02 Mai 2016
Com a chegada da primavera, as faculdades e universidades católicas estarão, uma vez mais, envoltas em polêmicas com os oradores das cerimônias de formatura e homenageados em geral.
O comentário é de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 28-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A organização conservadora Cardinal Newman Society irá emitir notas à imprensa denunciando instituições de ensino que convidarem alguém que tenha demonstrado um mínimo de apoio aos direitos abortistas ou ao casamento gay, mesmo que os homenageados não venham a falar sobre estes assuntos em suas alocuções. Os bispos irão demonstrar um descontentamento com as instituições que, contrariamente às normas da Igreja, estiverem homenageando opositores do magistério católico, fornecendo-lhes uma plataforma pública.
É chegada a hora de admitir que estas normas são uma bobagem desde o seu começo e que devem, hoje, ser descartadas. Faculdades e universidades em boa consciência podem ignorar estas regras e usar os seus próprios juízos na escolha dos oradores de turma e homenageados. Caso a decisão delas se revelar equivocada, elas podem certamente ser criticadas, mas não simplesmente porque romperam com uma regra inadequada.
Tentar proibir certos oradores em instituições católicas de ensino sempre foi uma má ideia, juntamente com o Índice de Livros Proibidos. Colégios e universidades devem ser lugares onde exista uma livre troca de ideias. É por meio do debate e da argumentação num ambiente acadêmico que a verdade, muitas vezes, se revela. Qualquer interferência externa é corretamente vista como uma violação da liberdade acadêmica.
E o que é pior: tal censura é a admissão de um fracasso. Ela diz à comunidade acadêmica: “Nós não temos condições de convencê-los de que a posição da Igreja é a correta, e, assim, temos de proibi-los de ouvir opiniões contrárias à Igreja”. Em vez disso, a Igreja deveria participar no debate e, aí, desenvolver os melhores argumentos para o seu lado. As instituições de ensino deveriam também garantir que o ensino da Igreja seja apresentado, clara e respeitosamente, aos seus alunos.
Talvez em épocas medievais fosse possível a Igreja isolar os alunos do resto do mundo. Isso porém ficou impossível desde a invenção da imprensa, e mais ainda agora com todos os métodos de comunicação disponíveis.
A Igreja possui uma história negativa de tentar suprimir a liberdade de pensamento e o debate. São Tomás de Aquino, que lecionava na Universidade de Paris, teve os seus livros queimados pelo bispo desta cidade. A Igreja também lançou mão da censura em uma tentativa malsucedida de conter a onda da Reforma Protestante. No começo do século XX, professores e escritores foram perseguidos durante a crise moderna. Mais recentemente, após o Vaticano II, clérigos e teólogos religiosos eram silenciados ou removidos de cargos de ensino em seminários e universidades caso não apoiassem posturas assumidas pelo Vaticano.
Aqui nos Estados Unidos, a Conferência dos Bispos Católicos emitiu, em junho de 2014, o documento “Catholics in Political Life”. Nele, lemos:
“A comunidade católica e as instituições católicas não deveriam homenagear aqueles que agem em descordo com os nossos princípios morais fundamentais. A eles não devem ser dados prêmios, honrarias ou plataformas que sugerem um apoio às suas ações.”
Consequentemente, colégios e universidades católicos muitas vezes se viram forçados a rescindir convites feitos a políticos, especialmente democratas progressistas, pessoas a favor da livre escolha em temas como o aborto, ou a favor do casamento gay, mesmo se fossem falar sobre temas como a reforma das leis imigratórias, tópico em que eles estão em plena sintonia com os bispos.
Depois de serem publicamente constrangidos e atacados, não nos deve surpreender que estes mesmos políticos não deem ouvidos aos pedidos dos bispos por isenções na legislação que proíbe a discriminação com base na orientação ou na identidade de gênero. Muitos políticos progressistas não se mostraram dispostos a ouvir os argumentos dos bispos contra a suspensão do estatuto das limitações em casos decorrentes da crise de pedofilia. A Igreja perdeu estas batalhas porque fez inimigos entre muitíssimas autoridades públicas.
Os bispos e seus aliados foram rápidos em acusar os democratas progressistas de estarem sendo contrários ao catolicismo, quando a verdade, na maior parte dos casos, eles estavam sendo, na verdade, anticlericalistas – e não anticatólicos. Eles se desgostaram dos bispos, não da Igreja.
Apesar daquilo que alguns cardeais em particular podem ter dito, claro está que o Vaticano nunca seguiu esta prática. Os papas reuniram-se com políticos de todos os matizes em todos os papados desde o Concílio Vaticano II. Em vez de fazerem inimigos, eles mostraram-se dispostos a trabalhar juntos em projetos comuns com as pessoas com as quais mantinham profundas discordâncias. É bem sabido que São João Paulo II deu a Sagrada Comunhão a Tony Blair muito embora este era, à época, um episcopaliano ‘pro-choice’.
Neste ano, vimos alguns exemplos de tolerância por parte do Vaticano.
Primeiro, há o convite da Pontifícia Academia das Ciências Sociais a Bernie Sanders para palestrar num congresso vaticano sobre a Centesimus Annus. Sanders é um político ‘pro-choice’ e apoiador do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ele recebeu do Vaticano uma plataforma para se manifestar que é mais importante do que qualquer colégio, faculdade ou universidade católico. Ele com certeza se sentiu honrado em ser convidado e abrigado na residência Santa Marta, no Vaticano, onde o papa vive.
Nos próximos dias será a vez de o vice-presidente Joe Biden proferir uma palestra no Vaticano sobre o que se pode fazer para encontrar a cura do câncer. Ele não só é católico como também é um político ‘pro-choice’ e apoiador do casamento homoafetivo. Se o Vaticano pode convidá-lo, por que não pode a Universidade de Notre Dame?
Se o Vaticano, com uma clara consciência, pode convidar estes políticos a palestrarem, por que não os colégios e as universidades católicas?
É chegada a hora de admitirmos que a proibição de dar plataformas e prêmios a pessoas que sustentam opiniões contrárias ao ensino católico morreu.
Requiescat in pace.
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“Requiescat in pace” para a proibição católica ao livre debate nas universidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU