A Economia Solidária e sua relação com as políticas públicas foi tema de debate durante a última oficina do Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. A atividade, realizada na terça-feira (15/08), foi ministrada pela mestranda Kellen Cristine Pasqualeto, pela MS Suziane Gutbier e pelo Prof. Dr. Luiz Inácio Germany Gaiger.
O evento contou com a participação de 45 pessoas, que se dividiam entre militantes e apoiadores/as da causa da Economia Solidária, gestores/as e trabalhadores/as do poder público de municípios do Vale do Sinos, estudantes, pesquisadores/as e membros de grupos de Economia Solidária da região.
A oficina teve seu início com a apresentação da MS Suziane Gutbier, que exibiu um apanhado histórico do movimento da Economia Solidária no Brasil, que tem sua origem datada do século XIX, contra o avanço do capitalismo industrial e a exclusão e exploração no mundo do trabalho. Contrapõe-se ao modelo econômico vigente na sociedade, a partir da presença ativa e organizada de pessoas associadas aos Empreendimentos Econômicos e Solidários - EES.
Na Economia Solidária, os próprios trabalhadores também são os donos dos lugares onde trabalham. O Ministério do Trabalho concebe a Economia Solidária como “um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver”. São os trabalhadores que tomam as decisões de como gerenciar o negócio, dividir o trabalho e repartir os resultados. Existem quatro princípios fundamentais que se destacam para que aconteça um empreendimento de Economia Solidária: cooperação, autogestão, ação econômica e solidariedade. “Precisamos reconhecer que tivemos avanços importantes nesse período e tivemos várias conquistas que lutamos para manter. Dentre eles, conseguimos colocar em pauta a discussão do projeto de Lei Nacional de Economia Solidária, que é uma luta até hoje. A lei é importante para nós, pois reconhece a especificidade do empreendimento de Economia Solidária”, diz a mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos Suziane Gutbier.
Suziane também trouxe para o debate alguns problemas e questionamentos levantados durante as suas pesquisas e atividades relacionadas à Economia Solidária, revelando uma espécie de inchamento do modelo. “O empreendimento de Economia Solidária segue outra lógica, que não é a do lucro. É a lógica da construção da qualidade de vida, da construção coletiva, são outros parâmetros”. Ela apresenta como um dos desafios saber como acolher as pessoas que são encaminhadas para os empreendimentos e não têm muita ideia de como funciona, e que estão apenas à espera de oportunidades. Outra preocupação é que em alguns lugares se criou a ideia errônea de que o modelo seria uma espécie de assistencialismo, e não um setor econômico.
Para Suziane, os empreendimentos de Economia Solidária também são uma alternativa para a economia tradicional e para períodos de crise. “A Economia Solidária é, sim, uma alternativa para esse momento de crise. Agora a gente precisa se apropriar do que ela já construiu de saber e se propor a construir os avanços necessários. E, principalmente, mostrar o potencial da Economia Solidária para a nossa sociedade”.
Em um segundo momento da oficina, Kellen Pasqualeto, mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e membro do Coletivo de Mulheres Apoena socioambiental, trouxe sua experiência nos empreendimentos de Economia Solidária que trabalham com reciclagem de resíduos sólidos. Ela apontou o ano de 2006 como o começo dos avanços nas políticas públicas, que estavam arquivadas. “É importante ouvir as pessoas, entender qual é a demanda e saber que a pessoa esteja enquadrada e que é possível aplicar a política pública”.
Uma das principais políticas criadas para a integração dos catadores de resíduos foi a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, de 2010. O Brasil foi o primeiro país a integrar catadores por meio de suas cooperativas, através da PNRS. De acordo com Kellen, isto fez com que as cooperativas pudessem se tornar prestadores de serviços. “Com a lei, foram se reconhecendo as contribuições desses trabalhadores e proporcionando um enquadramento jurídico para permitir que cooperativas sejam contratadas como provedores de serviços”, afirma.
De acordo com Kellen, o discurso de grandes empresas é que a implantação desta lei não foi positiva, já que os catadores não teriam condições de realizar as demandas do trabalho e com qualidade. “Este discurso é recorrente e está na fala das grandes empresas que defendem assumir esse setor, porque ele é lucrativo. Quando a gente pensa, historicamente, reconhecer quem trabalha com isso, é nesse contexto que se enquadra a nossa luta”.
Ela explica que, com a PNRS, os catadores se tornam protagonistas na gestão integrada dos resíduos sólidos e que, conforme a lei, isso deve ser feito preferencialmente por cooperativas. Além disso, a responsabilidade deve ser compartilhada, ou seja, os catadores têm o seu papel na coleta e separação do lixo, mas o poder público também é atuante neste processo e a população deve ter consciência para fazer a separação correta em casa.
Conforme a PNRS, é preciso que se elabore um Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos - PMGIRS, para pôr em prática a organização da coleta de lixo. Esse plano também é um pré-requisito para que o poder público do município possa acessar os recursos destinados pelo Governo Federal. “Mesmo assim, com dados de 2014 de uma pesquisa que fizemos aqui no IHU, 33% dos municípios tinham construído seus PMGIRS. Uma autora que é nossa parceira, a Ioli Wirth, mostra que os dados do Rio Grande do Sul apresentam 175 municípios gaúchos com iniciativas de coleta seletiva, mas a pesquisa de campo dela revela que não passam de 24 cooperativas ou associações em 20 municípios”.
Kellen afirma que os catadores podem oferecer serviços de coleta, triagem, recuperação e reciclagem de resíduos a um custo razoável. E que a luta deles é para o reconhecimento dos serviços que prestam, acesso aos resíduos e o direito de serem contratados para a gestão de resíduos sólidos. Com isso, podem criar os seus empreendimentos de Economia Solidária e trabalhar com a autogestão dos trabalhos de coleta. Ela também assegura que integrar os catadores na gestão de resíduos sólidos é a opção mais vantajosa para todos.
Para finalizar a oficina, o Prof. Dr. Luiz Inácio Germany Gaiger afirmou que o Rio Grande do Sul é pioneiro nas pesquisas sobre Economia Solidária. Ele trouxe algumas ideias para ampliar o debate, apresentando modelos de empreendimentos de outros países. De acordo com Gaiger, o objetivo desta apresentação é fazer com que o público pense mais no contexto geral de avanço da Economia Solidária.
Olhando o aspecto nacional da Economia Solidária, o professor destacou dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária - SIES, que apontam mais de 20 mil empreendimentos no Brasil. Gaiger propõe que se estudem os dados da Secretaria Nacional de Economia Solidária - Senaes, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese e o Cadastro de Empreendimentos Econômicos Solidários - Cadsol, para que se possa melhorar a informação e avaliar o espectro municipal das ações do sistema econômico e avaliar políticas públicas que possam colaborar com os empreendimentos de Economia Solidária.
Ele também indica o desafio de uma construção de política pública democrática, afirmando que é algo muito sério e difícil de ser aplicado. Para Gaiger, o modelo democrático deve ser construído através da necessidade da população e também a partir dela. Ele aponta a criação do Conselho Nacional de Economia Solidária - CNE, como um exemplo de modelo que, de certa forma, deu certo, mas que não teve a repercussão merecida. “A Economia Solidária foi um exemplo de instauração de um sistema de comunicação, discussão e implementação de políticas públicas que, apesar dos pesares, foi aprovada. O que vai acontecer daqui para frente depende muito de nós.”
A Economia Solidária no Vale do Sinos
O Brasil possuía, até 2013, 1,42 milhão de associados na Economia Solidária distribuídos em 19.708 EES, segundo o Atlas Digital da Economia Solidária. O Rio Grande do Sul era o estado com o maior número de associados (193.822) e também com o maior número de EES (1.696). A Região do Vale do Sinos representava 2,11% do total do país e 24,53% do total do estado na quantidade de EES.
Já em número de associados, o Vale do Sinos representava 0,18% do país e 1,37% do Rio Grande do Sul. Os municípios de São Leopoldo (979), Novo Hamburgo (796) e Canoas (350) eram responsáveis por 80,13% dos associados da Economia Solidária no Vale do Sinos. Esses mesmos municípios também possuíam o maior número de EES, com destaque para o município de Campo Bom.
Acesse aqui o II Mapeamento da Economia Solidária na Região Sul.