A violência contra as mulheres é uma questão social que demanda um grande investimento da sociedade civil e do governo para o enfrentamento do fenômeno e de suas causas. Uma conquista no campo das legalidades para o combate a este tipo de violência foi a aprovação da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha.
A Lei visa criar mecanismos para coibir casos de violência doméstica e familiar, bem como garantir os direitos humanos das mulheres.
Entre as medidas de prevenção à violência presentes na Lei, está inserida a promoção de estudos e levantamentos estatísticos e sistematização dos dados pelos órgãos do Judiciário e Segurança Pública.
Sendo assim, o Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, sistematizou os dados atualizados sobre violência contra a mulher, no contexto da Lei Maria da Penha, disponibilizados pela Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul – SSP/RS para a região do Vale do Sinos.
Os dados foram disponibilizados em 02 de janeiro de 2015, mas podem ser alterados conforme a revisão de ocorrências duplicadas, apuração de informações oriundas de investigações, diligências, perícias, correção de fato no final da investigação policial, entre outros.
As tabelas apresentam quatro tipos de crimes contra a mulher nos anos de 2012 a 2014 – ameaça, lesão corporal, estupro e femicídio consumado e tentado, sendo que os dados sobre femicídios tentados correspondem aos anos de 2013 e 2014 (tabela 05). A coluna % (vítimas/total) mostra a participação de cada município no total do estado. Os municípios que estão em negrito nas tabelas são aqueles que estão entre os 10 do estado que apresentaram o maior número de ocorrências.
Além disso, a taxa de mulheres vítimas, que é apresentada em quatro tabelas, mostra o número de mulheres que sofreram a violência a cada 10.000 mulheres. Essa taxa possibilita a comparação entre regionalizações que possuem populações muito distintas entre si.
O CASO ARARICÁ
Como o município de Araricá não possui 10.000 mulheres, a taxa de mulheres vítimas no município é maior que a incidência real de ocorrências, entretanto este fator não afeta, no todo, a comparação da taxa do município com as demais. Porém, há de se ter cuidado com a distorção por equiparar municípios com tamanhos de população muito diferentes.
Cotidianamente, os municípios com menores populações são excluídos da análise, ou eventualmente, estas populações são agregadas a municípios vizinhos com características semelhantes. Ainda assim, optou-se por manter o município de Araricá, apesar deste apresentar distorção devido a pequena população.
TIPOS DE CRIMES
A seguir são apresentados os quadros da realidade para diversos tipos de crimes da Lei Maria da Penha. O primeiro deles é a ameaça.
Ameaça
O crime de ameaça está categorizado na Lei Maria da Penha como violência psicológica, o que corresponde a qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição de autoestima e degradação.
A tabela 01 apresenta os dados de ameaça notificados. O Vale do Sinos apresentou 13,77% das vítimas do estado, no qual Canoas e Novo Hamburgo estiveram entre os 10 municípios com o maior número de ocorrências.
Em 2014, foram notificados 5.913 casos de ameaça no Vale do Sinos, o que representa uma diminuição de 6% ao levar em conta o período 2012-2014. Na região, a taxa de mulheres vítimas em 2014 foi de 89,3, sendo, portanto, maior que a do estado, que é de 79,8.
O município com a maior taxa de mulheres vítimas de ameaça é Araricá, com 149,5. No município, foram notificados 36 casos em 2014. A taxa de Sapiranga é a segunda maior, com 137,9, no qual em 2014 foram notificados 524 casos, um recuo de 8% referente ao ano anterior.
A menor taxa, entretanto, foi em Nova Hartz: 53,9. No município, durante o período analisado, foram notificados 181 casos, que em 2014 teve a menor frequência, com 50 ameaças. No período de 2012-2014, houve uma diminuição de 25% nas ameaças. O segundo município com a menor taxa foi Ivoti, com 55,6.
Lesão corporal
A lesão corporal está categorizada como violência física, que consiste em qualquer conduta que ofenda a integridade física e a saúde da mulher.
A tabela 02 exibe os dados referentes à lesão corporal. No Vale do Sinos, foram registrados 9.929 casos no período, o que expressa 12,63% dos casos do estado. Além disso, no período 2012-2014 houve recuo de 11% no número de casos notificados.
No Vale do Sinos, Canoas e São Leopoldo ficaram entre os 10 com mais notificações no estado. Ainda assim, a maior taxa de mulheres vítimas foi registrada em Araricá, com 78,90 vítimas a cada 10.000 mulheres. No município, foram notificadas 19 lesões corporais em 2014, contra 10 em 2013.
IvotiNova Hartz, mais uma vez, registraram as menores taxas. O primeiro registrou 19,86, em que foram lesionadas 20 vítimas em 2014. Outro destaque para este município é que, de 2012 a 2014, houve recuo de 58% no número de casos. O segundo município também apresentou recuo no período, que em 2014 teve 29 casos notificados.
Estupro
O crime de estupro localiza-se nos tipos de violência doméstica e familiar cometido contra mulheres como violência sexual, que corresponde a condutas de constrangimento, limitação ou anulação do exercício de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
A tabela 03 contém os dados para estupro. No Vale do Sinos, durante o período, foram notificados 520 casos, com destaque para uma redução de 24% de 2012 a 2014.
O município com mais casos em 2014 foi Canoas, com frequência de 43. No entanto, a taxa de Canoas, que foi de 2,56, não foi a maior da região, que foi registrada, mais uma vez, em Araricá, com taxa de 8,31 vítimas a cada 10.000 mulheres no período. No município, em cada um dos anos analisados houve 2 ocorrências.
Por outro lado, o município de Ivoti não apresentou nenhuma notificação de estupro em 2014, apesar de ter ocorrido um caso registrado em 2013. Esteio obteve a segunda menor taxa, com 0,72. O município apresentou 15 notificações no período, sendo apenas 3 em 2014.
Femicídio
O crime de femicídio/feminicídio corresponde ao homicídio doloso praticado contra mulheres por condição do sexo feminino.
O termo feminicídio, segundo Segato (2006), é uma politização dos homicídios de mulheres, que são resultados de um sistema em que o poder e a masculinidade estão presentes na sociedade em forma de misoginia: o ódio e o desprezo pelo corpo feminino e pelos atributos associados ao feminino.
Em março de 2015, foi sancionada a Lei 13.104/15 , que considera o feminicídio um crime hediondo. A Lei prevê o aumento da pena para os casos em que ocorrer os crimes envolvendo violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A tabela 04 contém as informações acerca do femicídio consumado. Percebe-se que dos 14 municípios da região, 6 não tiveram registros de tal ocorrência: Araricá, Campo Bom, Estância Velha, Ivoti, Nova Hartz e Nova Santa Rita.
Nos demais municípios, Canoas e São Leopoldo, além de figurarem entre os 10 municípios com as maiores frequências do estado, também tiveram as maiores frequências da região, com 9 ocorrências em cada município. Ainda assim, as maiores taxas para 2014 foram registradas em outros municípios.
A maior taxa ocorreu em Sapucaia do Sul, em que ocorreram 0,45 casos a cada 10.000 mulheres. Novo Hamburgo obteve 7 notificações no período, em que 2013 não apresentou nenhum relato. No Vale do Sinos, o ano de 2013 apresentou apenas 6 casos, o que representa apenas 16% do período de três anos.
A tabela 05 exibe os dados de 2013 e 2014 para o femicídio tentado. No período, o Vale do Sinos registrou 69 notificações, das quais 74% ocorreram em Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo.
Dos 14 municípios do Corede Vale do Rio dos Sinos, apenas 3 não registraram casos no período: Araricá, Dois Irmãos e Ivoti. Além disso, 7 municípios apresentaram pelo menos uma ocorrência em cada um dos anos analisados.
O maior número de casos se deu em Canoas, com 18 ocorrências, das quais 10 ocorreram em 2014. O município de Novo Hamburgo registrou 17 notificações contra 16 de São Leopoldo. Em conjunto, os 3 municípios alcançaram 74% dos registros, apesar de possuírem apenas 60% da população do Vale do Sinos.
A divulgação dos dados sobre a violência contra a mulher é recente e pode se constituir em ferramenta de denúncia às violências praticadas contra mulheres, entendendo esta como uma violação aos direitos humanos.
A sistematização dos dados sobre violência contra as mulheres se faz necessária para construir o debate em torno deste fenômeno ainda muito presente na sociedade, bem como fomentar a elaboração e execução de políticas públicas de enfrentamento às violências.