Por: Jonas | 09 Março 2016
“Estamos na mira da matança jurídica e armada. Nossas vidas estão por um fio”. Soam dramáticas e premonitórias as palavras pronunciadas por Berta Cáceres (foto) nesta entrevista para Il Manifesto, concedida a Geraldina Colotti. Berta, feminista e coordenadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), que ajudou a fundar em 1993, foi assassinada na quarta-feira, 2 de março, por dois homens armados. Nesta conversa, emerge o contexto de um crime anunciado. Um crime de estado.
Fonte: http://goo.gl/wukTnl |
A entrevista é publicada por Resumen Latinoamericano, 06-03-2016. A tradução do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual é a atividade do COPINH?
A nossa organização é indígena, de luta territorial, que procura contribuir para um processo de emancipação forjado para desmontar as múltiplas formas de dominação: o capitalismo, o patriarcado, o racismo. Depois do golpe contra Zelaya, tivemos que enfrentar grandes riscos e dificuldades, perdemos muitas vidas, mas de todas as desgraças que golpearam e que golpeiam o povo hondurenho, tiramos muitas lições e procuramos ganhar força. Hoje, sentimo-nos muitos e muitas, mais unidos e organizados, capazes de maior articulação. Capitalizamos o trabalho de mais de 21 anos. Hoje, o COPINH reúne 200 comunidades Lenca, populações nativas que estão organizando a resistência em defesa de seus territórios ancestrais.
Qual é a situação agora?
Há 500 anos, somos um enclave do colonialismo e a situação sempre piora mais. Somos vítimas de um modelo energético totalmente depredador, que pisoteia os direitos coletivos e viola constantemente os direitos humanos. 30% do território, em Honduras, foram entregues às multinacionais mineiras e hidrelétricas. São mais de 300 empresas ilegais, que prosperam na corrupção imperante e sem o consentimento das populações. O nível de conflito é alto. Em Honduras, está presente a maior base militar estrangeira da região, e a militarização cresceu ainda mais, após o golpe de estado de 2009, sobretudo na região mosquipa, um lugar imensamente rico de Honduras, território que compreende quatro povos originários. Um lugar que guarda muitas riquezas hídricas, petróleo e biodiversidade. Disseram-nos que em Honduras não há petróleo, mas existe. E por isso foi entregue em concessão grande parte da plataforma marítima e territorial da região mosquipa à transnacional British Gas Group.
A lei de pesca e aquicultura permitirá, além disso, a concessão do mar às grandes empresas. Honduras é um caso de escola em relação à concessão da soberania para as multinacionais e as bases militares estrangeiras. E o país foi entregue a um fenômeno inédito até poucos anos e pouco conhecido: o das Zonas Especiais de Desenvolvimento Econômico, Zonas francas, uma espécie de cidade modelo para o capitalismo. Um megaprojeto decidido por decreto legislativo e executivo, não obstante a forte oposição no território e a um nível jurídico. No entanto, o poder jurídico também cedeu, dando vida a um processo de transnacionalização único em seu gênero, que envolve o governo autônomo e sem controle destas zonas que também se encontram dentro do país.
O capitalismo tem a cinismo de chamá-la “autonomia da cidade libertária”. Na verdade, um estado no estado no qual rege a terceirização da justiça, um exército quase privado, leis próprias para reprimir a imigração, a exploração do trabalho sem direitos. Por isso, roubam os territórios. Há 12 destas “cidades modelos”, de caráter mineiro energético. Um grande investimento financeiro e um paraíso fiscal para lavar o dinheiro sujo do narcotráfico. Nestes últimos tempos, assistimos a uma onda de violência sem precedentes: uma violência estrutural, planejada para semear o terror e militarizar a sociedade. Honduras tem o mais alto índice de homicídios do mundo, 89 para cada 100.000 habitantes, mais que nos países onde há conflitos armados. Uma carnificina humana, sobretudo de jovens.
Por causa da fome e da miséria, saem do país aproximadamente 60.000 pessoas por ano. As políticas migratórias são desumanas, sobretudo para as mulheres que empreendem viagens da morte ou para um destino de discriminação e violência.
Os movimentos sociais e indígenas também se organizaram com o Partido Livre. Que coisa mudou após as últimas eleições?
Ter constituído um partido de esquerda é sem dúvida positivo. Livre levou ao Congresso 30 deputados, apesar das fraudes e das violências que sofremos. No entanto, isto retirou energia da resistência nos territórios. E de todos os modos, a oligarquia, o poder real em Honduras, e os fios que a movem de fora, são tão agressivos que não toleram nenhum sinal de verdadeira mudança. A máquina eleitoral está completamente sob seu controle.
Neste panorama, nós continuamos a resistência territorial, cultural, autônoma, a partir da visão dos povos indígenas. Levamos adiante propostas de refundação, não por decreto, mas no desafio cotidiano de humanizar a sociedade hondurenha, para organizar a revolta, para defender nossa identidade libertária. Um desafio difícil, existe muita resistência, mas também um panorama geral desolador que não deixar ver uma mudança a curto prazo. Unimos nossa luta a de outros povos da América Latina, dentro da ALBA, a Aliança para os povos de nossa América que pôs no campo uma nova força propositiva e solidária que alimentou a reflexão internacional dos movimentos. A perspectiva do COPINH não é somente nacional, mas global e se alimenta da solidariedade e da luta dos outros povos de nossa América: da Venezuela, de Cuba, do boliviano, equatoriano, nicaraguense. Nós os sentimos próximos e isto nos dá muita força para resistir a criminalização e brutalidade que precisamos enfrentar. Estamos sob ataque, seja da matança jurídica que nos persegue com processos injustos, assim como dos jagunços da oligarquia e das multinacionais. Há muitos prisioneiros políticos e muitos investigados. Porém, acabar na prisão é o mal menor que pode ocorrer. Em Honduras, não existe estado de direito, todos os dias são uma aposta.
O COPINH participou dos encontros organizados pelo Papa Bergoglio. Com qual expectativa?
Os convites do Papa Francisco foram um fato histórico, um grande passo de abertura que também incomodou as altas hierarquias eclesiásticas. Os movimentos deram apoio à parte mais avançada da Igreja e Papa Francisco nos ajudou a ir mais longe. Contudo, é necessário não esquecer a função nefasta que a Igreja teve na opressão colonial. Em Honduras, não esqueçamos o cardeal que apoiou o golpe de estado, aqueles que apoiaram a ditadura. Se a Igreja faz um compromisso, deve ser consequente, apoiar verdadeiramente as lutas sociais e aquelas pela justiça, os direitos da mulher contra o patriarcado e os fundamentalismos e pela defesa da diversidade. Não queremos ir a reboque da Igreja.
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As palavras proféticas de Berta Cáceres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU