Por: André | 16 Março 2016
Em um breve e caloroso encontro que o Pe. Rodolfo Cardenal, como membro da comissão de beatificação de Rutilio Grande, teve com o Papa Francisco, o Bispo de Roma lhe perguntou se a comissão já tinha um milagre. Cardenal lhe respondeu que não, que ele não sabia de nenhum. Então o papa lhe disse, rindo-se, que já tinha um, que Rutilio já tinha feito um milagre. O padre lhe perguntou qual era esse milagre. E Francisco lhe disse que o grande milagre de Rutilio Grande era dom Romero.
Fonte: bit.ly/22lyUT3 |
A reportagem é de Carlos Ayala Ramírez e está publicada no sítio do Apostolado Social da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina, 15-03-2016. A tradução é de André Langer.
O que significam estas palavras do papa? Em que consiste o milagre? O que este milagre revela sobre Rutilio?
Intuímos que na opinião do Bispo de Roma estão presentes os testemunhos de alguns dos colaboradores mais próximos de dom Romero e do próprio povo, que defenderam e divulgaram esta opinião. No âmbito teológico, dois testemunhos são especialmente importantes, tanto pela exemplaridade de vida de quem os deu como pela qualidade do serviço que prestaram a dom Romero.
Referimo-nos às interpretações de dois padres e teólogos jesuítas: Ignacio Ellacuría e Jon Sobrino. Ambos concordam em que se deu uma súbita mudança fundamental na vida de dom Romero com a morte martirial de Rutilio Grande. Embora não usem explicitamente a palavra “milagre”, enfatizam que esse fato desencadeou algo novo e profundo na vida de dom Romero, que o levou a constituir-se na grande dádiva de Deus à arquidiocese e ao mundo.
Uma dádiva que inspira e interpela. Um sinal de salvação que redime e humaniza. Vejamos, brevemente, algumas das principais implicações que, segundo Ellacuría e Sobrino, a vida e o martírio de Grande tiveram para o beato Romero.
O assassinato do padre jesuíta, afirma Ellacuría, sacudiu a consciência de Romero:
“Romperam-se os véus que lhe ocultavam a verdade e a nova verdade começou a apoderar-se de todo o seu ser. Não foi inicialmente uma mudança subjetiva, mas uma transformação objetiva. Se lhe descobriu algo que antes não havia visto, apesar de sua boa vontade e de sua pureza de intenção, apesar de suas horas de oração e de sua ortodoxia repetida, de sua fidelidade ao magistério e à hierarquia vaticana [...] Viu algo objetivamente novo e isto o transformou”.
Este novo, segundo Ellacuría, foi, em um primeiro momento, a verdade deslumbrante de um padre que se dedicou a evangelizar os pobres e que, por essa causa, foi assassinado. Também, recorda que outros bispos e outros cristãos viram no martírio do padre Grande um acontecimento político e inclusive deram interpretações distorcidas.
Dom Romero, ao contrário, viu a verdade. E então se lhe revelou que em El Salvador ser apóstolo significava ser profeta e mártir.
Fonte: bit.ly/22lyUT3 |
Para Ellacuría, após esta conversão inicial, dom Romero entrou em uma nova etapa, em uma conversão profunda de sua missão. Até esse momento, havia se preocupado “também” com os pobres e oprimidos; depois, eles se convertem no centro orientador de sua pastoral. Nisto consistiu a conversão apostólica de dom Romero.
Também o padre Jon Sobrino fala da conversão de dom Romero. Recorda que o beato conheceu Rutilio muito bem, a quem considerava um padre exemplar e um grande amigo. No entanto, aponta Sobrino, não compartilhava a pastoral de Rutilio em seus anos de Aguilares; parecia-lhe muito politizado e horizontal.
Em consequência, o padre Grande representava para Romero um problema e um enigma: por um lado, era o padre virtuoso, zeloso, verdadeiramente crente; por outro, sua missão pastoral lhe parecia incorreta. Esse enigma, enfatiza Sobrino, foi esclarecido com o assassinato de Rutilio.
A venda caiu dos olhos de dom Romero. O padre Grande tinha razão. O tipo de pastoral, de Igreja e de fé que promovia era verdadeiro. Mais ainda, se Rutilio morreu como Jesus, se mostrou o maior amor ao entregar sua vida pelos irmãos, é porque também sua vida e sua missão tinham sido como as de Jesus. Em poucas palavras, Rutilio foi um insigne seguidor de Jesus.
A mudança radical de Romero, explica Sobrino, não consiste em deixar de fazer o mal para fazer o bem, mas em captar e colocar em prática a vontade de Deus. Essa vontade, disse, teve que se apresentar de maneira muito nova diante dos cadáveres de Rutilio e dos dois camponeses que o acompanhavam, que sem palavras lhe perguntavam o que faria daquele momento em diante.
Em definitiva, Sobrino acredita que a morte de Rutilio sacudiu dom Romero e deu-lhe a força para um novo agir, e que a vida do jesuíta deu-lhe também a direção fundamental para a sua própria vida. Por isso, sustenta, naqueles dias se falava da conversão de dom Romero como do “milagre de Rutilio”.
Finalmente, esta versão do milagre de Rutilio também a encontramos entre o povo. Recordemos o testemunho de Ernestina Rivera, membro das comunidades cristãs que esteve presente no velório do padre Grande. Seu relato pode ser encontrado no livro Piezas para un retrato, de María López Vigil:
“Era meia-noite quando dom Romero chegou para vê-lo morto. Aproximou-se da mesinha onde colocamos o seu corpo, envolto em um lençol branco, e ali ficou olhando para ele, e no modo como olhava para ele se podia ver o quanto também ele o amava. Não conhecíamos o Monsenhor até esse momento. E nessa noite ouvimos pela primeira vez a sua voz em uma pregação. A grande surpresa se dá enquanto o escutamos. Ai, até a voz se parece com a do padre Grande – dissemos todos! Porque nos pareceu que ali mesmo a palavra do padre Rutilio se transferia para o Monsenhor. Ali mesmo, simplesmente.
Será que Deus nos faz este milagre para que não fiquemos órfãos? – confidenciei a uma comadre minha.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O milagre de Rutilio Grande - Instituto Humanitas Unisinos - IHU