24 Fevereiro 2016
Laura Rodrigues é brasileira, mas trabalha como professora de Epidemiologia de Doenças Infecciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Ou trabalhava, até que o zika vírus desembarcou no seu país e ela decidiu viajar para analisar as mães e crianças contaminadas. Está atualmente no Recife, capital de Pernambuco, que está no centro da epidemia de microcefalia, já qualificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência sanitária internacional.
A entrevista é de Robert Colvile, publicada por El País, 23-02-2016.
Eis a entrevista.
Estávamos preparados para isto?
De forma alguma. Foi uma surpresa para todo mundo! Desde o começo de agosto de 2015 foram notificados milhares de possíveis casos, e é provável que a temporada da zika comece de novo: a estação chuvosa traz água, e os mosquitos colocam seus ovos onde encontrarem uma mínima porção que seja…
O que você tenta averiguar com seu trabalho?
Temos três estudos em andamento. O primeiro investiga as causas da microcefalia. A hipótese mais provável é a infecção pelo zika vírus, mas precisamos estar completamente seguros. O segundo busca identificar os riscos concretos para as mulheres no que diz respeito à fase em que se encontra sua gestação quando são expostas ao zika. E o terceiro busca analisar como os bebês se desenvolvem.
Como funcionam os testes?
Estamos em estreito contato com as maternidades de todo o Estado. Para o primeiro estudo, quando nasce uma criança com microcefalia conversamos com a mãe sobre sua exposição ao zika durante a gestação e colhemos amostras de sangue (e quando possível do cordão umbilical), medimos a circunferência da cabeça e fazemos exames na criança. Mantemos o mesmo processo para ter uma amostra de controle de bebês semelhantes nascidos sem microcefalia. Também estudamos alguns bebês que já tinham nascido com microcefalia.
Para o segundo estudo, contamos com grávidas que apresentam o tipo de erupções associadas à zika. Nós as examinamos em busca desse vírus, da dengue e da febre chikungunya [todos eles vírus propagados pelo mosquito Aedes aegypti]. Depois fazemos um acompanhamento para determinar qual proporção sofrerá um aborto ou terá um bebê que nasceu morto, e qual proporção dará à luz uma criança com microcefalia ou outras malformações. Isso nos indicará se realmente a microcefalia é comum e em qual grau está condicionada ao trimestre da gestação em que a mãe é infectada.
Para o terceiro estudo, queremos fazer um acompanhamento dos bebês que sofrem atrasos em seu desenvolvimento, centrando-nos em possíveis convulsões, na sua maneira de interagir ou se estabelecem contato visual.
Como você se envolveu em tudo isto?
Coordeno a colaboração entre o Brasil e a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Sou brasileira: me formei aqui, fui para Londres fazer pós-graduação e fiquei trabalhando por lá. Quando a epidemia começou, o Governo pediu a um grupo de epidemiologistas de Pernambuco que apresentasse projetos de pesquisa. Ligaram para mim, falei com eles e o Ministério da Saúde do Brasil me convidou para vir. O Governo nos deu recursos suficientes para um dos estudos, e estamos arrecadando dinheiro para os outros.
Com quem está trabalhando?
Nosso grupo tem sua base em uma filial local da Fundação Oswaldo Cruz, que é um centro de pesquisas muito grande financiado pelo Governo. Eles nos cederam sua sala de conferências, que nós desocupamos sempre que eles precisam para alguma reunião. Temos 10 profissionais no nosso grupo e 14 agentes de saúde que vão aos hospitais ou andam de caminhonete para visitar as mulheres nas suas casas (embora dois deles estejam atualmente afastados, infectados pelo zika vírus). Colaboramos estreitamente com os hospitais e com a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.
O que espera conseguir?
Acredito que a chave esteja em averiguar em qual momento somos mais vulneráveis ao zika e qual proporção de bebês é afetada. Se concluirmos que 90% das mulheres infectadas com o vírus em uma fase concreta da sua gestação têm um bebê afetado, como ocorre com a rubéola, então há razões para começar a pensar em um tratamento e em uma vacina, ou talvez na opção de que as mulheres tenham acesso ao aborto legal. O outro aspecto que devemos levar em conta na hora de tomar essas decisões é o grau de incapacidade, maior ou menor, que as crianças terão.
Como estão os ânimos?
Quando cheguei aqui, em novembro, era um pouco como a Europa durante a peste: havia essa nova questão tão alarmante para a saúde, e as pessoas não sabiam qual era a causa. O Governo está fazendo um bom trabalho de conscientização, mas há muita preocupação. As famílias estão assustadas. O Estado preparou ambulatórios para que as mulheres grávidas possam ser examinadas, e mais de 1.000 delas se apresentaram nos dois últimos meses. Mas não há tratamento, e o aborto é ilegal no Brasil, de modo que, quando uma pessoa é infectada, não há nada a fazer. Na nossa equipe estamos muito tristes pelas mães e pelos bebês, mas ao mesmo tempo somos conscientes da urgência do nosso trabalho.
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“O importante é averiguar em que momento estamos mais vulneráveis ao zika” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU