05 Janeiro 2016
"Francisco tem um esboço ou modelo de aonde, exatamente ele quer levar a Igreja? Tem ele certos objetivos para reformas específicas, concretas? Ou está somente tentando abrir um diálogo e um processo de discernimento grupal?”, questiona Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 07-12-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Se achou que o Papa Francisco tinha um plano diretor para a reforma da Igreja Católica, então talvez você precise repensar o assunto.
Segundo uma das estrelas emergentes entre os historiadores católicos, Francisco está pondo sua ênfase em outro lugar.
“A Igreja que começa este Ano da Misericórdia vem sendo energizada por um papa jesuíta que parece muito mais disposto a um ‘aggiornamento’ aberto ao futuro do que um papa a traçar um plano de ‘reformas’”, diz Massimo Faggioli.
O teólogo histórico italiano, docente da St. Thomas University, em Minnesota, conclui a sua reflexão com esta observação: “Francisco é um excelente estrategista, mas não um planejador”.
Para alguns, uma afirmação dessas pode soar estranho, até mesmo uma contradição.
Como pode o papa ser bom em traçar estratégias e, no entanto, não possuir um plano ou programa algum de reforma para a Igreja? O que exatamente, então, estaria ele tentando alcançar?
Faggioli afirma ser um “aggiornamento”. Este conceito – que significa “atualizar, atualização” – foi um dos objetivos centrais vislumbrados pelo Papa João XXIII para a Igreja quando anunciou a sua decisão inspirada de convocar o Concílio Vaticano II (1962-1965).
Infelizmente, João XXIII viveu somente o suficiente para lançar o projeto, tendo morrido após a primeira das que acabariam sendo quatro sessões conciliares. Não obstante, ele sempre foi visto como a figura central deste evento católico monumental e como força motriz por detrás das reformas que daí se sucederam.
Será que foi mera coincidência ou foi por providência divina que os primeiros mil dias de Francisco como Bispo de Roma acabariam culminando no 50º aniversário de encerramento do Vaticano II, exatamente no dia 8 de dezembro, quando se marca a Festa da Imaculada Conceição?
Podemos pôr em discussão esses fatos. Mas uma coisa que não podemos negar é que o atual papa escolheu a data conjunta destes dois marcos como a ocasião para abrir a Porta Santa na Basílica de São Pedro para um Ano Jubilar da Misericórdia.
Na bula de proclamação do ano jubilar extraordinário, Francisco salienta a “necessidade” de manter “vivo” o Vaticano II, porque – entre outras coisas – ele foi um “verdadeiro sopro do Espírito” e fez a Igreja sentir a “responsabilidade de ser, no mundo, o sinal vivo do amor do Pai”.
O papa dá continuidade ao texto citando o discurso de Paulo VI no encerramento do Vaticano II, dizendo: “Uma corrente de interesse e admiração saiu do Concílio sobre o mundo atual. (...) para que o Concílio falasse ao mundo atual (…) com mensagens de esperança e palavras de confiança. Não só respeitou mas também honrou os valores humanos, apoiou todas as suas iniciativas e, depois de os purificar, aprovou todos os seus esforços”.
O Papa Francisco chama o Concílio de uma “nova etapa” na história da Igreja. Uma etapa em que a Igreja se encontra mais imersa no mundo, em diálogo com o seu povo e sendo um canal de misericórdia para com os pecadores, os pobres, os fracos e marginalizados.
E, como Bispo de Roma, ele obviamente vê a sua missão como a de reviver este projeto que se iniciou no Concílio, mas que foi severamente emudecido por uma mentalidade de retiro, restauração e autorreferencial.
Como sabemos, nem todo mundo na Igreja compartilha da visão de Francisco. Mas, de acordo com um bispo italiano, isso acontece porque estas pessoas estão em desacordo com o Concílio Vaticano II.
“Francisco vem falando sobre uma Terceira Guerra Mundial combatida em pedaços e, para empregar a mesma imagem dele, há uma ofensiva em pedaços contra o Vaticano II, onde vemos o papa como objetivo direto e o Concílio como o alvo real dos ataques”, diz Dom Domenico Mogavero, da Sicília.
“Os inimigos de Francisco são inimigos do Concílio”, afirmou o prelado em artigo publicado esta semana.
“Em essência, as críticas que estas pessoas vêm dirigindo a ele são as mesmas que foram feitas a João XXIII, quem, como ele, teve a coragem e a clarividência de convidar para uma Igreja profética que pudesse ler os sinais dos tempos”, ainda segundo o bispo, de 68 anos.
Outros vão ainda mais longe.
“Francisco tem mais problemas em Roma e no Vaticano do que qualquer coisa com que ele possa se deparar em suas viagens ao redor do mundo”, diz Francesco Peloso, analista católico italiano.
Peloso diz que isto inclui até mesmo questões “sensíveis e arriscadas” relacionadas à sua própria segurança física.
“As armadilhas colocadas pela Cúria podem ser ainda mais perigosas”, conforme escreveu em artigo publicado semana passada.
O analista afirma que este paradoxo ficou claro com a recente viagem do papa à África, que ocorreu sem problema algum, enquanto que, de volta ao Vaticano, a oposição ao objetivo inegável do papa de decentralizar a Igreja só se fortaleceu.
Isso tudo, naturalmente, nos leva de volta à sugestão de Massimo Faggioli de que o papa, que completará 79 anos em 17 de dezembro, é um estrategista brilhante mas um fraco planejador, o que, por sua vez, nos força a formular sérias interrogações: Francisco tem um esboço ou modelo de aonde, exatamente ele quer levar a Igreja? Tem ele certos objetivos para reformas específicas, concretas? Ou está somente tentando abrir um diálogo e um processo de discernimento grupal?”
Com certeza, ele já apresentou mais do que uma ideia – ainda que que em pedaços, para usar sua esta expressão em um outro contexto – do tipo de Igreja reformada, renovada e voltada ao exterior com a qual ele sonha. Nós a vemos mais claramente na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium e na entrevista à Civiltà Cattolica – ambas publicadas em 2013. Nós compreendemos a sua ideia nas breves homilias que dá espontaneamente nas missas diárias. E vimos um pouco mais dela recentemente quando ele apresentou algumas reflexões profundas no 50º aniversário do Sínodo dos Bispos.
Então, existe um plano mais abrangente?
O mais provável é que o Papa Francisco sabe exatamente quais reformas gostaria de ver acontecer, mas percebe haver obstáculos enormes em suas execuções. No entanto, isso não significa que ele vai abandonar os seus objetivos, mas apenas que irá continuar a buscar formas criativas de realizá-los.
Uma coisa está absolutamente clara: da mesma forma que João XXIII, Francisco é alguém com um profundo discernimento, um alguém que conta com uma confiança inabalável na orientação e inspiração do Espírito Santo.
O Jubileu da Misericórdia, que em si é um fruto de tal inspiração, poderia mostrar-se como mais um outro momento fundamental na história recente da Igreja. E, dependendo de como o Espírito conduzir o papa, este Ano Jubilar poderá ser maior do que qualquer coisa que alguém poderia ter imaginado.
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Misericórdia, o Vaticano II ganha vida! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU