03 Mai 2016
O Pe. Daniel Berrigan, jesuíta, que morreu no sábado, 30-04-2016, aos 94 anos. |
Para o jesuíta Daniel Berrigan, “a pessoa “justifica-se por entrar e correr um grande risco nessa vida; não porque o resultado é garantido, mas porque a integridade e o valor do ato falam alto. Quanto algo assim acontece, questões como sucesso ou eficácia são postas onde deveriam estar: ao fundo”.
O artigo é de Daniel Cosacchi, publicado por Crux, 02-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Daniel Cosacchi é doutor em Ética Cristã pela Loyola University Chicago e leciona no departamento de estudos religiosos da Fairfield University. É coautor (com Eric Martin) do recém-lançado “The Berrigan Letters: Personal Correspondence Between Daniel and Philip Berrigan” (Maryknoll, NY: Orbis Books, 2016).
Segundo o professor americano, “descansar sobre os louros de ser um cristão era um anátema para Berrigan. Em seu livro “America is Hard to Find”, ele afirma: “O que pedimos encarecidamente, o que estamos tentando viver, é a verdade da esperança, que afirma que os homens e as mulheres foram renovados por Cristo, que eles podem usar a liberdade de forma responsável, que podem construir um mundo não amaldiçoado pelas guerras, pela fome ou exploração. Uma tal esperança, uma vez criada, conduz inevitavelmente à revolução não violenta”.
“Papa Francisco, convidou, na Laudato Si’, a uma “corajosa revolução cultural”. Eu sugeriria – conclui o articulista - que, se formos procurar por um teólogo para nos conduzir em tal direção, não precisamos ir tão longe assim, tendo já presente o Pe. Daniel Berrigan, SJ”.
Eis o artigo.
Entre os muitos acréscimos válidos de nota ao magistério católico presentes na encíclica de 2015 do Papa Francisco, Laudato Si’, está a introdução do termo “ecologia integral”. De muitas maneiras, o termo pretende reunir os ensinamentos católicos de longa data relativos à “ecologia humana” e à “ecologia ambiental”.
De uma maneira diversa, no entanto, o que o Papa Francisco está tentando transmitir é a importância da integridade, ou de sermos uma comunidade “inteira”. No caso da ecologia integral, Francisco quer deixar claro que, neste mundo, “tudo está interligado”. O mesmo vale no caso de viver a vida nesta terra: tudo faz parte de um todo maior.
Talvez ninguém mais viveu na prática essa verdade de maneira mais clara do que o padre jesuíta Daniel Berrigan, que morreu em Nova York no sábado, 30 de abril.
Várias reflexões, obituários e biografias já foram escritos sobre ele.
Ele escreveu uma autobiografia de 1987, obra intitulada “To Dwell in Peace”, sendo, em dúvida, um dos escritores mais prolíficos – seja em poesia, seja em prosa – de seu tempo.
Muito embora a maior parte de seus escritos esteja classificada dentro do gênero “ativista”, claro está que existe aí uma rica parcela teológica também. Mais do que isso, o foco teológico dele é implacável: trata o tempo todo de Jesus. A vida de Jesus, como retratada nos evangelhos, é uma parte tão relevante nos escritos de Berrigan que seria impossível mencionar este autor sem mencionar Jesus.
A consequência teológica desta realidade é a integridade da teologia de Berrigan. Conforme disse São Paulo sobre Jesus: “Ele existe antes de todas as coisas” (Col 1,17); da mesma forma com a teologia de Berrigan: todas as coisas existem em Jesus.
Nesse sentido, desejo destacar três aspectos da teologia do falecido sacerdote que exemplificam-no como um teólogo integral: a ética coerente da vida, uma teologia litúrgica robusta, e uma esperança inabalável.
Talvez em nenhum outro lugar Berrigan descreve a sua teologia de forma mais clara do que na área da ética coerente da vida. Por meio de seu ativismo e de sua escrita, ele foi abundantemente claro que essa coerência significava opor-se à “cultura da morte” de modo universal em uma gama de questões tão diversas como a guerra, a pena de morte, a eutanásia, a pobreza e o aborto.
Por quê? Exatamente porque ele não achava que estas coisas eram, de fato, diversas entre si. Todas elas têm a ver com assassinar criaturas de Deus. Isso, dizia Berrigan da forma mais explícita possível, é um pecado.
Muito antes de o Cardeal Joseph Bernardin ter cunhado o termo “ética coerente da vida” na década de 1980, Daniel Berrigan, juntamente com o seu irmão Philip e seus colegas, haviam posto em prática uma série de ações não violentas de desobediência civil. A mais famosa dessas ações ocorreu em 17-05-1968, quando os irmãos Berrigan e sete outros manifestantes católicos opositores à Guerra do Vietnã puserem fogo em arquivos secretos com soluções líquidas inflamáveis caseiras.
Por vezes Berrigan descrevia este tipo de ação como salvífica em sua própria natureza. A teologia não está, de todo, preocupada com a efetividade do que é verdadeiro; ela preocupa-se, isto sim, com a verdade.
Ou, como explicou Berrigan em “To Dwell in Peace”, a pessoa “justifica-se por entrar e correr um grande risco nessa vida; não porque o resultado é garantido, mas porque a integridade e o valor do ato falam alto. Quanto algo assim acontece, questões como sucesso ou eficácia são postas onde deveriam estar: ao fundo”.
Para Berrigan, em outras palavras, não era tão importante assim acreditar nas coisas que poderiam dar certo na vida; muito mais importante era ser coerente na defesa firme a favor dos direitos humanos.
Muito embora Berrigan tenha ganhado um alto grau de notoriedade depois da ação de queima de arquivos acima citada, aparecendo na capa da revista Time em 1971 juntamente com o seu irmão Phil, ele havia sido retirado do foco dos holofotes públicos por mais de 25 anos até o momento de sua morte. Isso infelizmente fez com que muitos dos seus seguidores pensassem que ele havia deixado o sacerdócio ou mesmo a Igreja.
Nada poderia estar mais longe da verdade. Tendo morrido na enfermaria jesuíta, Berrigan permaneceu fiel aos sacramentos até o dia de sua morte. Eu creio que esta fidelidade esteve fortemente ligada à crença dele de que os sacramentos são, fundamentalmente, atos políticos na medida em que lidam com as pessoas, com a “polis”.
No livro “They Call Us Dead Men”, Berrigan explica que a liturgia “falava de um ato universal de reconciliação e amor”. Ele sentia a necessidade de acentuar estes aspectos divinos da liturgia eucarística exatamente porque via que nem todas as pessoas encontram tais dons em suas orações litúrgicas.
Muitas vezes, ele lamentou a realidade de que muitos católicos consideravam a liturgia como um fim em si, e não como a ocasião para começar a trabalhar pela paz e justiça.
Finalmente, na passagem de qualquer fiel cristão, é válido notar a esperança no Cristo Ressuscitado. Aqui, é muito importante não confundir tal esperança com um certo otimismo. Berrigan não era um teólogo muito otimista. Em 2008, ele observou que este era “o pior momento de minha longa vida”.
No entanto, foi um dos teólogos mais esperançosos que eu tive a oportunidade de ler. A sua principal esperança residia na ressureição de Cristo, tema sobre o qual escreveu eloquentemente em “Lights on in the House of the Dead”.
Mas meramente descansar sobre os louros de ser um cristão era um anátema para Berrigan. Em seu livro “America is Hard to Find”, ele afirma: “O que pedimos encarecidamente, o que estamos tentando viver, é a verdade da esperança, que afirma que os homens e as mulheres foram renovados por Cristo, que eles podem usar a liberdade de forma responsável, que podem construir um mundo não amaldiçoado pelas guerras, pela fome ou exploração. Uma tal esperança, uma vez criada, conduz inevitavelmente à revolução não violenta”.
E assim eu volto ao Papa Francisco, quem convidou, em Laudato Si’, a uma “corajosa revolução cultural”. Eu sugeriria que, se formos procurar por um teólogo para nos conduzir em tal direção, não precisamos ir tão longe assim, tendo já presente o Pe. Daniel Berrigan, SJ.
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Daniel Berrigan encarnava a “revolução cultural” do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU