15 Fevereiro 2016
O Papa Francisco fez um dos seus resumos mais diretos e contundentes daquilo que ele espera dos bispos católicos, dizendo ao episcopado mexicano o que eles deveriam (e o que não deveriam) estar fazendo. O pontífice os advertiu contra palavras que são “figuras retóricas vazias” e contra certa inação que “desperdiça” a história do país.
Em um discurso pontual de durou 41 minutos dirigido aos bispos mexicanos no sábado, 13-02-2016, o pontífice apresentou uma visão abrangente para o futuro do México. Imaginando um caminho afastado da recente violência das drogas e da corrupção política, o papa convocou os bispos a ajudar na construção de uma sociedade solidária e integradora de culturas.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 13-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Às vezes dando orientações específicas aos bispos sobre como responder aos desafios do país, Francisco fez em sua alocução ricas referências à história cultural mexicana e às lutas que os católicos enfrentaram sob o jugo de governos nos séculos XIX e XX.
“Sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso”, falou ele aos prelados a certa altura. “Não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar”.
“Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo”, exortou.
“Não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa. Não ponhais a vossa confiança nos ‘carros e cavalos’ dos faraós de hoje, porque a nossa força é a ‘coluna de fogo’ que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor”, continuou.
Quando o povo mexicano olha para os seus bispos, disse mais tarde Francisco, ele “tem o direito de encontrar os indícios de quem ‘viu o Senhor’, de quem esteve com Deus”.
“Isto é o essencial”, disse. “Assim, não percais tempo e energias nas coisas secundárias, nas críticas e intrigas, em projetos vãos de carreira, em planos vazios de hegemonia, nos clubes estéreis de interesses ou compadrios. Não vos deixeis paralisar pelas murmurações e maledicências”.
“Se o nosso olhar não dá testemunho de ter visto Jesus, então as palavras que recordamos d’Ele não passam de figuras retóricas vazias”, declarou o papa.
“Talvez expressem a nostalgia daqueles que não podem esquecer o Senhor, mas, em todo o caso, são apenas o balbuciar de órfãos junto do sepulcro”, acrescentou. “No fim das contas, são palavras incapazes de impedir que o mundo fique abandonado e reduzido ao próprio poder desesperado”.
Abordando a violência contínua do comércio de drogas no país, que estima ter morto dezenas de milhares na última década, Francisco foi mais contundente ainda:
“Peço-vos que não subestimeis o desafio ético e anticívico que o narcotráfico representa para a sociedade mexicana inteira, incluindo a Igreja”, declarou ele aos bispos.
“A amplitude do fenômeno, a complexidade das suas causas, a imensidade da sua extensão como metástase devoradora, a gravidade da violência que desagrega e suas conexões transtornadas não consentem que nós, pastores da Igreja, nos refugiemos em condenações genéricas”, disse incisivamente.
“[Em vez disso] exigem uma coragem profética e um projeto pastoral sério e qualificado para contribuir, gradualmente, a tecer aquela delicada rede humana, sem a qual todos estaríamos, desde o início, derrotados por tal ameaça insidiosa”, declarou.
Em seguida, o pontífice convidou os bispos a darem sustento às famílias, dizendo que é somente através da ajuda a elas que “será possível libertar-se totalmente das águas onde, infelizmente, se afogam tantas vidas, seja a de quem morre como vítima, seja a de quem diante de Deus terá as mãos sempre manchadas de sangue, mesmo que tenha os bolsos cheios de dinheiro sórdido e a consciência anestesiada”.
Francisco estava falando no sábado aos 176 bispos mexicanos em um encontro na Catedral da Cidade do México. Este foi o segundo de três eventos públicos no primeiro dia da viagem do pontífice ao país.
Antes ainda, Francisco havia se encontrado com o presidente Enrique Peña Nieto e com líderes políticos do país no Palácio Nacional. No fim do dia, ele celebrou uma missa na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, que abriga a famosa imagem de Maria.
O papa estará visitando o México até a próxima quarta-feira. Embora passará todas as noites na Cidade do México, nos próximos dias ele viajará para as fronteiras sul e norte do país, bem como para Morelia, uma das cidades mais afetadas pelo narcotráfico.
Falando informalmente a Peña Nieto no sábado, Francisco chamou o México de um “grande país” e disse o quão animado estava com as suas incursões dos próximos dias. Mas o pontífice pareceu criticar de soslaio a distribuição desigual da riqueza e poder.
“A experiência nos ensina que cada vez que buscamos o caminho do privilégio ou dos benefícios para poucos, em detrimento do bem-estar para todos, mais cedo ou mais tarde a vida da sociedade se torna solo fértil para a corrupção, para o comércio de drogas, para a exclusão de culturas diferentes, para a violência e também para o tráfico de pessoas, o sequestro e a morte, trazendo sofrimento e desacelerando o desenvolvimento”, disse ele ao presidente.
Algumas das orientações de Francisco no encontro com os bispos também tiveram ecos políticos, com o pontífice especialmente dizendo aos prelados que eles devem fazer a frente no trabalho pelo país.
“Peço-vos para não cairdes na estagnação de dar velhas respostas às novas questões”, disse ele aos bispos. “O vosso passado é um poço de riquezas por escavar, que pode inspirar o presente e iluminar o futuro. Ai de vós se vos deixais adormentar sobre os louros!”
“É preciso não desperdiçar a herança recebida, guardando-a com um trabalho constante”, disse. “Estais sentados aos ombros de gigantes: bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos fiéis (…), que deram a vida para a Igreja poder cumprir a sua missão”.
Francisco também repetiu a sua crítica contra o clericalismo na Igreja, afirmando: “Por isso nós, pastores, precisamos vencer a tentação da distância e do clericalismo, da frieza e da indiferença, do triunfalismo e da autorreferencialidade”.
Falando que os pequenos detalhes na imagem de Nossa Senhora de Guadalupe são uma forma de conhecer as características de Deus, o papa disse: “Guadalupe ensina-nos que Deus é familiar no seu rosto, que a proximidade e a condescendência podem fazer mais do que a força”.
Falando na maior catedral das Américas, conhecida por suas duas torres altas e pelo trabalho complexo e amplo de pedras, Francisco apelou por uma Igreja humilde e pequena.
“A Igreja, mesmo quando se reúne numa majestosa catedral, não poderá deixar de considerar-se como uma ‘casita’ onde os seus filhos se sintam à vontade”, pediu o pontífice. “Diante de Deus, pode-se permanecer apenas se se é pequeno, se se é órfão, se se é mendicante”.
“Uma ‘casita’ familiar e, ao mesmo tempo, ‘sagrada’, porque a proximidade se enche da grandeza omnipotente”, disse. “Somos guardiões deste mistério. Às vezes perdemos este sentido da medida divina humilde e cansamo-nos de oferecer ao nosso povo a ‘casita’, onde possa sentir-se em intimidade com Deus”.
As expectativas antes da visita de Francisco ao México eram grandes, com as pessoas fazendo fila no trajeto inteiro que vai desde a nunciatura apostólica na Cidade do México até o Palácio Nacional, tudo para tentar conseguir capturar um olhar do papa.
Um ambiente festivo e alegre marcou a chegada ao papa no Aeroporto Internacional Benito Juarez na sexta-feira (12-02-20'6). Assim que desembarcou do avião papal, o pontífice foi cumprimentado por milhares de mexicanos sentados em bancos temporários, agitando bandeiras e usando telas dos aparelhos celulares para compor uma parede de luz na sua chegada à noite.
Após as boas-vindas formais dadas na pista do aeroporto por Peña Nieto, o papa passou cerca de 20 minutos andando entre a multidão. Ele cumprimentou crianças deficientes assim como uma banda mariachi vestida com roupas tradicionais, parando brevemente para pôr, em sua cabeça, um sombreiro preto.
Francisco terminou o seu discurso aos bispos no sábado com um convite ao respeito às culturas indígenas e ao trabalho dos leigos na Igreja. Ele também pediu que os bispos sejam líderes imersos nas necessidades do seu povo.
“O México e a sua vasta e multiforme Igreja têm necessidade de bispos servidores (…) guiada pelo seu Espírito que é o alento vital da Igreja”, disse o pontífice.
“Não há necessidade de ‘príncipes’, mas duma comunidade de testemunhas do Senhor”, concluiu. “Cristo é a sua única luz; é a fonte da água viva; da sua respiração, sai o Espírito que estende as velas da barca eclesial”.
Francisco terminou com uma afirmação de que ele, como papa, “tem a certeza de que o México e a sua Igreja chegarão a tempo ao encontro consigo mesmo, com a história, com Deus”.
Nota da IHU On-Line:
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Francisco faz advertências contundentes em discurso aos bispos mexicanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU