24 Junho 2016
A cada viagem papal, geralmente, seus tópicos de discussão e públicos-alvos podem ser entendidos em termos de círculos concêntricos, começando na borda exterior, até a interior. Esse é claramente o caso em relação à visita do Papa à Armênia de 24 a 26 de junho, que aponta as prioridades deste pontífice de pelo menos quatro maneiras.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 22-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
As periferias
Esta será a 14ª viagem internacional do pontificado de Francisco, e aqui está um resumo de seus destinos, incluindo a Armênia.
• Europa Oriental: 3 países (Albânia, Bósnia e Herzegovina, Armênia)
• América Latina: 6 países (Brasil, Equador, Bolívia, Paraguai, Cuba, México)
• Ásia: 3 países (Coreia do Sul, Filipinas, Sri Lanka)
• África: 3 países (Quênia, Uganda, República Centro-Africana)
• Oriente Médio: 4 países (Israel, territórios palestinos, Jordânia, Turquia)
• América do Norte: 1 nação (Estados Unidos)
• Europa Ocidental: 0
• Em outras palavras, o resultado está "Mundo Ocidental 1, todos os outros 19." Se fosse uma luta de boxe, o juiz já teria mandado parar.
(Uma viagem de um dia a Estrasburgo em novembro de 2014 não conta como uma visita à Europa Ocidental, pois não foi considerada uma visita de Estado e o Vaticano não a inclui como uma viagem para a França).
Como eu já disse antes, não é necessário consultar um grande especialista para entender a visão de mundo do Papa Francisco, mas sim, consultar seu agente de viagens. Este é um papa que acredita que é possível reerguer lugares tradicionalmente esquecidos e negligenciados, particularmente aqueles onde estão ocorrendo conflitos ou algum outro trauma.
Obviamente, o genocídio que os armênios sofreram nas mãos dos turcos no início do século XX, com uma estimativa de até 1,5 milhões de mortes, qualifica-se como um trauma digno de reconhecimento papal.
Os planos de Papa Francisco de voltar ao Cáucaso em setembro para visitar a Geórgia e o Azerbaijão são, portanto, mais um capítulo na sua identidade como o "Papa das periferias".
Ecumenismo
A Armênia, com uma população de cerca de três milhões, é esmagadoramente cristã, reivindicando ter sido o primeiro país oficialmente cristão do mundo, em 301 dC. Quase 93 por cento dos cidadãos pertencem oficialmente à Igreja Apostólica Armênia, parte da família não-Calcedoniana de Igrejas Ortodoxas Orientais.
Embora existam apenas cerca de 15.000 católicos no país, apenas o suficiente para preencher uma paróquia de tamanho médio em muitas partes do mundo, as relações entre o catolicismo e a Armênia Ortodoxa são realmente muito fortes.
A Igreja Apostólica Armênia reconhece oficialmente a validade dos sacramentos e ordens da Igreja Católica. Em 1996, João Paulo II e Karekin I, os "Católicos", ou líderes da Igreja Armênia, assinaram uma declaração conjunta que estabelece acordos sobre uma variedade de questões. João Paulo emitiu outro comunicado em 2001, em conjunto com Karekin II, o sucessor de Karekin I, que também estava presente na missa inaugural do Papa Francisco em 2013.
Em conjunto com os seus predecessores, Papa Francisco está comprometido com o incentivo à unidade cristã, uma causa que tende a começar com os ortodoxos, uma vez que a ruptura entre o Oriente e o Ocidente é o cisma cristão primordial há mais de um milênio. O Papa Francisco já teve um encontro histórico com o Patriarca Kirill de Moscou, tornou-se inseparável do Patriarca Ecumênico Bartolomeu de Constantinopla e enviou recentemente uma delegação de alto nível para o "Santo e Grande Concílio" das igrejas ortodoxas na ilha de Creta.
A visita à Armênia, portanto, oportuniza mais uma vez que o Papa Francisco estenda seus esforços ecumênicos, desta vez com uma das Igrejas Ortodoxas Orientais que não foi convidada para ser membro votante no Concílio em Creta e que já tende a manter fortes laços com Roma.
Durante sua visita, o Papa participará de um almoço ecumênico organizado por Karekin. Como disse um porta-voz esta semana, o Papa geralmente não dá atenção a esses assuntos "solenes" e evita-os sempre que possível. Portanto, o fato de que ele está disposto a isso durante a visita à Armênia é outro sinal de que ele quer 'mergulhar de cabeça' na unidade.
Geopolítica
O primeiro papa Francisco da história gosta de atuar como pacificador, e há um terrível conflito de longa data pedindo seu envolvimento no Cáucaso, em relação à disputada província de Nagorno-Karabakh, entre a Armênia e o Azerbaijão. Embora os dois lados não estejam em guerra atualmente, as tensões que datam do final dos anos 80 e início dos anos 90 nunca realmente tiveram fim, o que dá ao Papa uma oportunidade de promover a reconciliação.
Um ponto óbvio de grande interesse geopolítico virá no sábado, quando o Papa Francisco visita o memorial de Tsitsernakaberd, dedicado às vítimas do genocídio armênio, em 1915. Todos estarão de ouvidos a postos para saber se o Papa usará a palavra mágica, "genocídio", o que quase sempre desencadeia imediatos protestos diplomáticos e políticos dos turcos.
Se uma reunião do Vaticano na terça-feira pode servir de indício, a estratégia dessa visita provavelmente será insistir que o Vaticano já reconheceu como genocídio o massacre de armênios e outras minorias nas mãos do Império Otomano – João Paulo II fez isso em 2001, assim como o próprio Papa Francisco, no ano passado durante uma liturgia especial em Roma.
No entanto, eles provavelmente não se envolverão a esse ponto em todas as ocasiões, e devem optar pela expressão armeniana 'Medz Yeghern', que significa, literalmente, a "grande calamidade".
Embora tenha acontecido há um século, as feridas do genocídio ainda estão logo abaixo da superfície para os armênios, literalmente. Durante esse encontro do Vaticano na terça-feira, o Monsenhor Antranig Ayvazian, professor da Universidade de Yerevan, disse ainda que há partes do país onde "se você cavar duas polegadas debaixo da terra, encontrará uma infinidade de ossos humanos".
Em sua visita, o Papa Francisco ainda vai encontrar um pequeno grupo de armênios que são descendentes de refugiados abrigados pelo Papa Bento XV, que reinou durante a Primeira Guerra Mundial e classificou o conflito como um "massacre inútil", na residência pontifícia de verão em Castel Gandolfo.
Visto que o massacre de armênios de um século atrás foi em grande parte alimentado pelo ódio anticristão, a viagem também dá margem para que o Papa Francisco discuta a perseguição anticristã atual, referida por ele como um grande "ecumenismo de sangue".
Essa é uma mensagem claramente política, especialmente à luz do que está acontecendo no Iraque e na Síria e das crescentes pressões sobre as potências ocidentais e as Nações Unidas para que intensifiquem os seus esforços anti-ISIS.
Além disso, o Papa Francisco também terá a Rússia em mente enquanto estiver na Armênia.
Honestamente, muitos armênios provavelmente argumentariam que o país sofreu mais nas mãos dos soviéticos do que com os turcos, especialmente em termos do impacto sobre as igrejas cristãs. No entanto, a Rússia hoje é também um dos principais apoiadores do Vaticano na defesa dos cristãos que estão sendo perseguidos no Oriente Médio e, por isso, o Papa precisa andar sobre uma linha tênue em reconhecimento a danos históricos, sem prejudicar alianças atuais.
Católicos locais
No núcleo central, cada viagem papal também considera o rebanho católico local; nas palavras do Vaticano, um papa sempre viaja, pelo menos em partes, para "confirmar os irmãos e irmãs na fé".
No caso da Armênia, é claro, não há um grande rebanho local a ser confirmado, representando menos de metade de um por cento da população nacional. Para este Papa, no entanto, o tamanho claramente não importa, e na verdade muitas vezes parece que quanto mais obscuro e esquecido é um determinado grupo, mais sua imaginação é estimulada.
Durante o encontro do Vaticano na terça-feira, o Padre Federico Lombardi, porta-voz do Papa, salientou que ele sabia que muitos armênios estavam em diáspora na Argentina, incluindo um pastor evangélico que agora está de volta ao país e com quem Francisco se encontrará nesta viagem.
No domingo, o Papa Francisco se reunirá com os bispos católicos da Armênia - um total de 14, número que mal seria suficiente para a equipe de uma grande comissão de conferência episcopal em lugares como a Itália ou nos Estados Unidos, sendo que a maioria destes prelados na verdade representam a diáspora armênia. Apenas 12 sacerdotes estarão a postos.
Neste contexto, obviamente, os católicos locais farão o papel de testemunhas, uma pequena presença, e uma ponte a outra cultura - neste caso, a comunidade ortodoxa, que representa maioria na Armênia e no mundo mais amplo do Cáucaso.
Isso pode não significar muito quantitativamente, mas é claro que Papa Francisco considera isso seriamente e sua visita à Catedral Católica dos Santos Mártires, em Guiumri, no sábado, visa conseguir isso.
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As ações do Papa Francisco na Armênia durante o final de semana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU