05 Mai 2016
Desde a tarde da última terça-feira (3), a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) está ocupada por uma centena de jovens secundaristas com um objetivo: pressionar a Casa para que ela investigue o desvio de dinheiro público na compra merenda de suas escolas. Enquanto a temperatura do lado de fora atingia 13ºC na madrugada, lá dentro a situação não era melhor. O ar condicionado ficou ligado a madrugada toda e o presidente da Alesp, o deputado Fernando Capez (PSDB), proibiu que os estudantes recebessem os cobertores enviados por seus parentes, que faziam vigília do lado de fora, ou por apoiadores do movimento.
A reportagem é de Ana Carolina Cortez , publicada por El País, 05-05-2015.
“A temperatura ficou no mínimo. Tivemos que compartilhar nossos agasalhos para suportar o frio”, conta o estudante Erik Borges, de 17 anos, que ocupa o Plenário desde a tarde de ontem. O frio também não foi o único problema enfrentado pelos estudantes no local. Eles foram proibidos, por ordem expressa de Capez, de receber qualquer suprimento, desde comida e água a roupas, itens de higiene pessoal e cobertores.
“Tenho epilepsia e preciso comer em horários controlados. Quase desmaiei de fome porque só comemos pão de manhã. A comida foi doada pela população, mas só conseguiu chegar até a gente porque alguns deputados, favoráveis ao movimento, retiraram as doações do portão lá fora e trouxeram até aqui”. Era mais de 18h quando Borges conversou com a reportagem, momento em que comia sua primeira refeição completa do dia: arroz, feijão, frango e salada.
A estratégia de deixar os estudantes sem nenhum mantimento foi explicitamente declarada nesta manhã por Capez, durante coletiva de imprensa. A tática foi definida por ele mesmo como “saturação”, ou "isolamento". A ideia é forçar a saída pacífica dos estudantes do local, enquanto a Casa aguarda a aprovação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, do pedido de reintegração de posse, encaminhado nesta quarta.
Enquanto isso, os estudantes estão cercados no Plenário: as portas de vidro fumê estão trancadas e há policiais guardando os corredores, fazendo também um controle dos alunos que saem para ir ao banheiro. Segundo estudantes que ocupam o Plenário, entrevistados pelo EL PAÍS, o sinal de wifi foi cortado e a energia das tomadas também, para dificultar a comunicação dos alunos com a família e a imprensa. A imprensa, inclusive, está proibida de entrar no prédio. Quando consegue, sem o consentimento da Polícia Militar, é impedida de acessar o Plenário.
O clima é de medo. “Começamos a manhã já tensos. Logo de manhã o Capez cortou a entrada de alimentos, de água, a energia das tomadas. Tivemos que fazer uma comissão com os deputados para negociar com eles o acesso a coisas básicas para a gente conseguir sobreviver. Conseguimos a entrada pelo menos de alimentos e água”, explica Emerson Santos, presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) e aluno da Etec de Artes. “Também recebemos a notícia que foi pedida a reintegração de posse.
Ficamos alertas porque soubemos que a polícia estava isolando a Alesp, ninguém entrava, ninguém saída. Um controle mais rigoroso da segurança da Casa. Começaram a pegar nossos nomes, RG, data de nascimento para ter acesso ao banheiro. Algo estava acontecendo”, complementa.
Segundo Santos, as ameaças de reintegração não inibem o movimento. Eles afirmam que só deixam o prédio quando conseguirem as 32 assinaturas de deputados necessárias para dar abertura a uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigue os desvios. Desde janeiro, o Ministério Público de São Paulo investiga um esquema de superfaturamento na compra de suco de laranja para as escolas estaduais, com uma propina que chegava a 30% do contrato. Mas, nesses últimos meses, nada se apurou na Assembleia. Capez, o presidente da Casa e aliado do Governador Geraldo Alckmin, foi apontado em delações premiadas como um dos favorecidos pelo esquema –o que ele nega.
“A ideia é que a gente permaneça aqui até conseguir as assinaturas necessárias [para abrir a CPI]. Conseguimos 25 e agora faltam apenas 7. Está surgindo resultado. Se a gente permanecer resistente aqui a gente consegue reverter a situação”, afirma o presidente da Upes. “Mostramos a nossa força na ocupação das escolas no ano passado, protestando contra uma reorganização que fecharia diversas vagas e escolas. Conseguimos nosso objetivo lá. E vamos conseguir aqui. Os ladrões da merenda precisam ser punidos”, complementa.
A energia das tomadas ainda não foi restabelecida no Plenário, mas o pouco de bateria que os estudantes conseguem poupar de seus celulares é dedicado a publicações nas redes sociais do movimento estudantil, convocando apoiadores a irem até a Alesp e fazerem também pressão pela abertura da CPI. Outra parte é dedicada a mensagens para a família. “Meus pais devem estar muito preocupados. Não temos como carregar celular, então nos comunicamos muito pouco”, conta Barbara Silva, estudante de 20 anos que ocupa o Plenário desde a última terça-feira.
Muitos pais aguardam apreensivos o desfecho da ocupação do lado de fora, onde estão armadas diversas barracas de doações e reunidos cerca de cem apoiadores do movimento. Também disputam espaço no local a Polícia Militar, que teve seu contingente aumentado no começo da tarde. Cerca de cinquenta viaturas aguardam no estacionamento da Alesp e diversos policiais formam cordões ao redor da grade que separa os cidadãos do prédio legislativo.
Fernanda Almeida é madrasta de uma das alunas que ocupam o Plenário e acompanha atentamente cada movimento de abertura e fechamento dos portões cerrados da Alesp e vigiados por policiais. Não conseguiu entrar. “Minha enteada disse que não vai sair de lá enquanto não abrirem a CPI. Eu tenho medo por ela, mas o que ela está fazendo é lutar por seus direitos. A ocupação é legítima e representa uma luta contra a precarização do ensino nas escolas técnicas do Estado”, diz.
Cláudia Rodrigues, que representa a União Brasileiras de Mulheres (UBM), defende que o papel dos pais e responsáveis que fazem “vigília” no local é o de pressionar as autoridades para garantir que os alunos tenham tudo que precisam. “Quando chegaram doações de alimentos hoje de manhã, não estavam deixando entrar. Fizemos pressão e conseguimos que a comida fosse levada aos estudantes. Estamos nos mobilizando também e envolvendo entidades de direitos humanos para garantir que ninguém machuque os jovens. Eles não têm mais de 20 anos”, destaca.
A deputada Leci Brandão (PCdoB), que acompanha os estudantes no Plenário, vez ou outra vai lá fora tranquilizar os pais. Em uma de suas saídas, afirmou ao grupo, impedido de entrar na Alesp: “Os alunos me pediram para dar um recado: estão bem e estamos assegurando que eles tenham tudo o que precisam. Continuem providenciando ajuda que ela chegará até eles, não se preocupem”.
Esta é a segunda ocupação estudantil em prol da CPI da Merenda. A primeira foi feita no Centro Paula Souza, centro administrativo das escolas técnicas que está sob ocupação desde o dia 28 de março. A reintegração de posse do prédio está marcada para a próxima quinta-feira (5).
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Estudantes travam guerra de resistência na Assembleia para garantir CPI da merenda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU