14 Setembro 2016
M.G Tenetehar/Guajajara, de 6 anos, morreu na manhã deste domingo, 11, em decorrência de queimaduras sofridas no incêndio que consome há semanas a Terra Indígena Bacurizinho, município de Grajaú, Maranhão. M.G estava com N.S Tenetehar/Guajajara, uma outra criança de 11 anos que está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Rafael, em Imperatriz, com 60% do corpo queimado. Na imagem acima, focos de incêndios na região do município de Grajaú captados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Os garotos saíram da aldeia Pedra para caçar, conforme o hábito. No interior da mata perceberam a rápida chegada das chamas. Tentaram fugir, mas não houve tempo: as labaredas os tinham cercado. Sem alternativa, N.S teve de correr pelo fogo para pedir socorro na aldeia - M.G permaneceu parado esperando a ajuda. Alguns outros Guajajara ouviram os gritos de N.S e foram ajudá-los. Ambos foram levados de moto ao pronto-socorro de Grajaú, e de lá transferidos para Imperatriz.
Na manhã de ontem, por volta das 6 horas, M.G, que teve 95% do corpo queimado, não resistiu e morreu. N.S segue em estado grave, se alimenta por sondas, está entubado e respira com a ajuda de aparelhos - fisioterapia respiratória. Os garotos pertenciam ao mesmo grupo familiar: José Vir de Sousa Tenetehar/Guajajara é pai de N.S e avô de M.G, enterrado na manhã desta segunda-feira, 12, na aldeia Planalto, na Terra Indígena Bacurizinho. "O fogo subiu na mata perto da aldeia semana passada. Tinha até apagado, então no sábado os meninos foram caçar", conta José, que permanece com o filho no hospital.
Uma equipe de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) acompanha o tratamento da criança no Hospital São Rafael. N.S está sedado. A parte mais atingida foi o abdômen (distendido), o tórax e a cabeça, mas há queimaduras também nas pernas. Cogitou-se a possibilidade de transferir a criança para a capital São Luís, o que os médicos descartaram temendo que o garoto não resista. Hoje à tarde uma comunicado (leia completo abaixo) foi divulgado pela equipe de saúde da Sesai, com atuação na Casa de Saúde do Índio (Casai) de Imperatriz. As secretarias de Saúde e Direitos Humanos do Maranhão foram acionadas e oferecem apoio.
Uma fonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) consultada, servidora em Imperatriz, diz que a equipe de brigadistas do PrevFogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, ligado ao Ibama) da Bacurizinho está na Terra Indígena Arariboia. "Esses brigadistas não tiveram o contrato renovado porque o PrevFogo afirmou não ter recursos para mantê-los. Na condição de colaboradores, foram deslocados para a Arariboia quando o fogo lá chegou nos isolados. Porém, havia um acordo caso um incêndio começasse na Bacurizinho e esse acordo não foi cumprido", destaca.
A servidora explica que a Funai pactuou com as secretarias estaduais de Defesa Pública e Defesa Civil, Bombeiros e PrevFogo que os Guajajara brigadistas iriam para a Arariboia, mas que estes órgãos dos governos Estadual e Federal atenderiam a Bacurizinho em caso de necessidade. "O PrevFogo extinguiu a brigada na Bacurizinho, mas solicitou a ajuda dos indígenas treinados na Arariboia. Não podiam deixar a Bacurizinho descoberta, houve uma quebra de acordo. Os Bombeiros não foram pra lá", ressalta a servidora.
Para Gilderlan Rodrigues da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o trágico episódio revela o tamanho do descaso governamental com os incêndios envolvendo as terras indígenas no estado: "Todo o ano nós temos os incêndios e parece não haver um plano de ação e, sobretudo, de prevenção. A cada ano nos deparamos com uma tragédia nova, as mesmas dificuldades, ineficiências e desculpas. Para nós essa morte entra nessa conta, uma conta cujos recursos diminuem para os povos indígenas e aumentam para o agronegócio".
José Arão Marizé Lopes Tenetehar/Guajajara explica que o PrevFogo extinguiu a equipe de brigadistas da Terra Indígena Bacurizinho em meados de fevereiro deste ano: "Foram selecionados os indígenas, chegaram a assinar o contrato, mas a brigada terminou extinta com a alegação de falta de recursos por cortes de despesas”, diz Arão Guajajara, que mora na aldeia Bacurizinho.
No ano passado, o fogo consumiu parte da terra indígena, distante 135 quilômetros de outro território tradicional que desde o último mês de julho sofre com incêndios, a Terra Indígena Arariboia - também Tenetehar/Guajajara e do povo Awá-Guajá em situação de isolamento voluntário. Arão afirma que um documento foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente pedindo a volta do PrevFogo.
“Sofremos com um completo abandono institucional. Funai, Ibama, PrevFogo, Polícia Federal sabem do que tem se passado aqui, mas não tomam nenhuma providência. Não é apenas os incêndios que afetam a terra indígena, mas a presença de madeireiros, caçadores, grileiros”, denuncia Arão. Revoltado, o Guajajara acredita que agora com uma criança morta e outra em estado grave o governo federal tomará alguma medida.
Arão explica que sem a ajuda do PrevFogo os indígenas apenas não permitem que as chamas queimem as aldeias. “O fogo que chega perto das moradias é apagado, todos os dias, mas ir para o interior da mata enfrentar o incêndio é impossível sem ajuda, equipamentos. Essa situação de morte não podia acontecer. são anos e anos que a gente passa por esses incêndios e o Ibama sabe. Cortou recurso em Brasília, morreu criança na aldeia", protesta Arão.
A Funai mantém com o Ibama, desde 2013, um Acordo de Cooperação Técnica para implementação do Programa Brigadas Federais Indígenas. O protocolo firmado estabelece que os brigadistas temporários do programa serão indígenas e poderão atuar tanto em suas próprias comunidades quanto em outras mais distantes, contando com o apoio logístico da Funai no transporte, alojamento e alimentação.
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Criança Guajajara morre e outra tem 60% do corpo queimado em incêndio na Terra Indígena Bacurizinho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU