Por: André | 29 Março 2016
Isto é uma ficção, mas seguramente muito próxima da realidade. Depois dos gestos proféticos que vimos nestes dias da Semana Santa, não cabe a menor dúvida de que o Papa Francisco gostaria de ter ido ao campo de refugiados de Idomeni. Passar ali algumas horas ou alguns dias.
A reportagem é de José Luis Ferrando e publicada por Religión Digital, 28-03-2016. A tradução é de André Langer.
Provavelmente, não o deixaram ir... Alguns pensaram que seria muito barro para a sua batina branca, porque a lama poderia sujá-la. Outros terão insistido nas questões diplomáticas. O conflito que se podia gerar seria histórico, ainda mais na fronteira entre a Macedônia e a Grécia, limites ainda em questão. Portanto, algo absolutamente impensável e fora de lugar na perspectiva da política internacional. Muita bagunça, Santo Padre!
Alguns, com bom senso, lhe terão dito que sua presença provocaria tumultos e pressões na fronteira, o que representaria, possivelmente, muitas vítimas diante de uma possível repressão por parte da polícia e do exército. A santa prudência. Em todo caso, entendo que ficou com vontade.
No entanto, já desde a celebração do Domingo de Ramos, o Papa Francisco improvisou algumas palavras para chamar a atenção sobre a situação dos imigrantes e refugiados. Logo depois de referir-se à “infâmia e à condenação iníqua” que Jesus recebeu, disse que também sofreu “a indiferença, pois ninguém quis assumir a responsabilidade de seu destino”. Neste momento, improvisou as seguintes palavras: “Penso em tantos marginalizados, em tantos refugiados... e também em tantos que não querem assumir a responsabilidade de seu destino”.
Governantes europeus escutem! Sem esquecer que, em sua viagem à ilha de Lampedusa, Francisco disse: “Quem de nós chorou pela morte destes irmãos e irmãs, de todos aqueles que viajavam em barcas, pelas jovens mães que levavam os seus filhos, por estes homens que buscavam qualquer coisa para manter suas famílias? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência do pranto. O fascínio pelo insignificante, pelo provisório, nos leva à indiferença para com os outros, nos leva à ‘globalização da indiferença’”.
Diante da tentação de mistificar excessivamente a Cruz de Cristo, olhemos as cruzes de tantos irmãos nossos, presos em centros de detenção. Assim são e se chamam agora. E diante das inquietudes de uma “solução final” – “Isso nos recorda algo?” – com o acordo União Europeia-Turquia, peçamos aos governos justiça.
O Papa Francisco nos deixou duas grandes mensagens nesta Semana Santa. A primeira, que os refugiados e imigrantes não são seres anônimos, mas que têm rosto e história. E, a segunda, que este é um dos problemas, onde se joga a qualidade da nossa vida cristã e o nosso compromisso.
Na Quinta-Feira Santa, dado que não pôde ir a Idomeni, foi ao centro de refugiados de Roma. Ali lavou os pés, sem discriminações, de 11 imigrantes – quatro católicos nigerianos, três coptas eritreus, três muçulmanos da Síria, Paquistão e Mali, um indiano de religião hindu – e uma voluntária. Ajoelhou-se diante deles e beijou seus pés. Esses pés que percorreram milhares de quilômetros para chegar a uma terra que lhes nega a esperança.
Mas, e esse é o aspecto mais significativo, durante um bom tempo saudou pessoalmente a cada um deles. Permitiu – sem problemas – os selfies com quem desejava. Um dos homens, ao menos simbolicamente, mais importantes do globo terrestre dava a mão a todos os refugiados, um a um, desse centro sem se importar com sua raça ou sua religião. Estava devolvendo a eles a dignidade que a sociedade lhes rouba.
O Papa está indicando um caminho muito claro. Para o cristão, o racismo e a xenofobia não são apenas inconcebíveis, mas cada pessoa com sua história e seu rosto concreto chegou a duras penas e com muito sofrimento às nossas terras, e só por isso, merecem o nosso reconhecimento e a nossa ajuda.
A insistência do Papa neste tema e, nas mensagens destes dias, se deve ao fato de que, sem dúvida, estamos diante de um dos problemas mais graves da Humanidade, neste momento da história. E não é apenas o Papa quem diz isso: “Estamos presenciando a pior crise de refugiados da nossa era, na qual milhões de mulheres, homens e crianças lutam para sobreviver em meio a guerras brutais, redes de traficantes de seres humanos e governos que perseguem interesses políticos egoístas em vez de mostrar uma compaixão humana básica”, afirmou Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Internacional. Por isso, o Papa Francisco, insiste a tempo e fora do tempo na questão dos refugiados. Milhares de pessoas em Idomeni, em Lesbos e outros lugares, se amontoam em busca da vida. E se deparam com um muro.
Também entre nós, o arcebispo de Tanger, o franciscano Santiago Agrelo, nos recorda com frequência o nosso Idomeni das facas: “uma maldita fronteira que Deus não fez, nem quis, nem quer”. O muro da vergonha. E este é o nosso.
O Papa Francisco, na Via Sacra da Sexta-Feira Santa no Coliseu denunciou de maneira profética: “Te vemos no Mediterrâneo e no Mar Egeu convertido em um cemitério por nossa consciência narcotizada”.
Oxalá a Ressurreição possa dar oportunidades a quem tanto necessita.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Papa Francisco queria ter ido a Idomeni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU