29 Março 2016
A reportagem é de Ruth Costas, publicada por BBC, em 28-03-2016.
Em um encontro com jornalistas estrangeiros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta segunda-feira a Operação Lava Jato por sua "pirotecnia" e ressaltou os efeitos negativos da operação sobre a economia. O ex-presidente chegou a comparar a operação a um "Big Brother".
"Do ponto de vista do imaginário da sociedade brasileira é importante que estejamos apurando corrupção. Agora, é necessário fazer disso um espetáculo? Fazer disso um Big Brother? Ou isso pode ser feito de forma silenciosa. Alguém já parou para fazer as contas dos efeitos dessa pirotecnia na economia brasileira? Quanto do PIB já caiu por causa disso?", questionou o ex-presidente no encontro, do qual participaram mais de 20 veículos estrangeiros – entre eles a BBC.
Lula criticou o que ele considera o uso de prisões preventivas para se "pressionar" os acusados a fazerem delações premiadas, os vazamentos seletivos e o que vê como "cumplicidade entre determinados agentes da Polícia Federal, Ministério Público e da imprensa brasileira".
Também disse que, apesar de "inteligente e competente", o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, poderia estar sentindo os efeitos de uma picada da "mosca azul" - expressão que se refere a pessoas deslumbradas com o poder.
'Orgulho'
"Quando uma instituição é muito forte, seus membros têm de ser mais responsáveis. Não é todo mundo que suporta o sucesso da câmera de televisão. Vocês são jornalistas e sabem o que é 15 minutos de sucesso. Quanta gente boa e promissora, de um simples lutador de boxe, a um jogador de futebol ou político, se perdeu no caminho por conta da pirotecnia, dos cinco minutos ou cinco segundos de sucesso. Nesse aspecto eu acho que o poder judiciário tem de ser exemplar. Não é a manchete de um jornal que tem de absolver ou condenar alguém, mas sim os autos do processo (...) O que estamos vendo é o exagero das pessoas serem execradas publicamente antes de terem cometido um crime", afirmou o ex-presidente.
Questionado sobre o papel das empreiteiras brasileiras no esquema descoberto pela Lava Jato, Lula disse que, "as que fizeram coisa errada, pagarão", mas que tem muito "orgulho" das empresas de engenharia brasileira e quer que elas "continuem crescendo", não quebrem ou sejam substituídas por estrangeiras.
O encontro com jornalistas estrangeiros foi marcado após uma série de veículos internacionais publicarem editoriais apoiando uma saída de Dilma Rousseff da presidência.
Repercussão
Há cerca de uma semana o jornal britânico The Observer, edição dominical do The Guardian, de linha editorial de centro-esquerda, por exemplo, defendeu que a melhor opção para o Brasil seria a renúncia de Dilma ou novas eleições.
A revista conservadora Economist também defendeu a renúncia da presidente e o jornal americano The New York Times escreveu recentemente que as justificativas de Dilma para nomear Lula para o ministério da Casa Civil seriam "ridículas".
Na semana passada, a própria presidente também organizou um encontro com jornalistas estrangeiros.
Nesta segunda-feira, Lula anunciou que seus assessores devem divulgar todo final de semana um "resumo das coisas que estão certas e erradas (no Brasil)" do seu ponto de vista.
"Muitas vezes, por falta de conversarmos, nem sempre as informações veiculadas lá fora condizem com a realidade que vivemos aqui dentro", disse Lula.
'Golpe'
Falando sobre o processo de impeachment, o ex-presidente defendeu que um afastamento de Dilma seria um "golpe", uma vez que não foi provado que ela cometeu "crime de responsabilidade". Lula comparou a atual situação brasileira a de Honduras em 2009 e do Paraguai em 2012.
"Impeachment sem base legal, sem crime de responsabilidade é golpe. Essa é a palavra correta", defendeu.
"Não podemos aceitar que em um país com o tamanho do Brasil e da importância do Brasil se faça o que foi feito com o (ex-presidente paraguaio Fernando) Lugo".
Segundo Lula, a estratégia do governo para evitar um impeachment incluiria tentar atrair senadores e deputados do PMDB para sua causa, ainda que o partido oficialize seu rompimento com a gestão Dilma nesta terça-feira.
O ex-presidente afirmou, inclusive, que estaria indo para Brasília para conversar sobre o tema com alguns políticos – entre eles, o vice-presidente Michel Temer.
"Acho que vai acontecer o que aconteceu em 2003. O governo vai construir uma base com parlamentares do PMDB no Senado e na Câmara e vamos ter uma espécie de coalisão sem a concordância da direção (do partido)."
Investimento
Para ajudar a recuperar a popularidade do governo, Lula também defendeu a necessidade de iniciativas para a retomada do crédito e do investimento e disse que se ofereceu a Dilma para coordenar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão.
"É preciso dizer a esse povo que a gente vai parar de falar em corte e vai falar em investimento", afirmou.
"Se a gente garantir crédito para o povo trabalhador e investimento para infraestrutura, pode fazer com que o país volte a dar um salto de qualidade no crescimento econômico. Este pais é grande e tem capacidade de endividamento, tem US$ 372 bilhões (R$ 1,36 trilhão) de reservas."
Ao falar das manifestações contra o governo, o ex-presidente adotou um tom relativamente conciliador após garantir que hoje teria voltado a ser o "lulinha paz e amor".
"Se a gente gosta de pessoas que vão na rua bater palma para a gente tem de suportar com o mesmo humor as pessoas que vão falar contra. Essas pessoas amanhã podem ser favoráveis outra vez. (...) Não é correto transformar essas divergências em ódio. Em uma coisa insuportável (...) Como se nós estivéssemos vivendo um Apartheid", disse o ex-presidente.
"Eu não quero dividir o Brasil entre periferia e centro da cidade. Entre aqueles que tem os olhos verdes da elite branca e os pobres. Brancos ou negros ou pardos. Quero que todos sejamos brasileiros e possamos frequentar o mesmo bar, o mesmo restaurante, a mesma praça, jardim, escola."
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Lula compara Lava Jato a "Big Brother" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU