11 Abril 2016
Com a Amoris laetitia, o papado se propõe como o guia de um "coro" – o antigo título de Pedro era justamente "corypheus apostolorum". O papa "corifeu" coloca à disposição de todos o tempo, o carisma dos bispos, a sinodalidade das Igrejas, para uma maturação necessária. Necessária para que o amor real vivido pelos rapazes e pelas moças que não se casam (e também por aqueles que a Igreja não quer que se casem por serem homossexuais) sinta o calor da luz do Reino na sua vida vivida.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 09-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "a exortação pós-sinodal – inventada por Paulo VI diante dos impasses do Sínodo de 1974, usada para fins disciplinares ou teológicos por João Paulo II e por Bento XVI – muda de DNA com a Amoris laetitia".
Eis o texto.
Para deslocar o eixo em torno do qual girava a história do matrimônio há cinco séculos, era necessário repensar uma palavra: "amor". A palavra com que inicia a exortação pós-sinodal do Papa Francisco confiada aos seus três destinatários: o tempo, os bispos e as Igrejas locais, que entram, assim, em um estado sinodal.
A Amoris laetitia, a partir de uma leitura bíblica profunda, não foge dos temas sobre os quais a Igreja era esperada na espreita: a comunhão dos divorciados recasados, a dignidade das pessoas homossexuais, a visão da sexualidade.
Sobre o primeiro ponto, Francisco defende a própria posição na crucial nota 336. A Igreja de Bergoglio não se confia a uma proibição ou uma permissão, mas ao discernimento: com o qual se pode entender quando em uma situação "particular não há culpa grave". Os casais "chamados irregulares" (esse "chamado" vale toda a exortação...) deixam de ser um "caso" e se tornam os destinatários da eucaristia, que não é a honraria dos presunçosos, mas o "alimento dos fracos".
Francisco não oferece uma "abertura" paternalista: diz àqueles padres que deram a comunhão aos divorciados recasados sabendo o que faziam que não agiram contra a norma, mas de acordo com o Evangelho. E devolve aos bispos a sua função de juízes: não lhes devolve um grão, mas reconhece que, na função de "pastor e cabeça da sua Igreja" do bispo, há a graça necessária para escutar, acolher, perdoar e ensinar a perdoar.
Sobre as pessoas homossexuais, a Amoris laetitia não repete o erro cometido no primeiro Sínodo dos bispos: quando se fizeram aberturas que se revelaram imaturas, e que hoje o papa recupera com alguma cautela. Francisco, de tudo, cuida para não criar obstáculos para um progresso na fé que vai passar pelo tempo, pelos bispos e pelas Igrejas: portanto, ele repete a fórmula do Catecismo vigente, que proíbe "toda marca de injusta discriminação" contra gays e lésbicas: mas sem cassar aquela limitação ("injusta"), que é injusta em si mesma. Ele declara que uma igual "dignidade" da pessoa exige "respeito": embora adote a linguagem ambígua da "tendência". Ele assume a contrariedade dos bispos do sul do mundo ao casamento gay, mas sem levantar uma questão de "natureza": e, assim, não prejudica o discurso sobre a "amoris laetitia" que lésbicas e gays também experimentam.
Por fim, embora elogiando os métodos naturais de Paulo VI, condena a contracepção de Estado, mas não a dos indivíduos: e abre a partes inesperadas, como o elogio da alegria erótica, que não se aparece mais como um mal, neutralizado pelo seu resultado procriativo, mas como um dom de Deus como tal, lido sem abstrações irrealistas e sem espiritualismos.
Estaria errado, porém, quem pensasse que a Amoris laetitia se reduz ao último pênalti de um clássico entre rigoristas e possibilistas que terminou em empate na prorrogação e chutado pelo papa com o gol vazio. O ato tem algo de epocal, justamente porque desloca o eixo do discurso sobre o conjúgio, que, desde o Concílio de Trento, estava fechado em uma jaula jurídico-filosófica muito estreita. Tão sólida que até mesmo a secularização tinha inventado um "casamento civil" prisioneiro dos mesmos paradigmas do matrimônio tridentino: autoridade, norma e finalidades de ordem social e de procriação, que aplacavam a força subversiva do desejo.
Essa concepção tinha superado o matrimônio de "puro consenso" (em que era possível até mesmo algum casamento gay) e tinha resistido até ontem: prova disso é o recente e muito frágil debate italiano sobre as uniões civis, que encalhou nos filhos, sem perceber aqueles valores que a Amoris laetitia reconhece em uniões que quer equiparadas ao matrimônio, mas não quer reduzir a ato privado.
Como a jaula conceitual de um matrimônio feito de finalidades tinha nascido na Igreja, cabia, portanto, à Igreja recomeçar a dizer que a experiência do amor – ameaça ou tumba do matrimônio, de acordo com os fanáticos religiosos e os fanáticos sem religião – é a única sobre a qual resplandece a luz do Reino, a única redimida pela cruz, a única que socorre o perdão e a paciência, a única para a qual vale a pena enfrentar a fragilidade da relação e a dor que, pela sua própria intensidade, pode surgir.
Colocar novamente o amor no primeiro lugar, livrando-se de abstrações "frias" que não correspondem nem à revelação nem à relação, é a tarefa que esse documento longo assumiu. "Não aconselho uma leitura geral apressada", recomenda Francisco, dissimulado. Que, em vez de se deixar enjaular na falsa dicotomia de um moralismo permissivo e de um moralismo proibitivo, deu um passo à frente na sua reforma do magistério e do papado.
O magistério, de acordo com Francisco, deve renunciar a ser onívoro, "Nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas com intervenções do magistério"; deve se libertar da ideia de que a abstração é um bem em si mesmo (porque a norma é ainda mais incerta quanto mais se aproxima do caso concreto); deve dar o exemplo de ser "humilde e realista" diante dos erros da Igreja que Bergoglio elenca em uma daquelas listas impiedosas, típicas da sua pregação: erros ao apresentar as "convicções cristãs", ao "tratar as pessoas", ao propor um "ideal teológico", ao praticar uma "idealização" do matrimônio mistificadora, que, no fim, gerou uma desconfiança "na graça" (exatamente assim: "em graça"!), que fez com que, em vez de tornar o matrimônio "mais desejável e atraente", fez "todo o contrário".
O papado – que sai mais forte não por motivos políticos ou geopolíticos, mas pela beleza evangélica de algumas passagens sobre as crianças portadoras com deficiência, pela descrição tão verdadeira da paciência e das crises conjugais, pela firmeza com que pede aquele respeito pelo outro que a Igreja nunca tinha ensinado aos ex-cônjuges – escreve com esse ato outro capítulo da sua própria reforma. A exortação pós-sinodal – inventada por Paulo VI diante dos impasses do Sínodo de 1974, usada para fins disciplinares ou teológicos por João Paulo II e por Bento XVI – muda de DNA com a Amoris laetitia.
Diante de um documento que Francisco fez com que fosse votado pelos bispos e que sempre alcançou os 2/3 dos votos se move com liberdade e respeito: cita, transcreve, comenta, integra, corrige. Entrelaça-o com a própria teologia e com as citações das Conferências Episcopais, invertendo a desconfiança romana em relação a esses órgãos de comunhão (que, 20 anos atrás, atingiu o seu ápice e gerou desastres). Remodelando o gênero da exortação, Francisco restaura outro pedaço de sinodalidade como princípio do catolicismo latino. Documenta que a colegialidade episcopal – ou seja, aquela característica que, por direito divino, torna os bispos "cum et sub Petro" sucessores do Colégio Apostólico – não diminui o ministério papal, mas o exalta, libertando-o de uma concepção "monárquica" do pontificado de marca medieval.
Muitos diziam há muito tempo que uma reforma do papado desse tipo era a agenda da Igreja. Peter Hünermann – teólogo alemão comprometido durante décadas em uma disputa com sem exclusão de golpes com Ratzinger – escrevera que o papa devia se tornar um "notarius publicus" da Igreja: um "papa notário", que registrava e harmonizava as vozes episcopais, sem confiar ao centralismo da sua corte decisões precipitadas, destinadas a se tornar pedra de tropeço (é interessante, a partir desse ponto de vista, o tratamento da contracepção de Amoris laetitia). Francisco demonstra que aqueles que, como Ratzinger, para negar essa perspectiva, viam nas Conferências Episcopais uma ameaça à solidão do poder petrino tinham errado; e que a figura "notarial" imaginada por Hünermann era insuficiente.
Com a Amoris laetitia, o papado se propõe como o guia de um "coro" – o antigo título de Pedro era justamente "corypheus apostolorum". O papa "corifeu" coloca à disposição de todos o tempo, o carisma dos bispos, a sinodalidade das Igrejas, para uma maturação necessária. Necessária para que o amor real vivido pelos rapazes e pelas moças que não se casam (e também por aqueles que a Igreja não quer que se casem por serem homossexuais) sinta o calor da luz do Reino na sua vida vivida. Necessária para que o magistério comece a se "transfigurar", para não ser mais "mera defesa de uma doutrina fria e sem vida", que endossa o cristianismo sem tê-lo dentro, mas se torne testemunha credível do amor "apesar de tudo".
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Francisco e a reforma do amor. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU