, explica.
A professora Flávia também apresentou o conceito de indicadores, através do estudo “Desigualdade de acesso à educação superior no Brasil e o Plano Nacional de Educação”, realizado por Luiz Carlos Caseiro. Conforme a professora, estes estudos são referentes a diversas metas do Plano Nacional de Educação e o trabalho de Caseiro é interessante, pois parte de uma hipótese sobre o ensino superior. “Ele nos diz que se nós tivermos uma política de ampliação de matrículas no ensino superior e que se para as elites não há uma universalização ainda de acesso ao ensino superior, essa política de ampliação de matriculas, ao invés de fazer uma promoção vai fazer ao contrário e aumentar o nível de desigualdade”. Ela também ressalta que a pesquisa utiliza dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) para fazer o estudo e chegar às conclusões.
Copo meio cheio ou copo meio vazio?
A doutoranda Sandra Simone debate o uso de dados educacionais para a formação da educação (Foto: Lucas Schardong/IHU)
Uma das ministrantes da oficina, a doutoranda do PPG em Educação da Unisinos Sandra Simone Hopner Pierozan, trouxe como contribuição uma reflexão sobre o uso de dados como único meio de avaliar a qualidade da educação e o desenvolvimento dos alunos e das escolas.
Ela alerta que as estatísticas têm dois lados, já que é possível interpretar o número de outras maneiras, e que é necessário refletir sobre isso na construção de políticas públicas. “O resultado desse dado pode ou não projetar uma política pública no caso da educação. Muitas vezes, são feitas consultas que podem vir a atender aqueles que foram pesquisados ou não”, explica.
Sandra também faz uma reflexão sobre os textos informativos utilizados por órgãos públicos ou pelas mídias, que acabam convencendo a população em geral sobre o dado demonstrado como se fosse a realidade e o contexto total de determinada situação. Ela afirma que isto pode não se verificar na realidade, pois é preciso saber como o dado foi coletado e a subjetividade da interpretação e daquilo que a fonte quer nos apontar. “Estatísticas dão um olhar de síntese, mas não mostram todas as diferenças e as questões individuais que aparecem na pesquisa. Como enxergamos aqueles que as pesquisas não enxergam?”.
Por fim, Sandra faz um convite para as pessoas pesquisarem e pensarem sobre como os dados são produzidos, para que assim seja possível melhorar a reflexão em relação às análises. “Olhar o conjunto como um todo e olhar aquilo que não aparece nas estatísticas talvez seja o ponto que ajuda a qualificar o trabalho para a criação de novas políticas”.
QEdu - Uso de dados para transformar a educação
Júlio Magido apresenta a plataforma de dados educacionais QEdu (Foto: Lucas Schardong/IHU)
Para exemplificar uma das bases de dados utilizadas para pesquisar questões relacionadas à educação, o doutorando Júlio Magido demonstrou o seu estudo sobre o QEdu. A plataforma é utilizada por grupos privados que acessam dados estatísticos provenientes de espaços públicos e fontes oficiais, como a Prova Brasil, o Censo Escolar e indicadores especiais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep.
Conforme Júlio, o portal é aberto e gratuito, onde os interessados podem encontrar informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil. “Todas as informações estão disponíveis na página de cada escola, município, estado e de todo o Brasil. As pessoas podem se cadastrar e receber informações gratuitamente”, revela.
Além de apresentar o funcionamento do site, Magido afirma que com os dados adquiridos nas pesquisas, é possível fazer o cruzamento destes, abrindo diversas possibilidades de informação e análises. Algumas das possíveis pesquisas destacadas pelo doutorando são as taxas de aprovação, abandono e reprovação, e a distorção idade-série, que informa quantos alunos estão matriculados com dois anos de idade ou mais em relação ao adequado para a série.
Durante a apresentação, a professora Flávia Werle levantou a reflexão sobre os órgãos que podem fazer as análises e pesquisas de dados: “Quem pode dar vida aos dados? Por que o Inep tem recursos para contratar firmas e apresentar alguns dados e microdados, mas não é capaz de investir em formatos que aproximem e deem vida aos dados para quem está nas escolas, como o professor, por exemplo?”.
O que dizem as estatísticas educacionais sobre relações de gênero, remuneração e a função de direção escolar?
As questões de gênero são debatidas pela Dra. Alenis de Andrade (Foto: Lucas Schardong/IHU)
Em sua intervenção para a oficina “Dados Educacionais: Educação e Políticas Públicas”, a Dra. Alenis de Andrade apresentou a problematização das questões de gênero na Educação Básica, voltada para a remuneração recebida por homens e mulheres que estão exercendo a função de direção na educação básica. Conforme Alenis, o estudo tem por objetivo compreender as influências das relações de gênero na composição da distribuição da remuneração e do acesso ao cargo de diretor nas escolas do Rio Grande do Sul.
Para tal, a doutora em Educação analisou as respostas dadas por diretores ao questionário de contexto respondido por ocasião da aplicação da Prova Brasil 2015. A partir disso, a pesquisa se propôs a pensar os dados estatísticos como fonte para a compreensão ampliada, de um outro ponto de vista que não o do dia a dia da escola, da situação educacional do país e do estado do Rio Grande do Sul. “Propõe-se discutir dados disponíveis em bases de dados públicas sobre a educação básica”, afirma.
Alenis também avalia que é importante ampliar o ponto de vista dos pesquisadores para poder discutir de forma mais aprimorada os dados disponíveis nas bases que trazem estatísticas sobre educação básica. “Analisando as respostas dos diretores, temos, através do contexto, diversos fatores que tentam demonstrar a realidade da escola a partir da visão do diretor da escola”.
Ela também relata a dificuldade de fazer o acesso às bases para as pessoas que não têm tanto contato com esse tipo de ferramenta, já que em sua maioria elas não são intuitivas. Para Alenis, apenas após passar por todo o trabalho de coleta se torna possível acessar e fazer a contextualização dos dados, mas existem dificuldades para se chegar neste momento da pesquisa e dar coerência ao dado.
Ghost: Do outro lado da avaliação em larga escala
As invisbilidades dos alunos também foi pauta da oficina pela Dra. Cristiane Welter (Foto: Lucas Schardong/IHU)
Na última intervenção da oficina, “Dados Educacionais: Educação e Políticas Públicas”, a Dra. Cristiane Welter apresentou seu trabalho sobre os dados estatísticos que não englobam todos os estudantes, deixando de fora uma minoria considerável e prejudicando as análises das realidades e as criações de políticas públicas. Para a realização do estudo, ela se debruçou sobre os números dos alunos da Prova Brasil que não eram contados.
O objetivo do estudo é dar visibilidade para estes alunos, que respondem, mas não são contabilizados para as estatísticas ou simplesmente ficam de fora da aplicação do questionário de contexto do Inep. “Olhando para os dados, não se encontram as pessoas, não se sabe onde estão os PCDs, por exemplo. Escolas rurais não apareciam nas bases de dados”, explica. Ela também ressalta que é importante saber quais são e como esses dados podem contribuir para que esses gestores possam ter maior poder de decisão e de proposição para políticas públicas.
Tendo o trabalho de pesquisa um suporte na Sociologia, Cristiane também pode fazer uma associação e construir categorias para os estudantes que ficaram excluídos dos resultados. A partir disso, foi possível perceber que os grupos de invisíveis se assemelham bastante com aqueles que pertencem a outras camadas da sociedade.
Com o uso adequado dos dados e através da contextualização e também da análise dos pormenores das pesquisas, ela acredita que é possível criar políticas públicas que atinjam as diferentes populações e todos os alunos das escolas. Para Cristiane, agregar todos é algo fundamental para a construção da sociedade e melhoria da educação básica brasileira. “Pertencimento é um ato político”, destaca.