'As pessoas não têm noção da gravidade', diz fotógrafo sobre rio Doce

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27 Novembro 2015

Regência é um lugar especial para o fotógrafo Leonardo Merçon, 34 anos. Desde a adolescência, a vila na foz do rio Doce, norte do Espírito Santo, era parada obrigatória para a prática de surfe.

A reportagem é de Thiago Guimarães, publicada por BBC Brasil, 26-11-2015.

Ali ele conheceu uma comunidade de 300 famílias, entre pescadores, caboclos e descendentes de índios, com uma característica marcante: a preocupação em conservar a natureza.

"É uma população organizada, acostumada a brigar pelo local, que é um santuário ecológico mesmo. Muitos escolheram viver ali", diz Leonardo.

No último final de semana, naquele mesmo local, o fotógrafo acompanhou o momento em que o povoado se tornou vítima do maior acidente ambiental da história do Brasil.

Um dos trechos mais preservados do rio Doce foi tomado pela lama de duas barragens da Samarco (Vale e BHP Billiton), rompidas no último 5 em Mariana (MG). Cerca de 25 mil piscinas olímpicas de rejeitos de mineração se deslocaram - e ainda percorrem - mais de 600 quilômetros a costa capixaba.

"A água verde do rio se misturou com a lama até tudo ficar marrom. Os moradores estavam chocados, tentando ajudar de alguma forma", conta Leonardo, sobre o momento em que a mancha se espalhou por 10 quilômetros de praias na foz do rio.

O testemunho em Regência foi a última escala da segunda expedição de Leonardo pelo rio Doce desde o desastre de Mariana.

Acompanhado por dois colegas do Instituto Últimos Refúgios, organização ambiental sem fins lucrativos que fundou em 2011, o fotógrafo acompanhou as consequências da tragédia por diferentes cidades: Governador Valadares, Resplendor, Conselheiro Pena, Aimorés, Baixo Guandu.

Em Governador Valadares (MG), a maior cidade da região, sem água por uma semana em razão do desastre, veio a consciência do tamanho do problema.

"Ali tomamos um susto e vimos que era muito mais feio do que imaginávamos. Começamos a ver milhares de peixes mortos, camarões, caramujos que saíam da água para morrer queimados em pedras quentes, só para não ficar na água. Vimos peixes de 10 quilos mortos e moradores desavisados recolhendo tudo para consumo", relata.

Após essa primeira viagem de três dias - "assustadora", na definição de Leonardo - os recursos terminaram e o grupo voltou a Vitória. Mas logo conseguiu doações para pegar a estrada novamente, desta vez para registrar o impacto do deslocamento da lama até a foz do rio.

Para o fotógrafo, foi possível perceber que a lama está descendo o rio em blocos. "Em cada lugar a lama assume uma aparência diferente, o que talvez explique a diferença nas análises de qualidade da água."

Na semana posterior à tragédia, por exemplo, a Prefeitura de Baixo Guandu (ES) apresentou análise da água do rio Doce que apontava concentração elevada de metais pesados, como mercúrio, arsênio e chumbo. Dias depois, outro exame da lama do rio em Valadares apontou metais em limites toleráveis.

Independentemente da discussão ainda em aberto sobre a qualidade da água do rio, os danos à natureza, segundo Leonardo, são gigantescos. "As pessoas não têm noção. É mais grave do que possam imaginar."

O impacto, diz o fotógrafo, não se restringe a ambientes aquáticos. "Jacarés, capivaras, lontras, mas também bois, cachorros, aves migratórias - todos foram afetados."

Para ele, o mais triste e chocante da passagem pelo rio foi acompanhar o relato de pessoas que tiveram a vida revirada pelo desastre. Em Aimorés, Minas Gerais, sua equipe registrou o choro de um pescador diante da paisagem marrom.

O homem, chamado Benilde, chorava ao recolher peixes mortos no rio, sustento da família. Dizia fazer aquilo para ter provas do "crime" em curso. "Meu filho me perguntou quando iria ter a chance de pescar um dourado, e não tive coragem de responder", disse o pescador, segundo o relato de Leonardo.

"Ninguém nunca viveu isso", diz o fotógrafo. "A vida no rio Doce foi toda morta."