10 Dezembro 2015
Quase duas centenas de ministros de todo o mundo têm apenas dois dias para resolver divergências ainda profundas rumo a um acordo na cúpula climática da ONU em Paris. Um novo texto negocial divulgado esta quarta-feira ainda está sulcado por fossos entre países ricos e pobres e foi recebido com críticas mas alguma esperança.
A reportagem é de Ricardo Garcia. publicada por Público, 09-12-2015.
Não há ainda consenso sobre até onde se quer chegar com o novo tratado para as alterações climáticas que está aqui a ser discutido. Temas tão essenciais como o nível de aquecimento da Terra que se quer evitar, as metas de longo prazo para a redução de emissões de CO2, ou como se pagará a conta da adaptação a um mundo mais quente estão em aberto.
São 29 páginas – 19 a menos do que a versão anterior – com um número mais reduzido, embora ainda elevado, de porções de texto assinaladas entre parêntesis, simbolizando falta de consenso. No entanto, os temas centrais em que as discordâncias se revelam maiores são o que irá determinar a dimensão do acordo de Paris: ambição, dinheiro e responsabilidades.
O que parece já praticamente definida é a consagração do modelo que nasceu depois da falhada cúpula climática de Copenhaga, em 2009. Todos os países deverão dizer, a cada cinco anos, que contribuição podem dar para travar o aquecimento global.
A primeira leva destas contribuições já existe: 186 países já as apresentaram às Nações Unidas antes da conferência de Paris. Juntas não conseguem manter a subida da temperatura da Terra abaixo dos 2oC, tal como estava já acordado internacionalmente.
Há uma proposta para que em 2018 ou 2019 se faça uma avaliação do que as medidas tomadas até essa data representam para a meta dos 2oC.
Este limite é contestado por países mais vulneráveis às alterações climáticas, que querem no acordo de Paris uma referência a 1,5oC. Não há consenso sobre isso. Mas já está definido que será pedido ao painel científico da ONU para o clima – o IPCC – que produza, até 2018, um relatório especial sobre os impactos associados a tal subida da temperatura.
Muitas das opções que aparecem no texto resultam da exigência dos países em desenvolvimento de que o acordo de Paris tenha menções explícitas aos princípios da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, de 1992. Ali, a responsabilidade para resolver o problema ficou repartida de forma diferente entre dois mundos – o industrializado, a quem cabe fazer mais, e o dos menos desenvolvidos, que têm muito menos obrigações.
O possível acordo de Paris pode derrubar uma parte deste muro. Mas por ora ainda não. Num plenário iniciado ao princípio da noite, o grupo G77 mais China, que representa os países em desenvolvimento, queixou-se de algumas modificações no texto. “Preocupa-nos que as provisões da convenção [de 1992] estejam a ser apagadas”, disse a ministra do Ambiente da África do Sul, Edna Molewa, em nome do grupo.
Molewa também manifestou reservas quanto à questão do financiamento, dizendo que não havia garantias de previsibilidade e de reforço das verbas já previstas.
Algumas horas antes, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, tinha deixado um sinal de flexibilidade por parte dos Estados Unidos nessa matéria. Numa conferência de imprensa que se transformou num discurso de quase uma hora, Kerry disse que os EUA irão duplicar o seu apoio baseado em subvenções aos países mais vulneráveis. Os 430 milhões de dólares atuais subirão para 860 milhões a partir de 2020.
No seu discurso, John Kerry delineou, por vezes indiretamente, o essencial do pensamento dos Estados Unidos sobre as negociações em Paris. Disse que o acordo tem de ser inclusivo, flexível, “o mais ambicioso possível” e “forte e legalmente vinculativo”.
Indiretamente, afirmou que a distinção entre as responsabilidades de cada país já estão contempladas. “Este acordo está recheado pela diferenciação, porque cada país veio cá com a sua contribuição”, explicou, acrescentando: “Ninguém será forçado a fazer o que não pode fazer”.
O secretário de Estado norte-americano admitiu, ainda, que os países desenvolvidos têm de assumir a liderança no financiamento à adaptação, mas reiterou que o dinheiro necessário terá, no final, de vir de “todas as fontes possíveis”.
Poucos minutos depois de Kerry encerrar o seu discurso numa sala junto ao centro de imprensa, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, iniciou uma sessão plenária, na qual distribuiu o texto negocial que a sua equipe condensara, levando em conta reuniões que duraram a noite toda.
“Podemos resumir a situação em poucas palavras: progredimos, mas ainda resta muito trabalho”, disse. “Estou convencido de que podemos chegar a um acordo”, completou.
Surgiram logo reações ao texto. “É uma mistura do bom, do mau e do horrível, mas temos três dias para retirar o pior e chegar a um acordo decente”, disse Kaisa Kosonen, da organização ambientalista Greenpeace.
Algumas propostas contidas no acordo – como a referência à meta dos 1,5oC, as revisões quinquenais dos compromissos e uma avaliação do seu impacto já em 2018 – agradam a organizações ambientalistas. “Mas o acordo é um pacote: só faz sentido se todos os elementos que significam ambição mais alta estiverem presentes”, refere o Observatório do Clima, uma organização brasileira, num comunicado divulgado em Paris.
A associação ambientalista Quercus, que tem dois dirigentes a acompanhar a conferência, diz que é preciso fazer mais. “É necessário que fique no texto a descarbonização da economia até 2050”, sugere.
Às 21h, no plenário da cúpula, delegados de vários países continuavam a comentar criticamente o texto do acordo, embora saudando a presidência francesa e dizendo que, afinal, havia uma base razoável para a discussão nos próximos dias.
Na terça-feira, a União Europeia surgiu de braços dados com 79 países de África, Caraíbas e Pacífico, numa “aliança para uma ambição elevada”. Depois da divulgação da proposta da presidência francesa, os Estados Unidos juntaram-se ao grupo numa conferência de imprensa. “O texto que saiu hoje é um passo em frente, mas ainda temos um longo caminho a percorrer”, disse Todd Stern, enviado especial norte-americano para as alterações climáticas.
Com países pobre e ricos a dizerem que a proposta de acordo não é suficientemente ambiciosa, as negociações entram agora na sua fase mais delicada e decisiva.
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Países ricos e pobres mantêm divergências sobre nova proposta de acordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU