12 Fevereiro 2016
"Conheço também feministas que não param um segundo para refletir, e ao primeiro sinal de divergência, pulam na jugular da outra. Por isso entendo o cansaço, o desespero, a exasperação de quem desabafa vontade de jogar a toalha. Mas a minha toalhinha feminista eu não jogo, não", escreve Joanna Burigo, mestre em Gênero e Mídia pela LSE. Co-fundadora do Guerreiras Project e do Gender Hub, em artigo publicado por CartaCapital, 11-02-2016.
Eis o artigo.
O feminismo nem sempre é a Sororidade Segura 100% que gostaríamos que fosse. Mas eu também gostaria de ser amiga da Rihanna, e não sou, e nem por isso deixo de requebrar quando toca Pon de Replay. Desde o final da infância a gente sabe que nem tudo é exatamente como a gente gostaria. Pensando assim, é possivel entender que o feminismo não é, nem nunca vai ser, exatamente como a gente gostaria. E isso não invalida sua existência.
Conheço uma pá de feministas que já declararam estar cansadas de tretas com outras feministas, e simpatizo – já li relatos de violência (verbal e/ou simbólica) dentro do movimento, e conheço bem algumas das acusações que costumam voar nas rodinhas: acadêmica demais ou de menos, militante demais ou de menos, peluda demais ou de menos, batom demais ou de menos, mulher demais ou de menos, zzzzzzz.
Conheço também feministas que não param um segundo para refletir, e ao primeiro sinal de divergência, pulam na jugular da outra. Por isso entendo o cansaço, o desespero, a exasperação de quem desabafa vontade de jogar a toalha. Mas a minha toalhinha feminista eu não jogo, não. A minha toalhinha feminista vai ficar aqui, firme e forte, enroladinha na minha cintura (porque #freethenipple).
Feminismos não são isentos de relações de poder, e do atrito entre essas relações costumam sair faíscas de tretas. Mas me parece que o incêndio se dá porque o feminismo, infelizmente, também não está livre da monolética. (E a monolética vem a ser um neobobismo meu, para significar a anti-dialética, ou seja: dois monólogos concomitantes, sem que uma interlocutora escute, de fato, a outra.)
Feministas discordam umas das outras o tempo todo, e na maioria das vezes tudo corre bem: o discurso até progride por conta dessas divergências. Mas algumas feministas se digladiam por causa de suas divergências. Eu gostaria muito que não fosse assim, mas é. Feministas são – imagine você – pessoas.
Algumas pessoas são maravilhosas: divertidas, inteligentes, generosas. Outras pessoas são horrorosas: agressivas, bitoladas, egoístas. No entanto a maioria das pessoas não é nenhuma coisa nem outra, mas sim uma combinação do que é bom, ruim, belo e feio. Feministas são seres humanos, com defeitos e qualidades, que erram e acertam.
E humanos são assim diversos, mesmo: alguns levam porrada da vida mas não aprendem nada enquanto outros aprendem só de observar a porrada que os outros levam; tem quem fale demais, tem quem fale de menos; e tem também quem não escute nada. E esses, ah. Esses são um caso complicado.
Mas estar cansada de algumas atitudes demonstradas por algumas feministas não invalida o movimento. Vou te contar um segredo: as feministas não precisam ser perfeitas. (Eu especulo, inclusive, que a expectativa pela “feminista perfeita” não passe de uma extensão da ideia machistinha de que as mulheres tenham que ser perfeitas. Mas essa é outra conversa.)
Seria bacana se sempre nos respeitássemos entre nós? Certamente. O patriarcado já gosta bastante de nos silenciar, de tornar nossa fala abjeta, ou nos condenar quando pisamos na bola e nos engasgamos com um conceito mal-articulado.
Mas o feminismo sempre vai ser um lugar de problematização, questionamento, desconstrução de privilégios e insights dolorosos. Seria lindo se conseguíssemos, sempre, discordar com elegância e seguir adiante. Mas é inevitável que, às vezes, uma problematização seja feita de forma agressiva. Algumas pessoas são agressivas. E feministas – já sabe – são pessoas.
Ao ver que uma treta se aproxima, respiro fundo, lembro que já nos silenciam demais, e não entro. É difícil, mas busco o silêncio preemptivo, com o qual evito tanto a dor de ser silenciada por outra feminista quanto o risco de querer calar uma. Mas permaneço.
Escuto, pondero, aprendo. (Gosto de exercitar a virtude da paciência, e entre uma treta feminista e uma opressão machista, sei exatamente onde prefiro fazê-lo.) Retorno quando houver possibilidade de diálogo, sem o qual, nada feito. Apesar das nossas divergências, no fundo todas sabemos o que temos em comum. Eu gostaria que não existisse treta. Mas tretas existem. Só me recuso a permitir que elas me afastem do feminismo.
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As feministas não precisam ser perfeitas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU