19 Fevereiro 2016
A estrada de San Diego a El Paso costeia 1.200 km de fronteira entre o México e os EUA, e não são nem a metade para completar o trajeto a Brownsville, no Golfo do México. A maior fronteira terrestre entre mundo desenvolvido e "terceiro mundo" é a linha arbitrária que corta uma região mestiça: 200 anos de colonização espanhola e 200 de domínio norte-americano, com uma constante, a limpeza étnica dos povos indígenas, um extermínio que é o ato fundador de uma terra de fronteira permanente e que ainda molda o legado violento.
A reportagem é de Luca Celada, publicada no jornal Il Manifesto, 18-02-2016. A tradução é de Moisés Sbaredelotto.
Nenhum lugar nessa fronteira cruel talvez seja um símbolo como a cidade dividida de El Paso/Ciudad Juárez, um aglomerado binacional de cerca de quatro milhões de habitantes cortado ao meio pela fronteira internacional. De El Paso, o original governador espanhol Don Juan de Oñate lançou a expedição que acabaria massacrando os índios Pueblo (para sufocar uma revolta, foi cortado o pé esquerdo de todos os homens adultos). O prefeito de Ciudad Juárez expressa violências igualmente brutais na sangrenta narcoguerra que a tornou a "capital mundial dos assassinatos".
Esse lugar foi o término da viagem pastoral mais simbólica até hoje do Papa Francisco. A violência mais didática da fronteira – isto é, de todas aquelas que desenham as injustas divisões do planeta – está contida no abismo entre os dois lados adjacentes, a quase alegórica diferença entre riqueza texana e miséria mexicana.
Nesse limite que une e divide dois mundos, o papa veio para se ajoelhar, escolhendo fazer isso no momento em que, no lado ao norte, rico e poderoso, está em curso uma eleição que amplifica as contradições expressadas por essa fronteira.
Os "latinos", em ambos os lados da fronteira, estão mais uma vez no centro da retórica política graças à invectiva de Donald Trump, mas também às de Ted Cruz e Marco Rubio, que, embora de origem cubana, competem para se superarem como paladinos anti-imigração.
No éter debaixo do céu impossivelmente estrelado do deserto, o fel corre nas ondas médias, as das rádios conservadoras que vomitam a sua raiva contra "aqueles que vêm nos roubar o país" e contra o presidente "traidor muçulmano e comunista" que os acolhe. É o medo visceral que engole as pesquisas de Trump, exacerbado nestes dias pela morte de um santo padroeiro dos "EUA de antigamente", Antonin Scalia, âncora reacionária da Supremo Corte.
Com Scalia, desaparece o controle conservador da Suprema Corte, crucial para desmantelar a "legacy" de Obama. No pânico, a direita anuncia o boicote a uma nomeação de um novo juiz por parte do presidente. Mas o obstrucionismo a priori obriga os republicanos a se descobrirem, e o custo político para os candidatos poderia ser muito alto, particularmente entre os hispânicos.
Entre as práticas em análise pela Suprema Corte, de fato, também está o projeto de anistia parcial para os imigrantes e requerentes de asilo. O "filibuster" radical dos republicanos do Congresso, portanto, se traduziria em um ano eleitoral em afronta potencialmente suicida em 17% da população.
Na terça-feira, Obama denunciou o boicote republicano como sabotagem da própria democracia. "É a medida do rancor que torna impossível governar", declarou. Enquanto isso, os "latinos" do sudoeste também poderiam ser determinantes no campo democrático nas primárias disputadas entre Hillary e Bernie Sanders. No próximo sábado, elas serão votadas em Nevada, onde os hispânicos são um quarto da população e constituem, particularmente, um alto percentual nos sindicatos, apoiadores tradicionais dos Clinton.
A presença de Francisco no limiar simbólico de um Ocidente cada vez mais fechado contra os diferentes, portanto, foi a mais significativa do seu papado. Não por acaso, Donald Trump há dias a denuncia como uma ingerência nos "assuntos internos" da sua campanha xenófoba. Com certeza, tratou-se de um ato profundamente político, que chegou ao termo de uma peregrinação simbólica que novamente percorreu no México os passos dos migrantes das alturas indígenas de Chiapas através do Estado de Purepecha do Michoacán, as favelas da Cidade do México até o Rio Grande, onde 400 anos depois que os freis franciscanos abençoaram o genocídio, Bergoglio quis abençoar um grupo de imigrantes através daquelas grades que querem dividir fisicamente ricos e deserdados. A derrubada simbólica de uma daquelas fronteiras que o papa definiu claramente como "monumentos à exclusão".
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Francisco derruba muros, "monumentos à exclusão" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU