25 Fevereiro 2016
Em artigo publicado por amazônia.org.br, 23-02-2016, o sítio destaca que "a compensação ambiental foi instituída a fim de indenizar danos ambientais que não podem ser evitados pelo empreendimento. Ora, o Estado do Pará sofre 100% dos terríveis impactos ambientais, sociais e econômicos, com o rio Xingu alterado, povos indígenas e populações tradicionais remanejados e com seu meio de vida bruscamente transformado, de forma irremediável, criação de bolsões de miséria, prostituição infantojuvenil, problemas de moradia e de saúde e violência galopante em razão da explosão demográfica causada pela UHE Belo Monte. Tem 42 unidades de conservação, tanto estaduais quanto federais, que enfrentam pressão de desmatamento e precisam muito de investimentos. Mas, ao invés de pelo menos cumprir seu papel, os órgãos ambientais federais preferem levar os recursos legitimamente devidos ao Pará a outro Estado da Federação, que não sofreu impacto algum com a obra".
Eis o artigo.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Ibama/ICMBio), através da Câmara de Compensação Ambiental Federal, órgão do Ministério do Meio Ambiente, destinaram nada menos que 71% do valor da compensação ambiental devida pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a uma área protegida em Mato Grosso, a 814 quilômetros de distância do empreendimento. Ficou assim: dos R$ 126 milhões, R$ 92 milhões irão para o Parque Nacional do Juruena (MT), e só R$ 6,5 milhões para a criação de novas áreas protegidas na região impactada pela UHE-Belo Monte e R$ 27,5 milhões para áreas protegidas dentro do Pará. Da mesma forma, parte das compensações devidas pela Vale por seu gigantesco projeto em Canaã dos Carajás está na iminência de ser injetada no Estado do Tocantins.
A revelação, feita pelo secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Adnan Demachki, e pelo presidente da Fapespa (Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará), Eduardo Costa, chocou a todos os presentes na posse dos novos diretores do Conselho Regional de Economia, na semana passada, no Salão Nobre da Associação Comercial do Pará. O fato é tão absurdo – e injusto – que bem poderia motivar um novo movimento da Cabanagem.
A compensação ambiental foi instituída a fim de indenizar danos ambientais que não podem ser evitados pelo empreendimento. Ora, o Estado do Pará sofre 100% dos terríveis impactos ambientais, sociais e econômicos, com o rio Xingu alterado, povos indígenas e populações tradicionais remanejados e com seu meio de vida bruscamente transformado, de forma irremediável, criação de bolsões de miséria, prostituição infantojuvenil, problemas de moradia e de saúde e violência galopante em razão da explosão demográfica causada pela UHE Belo Monte. Tem 42 unidades de conservação, tanto estaduais quanto federais, que enfrentam pressão de desmatamento e precisam muito de investimentos. Mas, ao invés de pelo menos cumprir seu papel, os órgãos ambientais federais preferem levar os recursos legitimamente devidos ao Pará a outro Estado da Federação, que não sofreu impacto algum com a obra.
O secretário de Estado do Meio Ambiente do Pará, Luiz Fernandes Rocha, oficiou ao governo federal pedindo para participar das reuniões que decidem a destinação dos recursos, a fim de evitar tal iniquidade. Foi inútil. Depois, pediu a revisão da distribuição. Também foi ignorado. Agora, a Procuradoria Geral do Estado já foi acionada pelo governador Simão Jatene a fim de ajuizar uma ação de modo a garantir pelo menos uma distribuição mais equilibrada dos recursos. Afinal, o dinheiro pode muito bem ser aplicado em unidades controladas pelo governo federal, mas que sejam próximas da área impactada pela usina, em projetos que de fato compensem os danos causados.
A medida do governo federal não é ilegal, mas certamente abusiva. A justificativa é que quando a compensação ambiental passa de R$ 10 milhões é considerada de abrangência nacional, podendo contemplar toda a região hidrográfica onde está o empreendimento, dentro dos 5 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Para se ter uma ideia do descalabro: R$ 80 milhões vão para o Parque Juruena (MT) a título de “regularização fundiária”. Mas o Pará é o recordista disparado em conflitos fundiários no Brasil. E carrega alguns outros tristes títulos, como o de campeão de mortes em conflitos pela terra.
O Relatório Final da CPI da Grilagem, apresentado em 29 de agosto de 2001, apontou a existência de mais 30 milhões de hectares grilados no Pará. Já o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito realizada na Assembleia Legislativa do Pará, em 1999, concluiu que: “a situação é tão caótica e crítica que existem municípios cuja área registrada nos cartórios como imóveis particulares é superior à sua extensão territorial […]: =o município de Acará, com uma superfície de 854.200 ha, tem 1.040.112,7 ha registrados no cartório; Tomé-Açu, com uma superfície de 582.200 ha, tem 819.314,8 ha registrados em cartório; Paragominas, com uma superfície de 2.716.800 ha, tem 3.327.234 ha registrados em cartório; e, o caso mais clamoroso, Moju, que apesar de ter uma extensão territorial de 1.172.800 ha já tem registrado em cartório 2.750.080,4 ha, ou seja, já registrou até terrenos no céu.”
A grilagem de terras tem sido pano de fundo das mais variadas formas de violação dos direitos humanos no Estado do Pará, que incluem extração criminosa dos recursos florestais, práticas de trabalho escravo e assassinatos. São desrespeitados direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Conforme os registros da CPT (Comissão Pastoral da Terra, da CNBB Norte II), mais de 700 camponeses e outros defensores de direitos humanos foram assassinados nos últimos 30 anos no Pará, e a maioria envolve a prática de pistolagem.
Nesse período, houve ainda 128 tentativas de assassinato e foram registradas 459 ameaças de morte. É trágico e crescente o padrão de violência no Pará: mais trabalhadores rurais foram assassinados no período 1995 a 2004 (169 ocorrências) do que nos primeiros quinze anos de ditadura militar (1964-1979), quando 89 trabalhadores foram mortos, precisamente os anos de mais intensa repressão aos movimentos populares. Os dados oficiais são ainda mais estarrecedores. No final de 2002, a Secretaria Especial de Defesa Social do Estado do Pará publicou estudo intitulado Inventário de Registros e Denúncias de Mortes Relacionadas com a Posse e Exploração de Terra no Estado do Pará 1980-2001. Neste levantamento, os dados referentes ao período 1995-2001 indicam 328 assassinatos no Pará em conflitos pela posse e exploração da terra. A fonte destes estudos são os registros criminais da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários da Polícia Civil do Estado. A CTP expõe que, só de janeiro a setembro de 2011, aconteceram 9 assassinatos relacionados ao campesinato.
Como ninguém desconhece, o princípio fundamental é o direito à vida. Daí que agir contra esse direito significa violar os princípios dos direitos humanos, que passam pela garantia da dignidade, e que interessa a todo mundo proteger e garantir. A vida é comum a todos e tem o mesmo valor, mas a realidade mostra que este direito está sendo absurdamente violado. Contudo, o governo federal não parece enxergar esse cenário medonho, ao transferir recursos de direito e merecidos pelo Pará a outra unidade federativa.
Segundo o Imazon, por exemplo, o desmatamento na região da usina de Belo Monte foi 40% maior do que o previsto antes das obras.
Em 1940, o Pará tinha o 8º PIB per capita do País. Em 2013, passou a ser o 20º. O PIB hoje é 57% do PIB Nacional. Nos últimos 50 anos, a população paraense cresceu em 6,5 milhões de habitantes. O Estado é, como diz o próprio secretário Adnan Demachki, substancialmente extrativista e exportador de matéria-prima, e justamente quando busca novo modelo de desenvolvimento os recursos relativos à compensação ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte lhes são retirados.
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Compensações pela Usina de Belo Monte vão para Mato Grosso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU