18 Novembro 2015
"O Isis quer o confronto frontal para a conquista da Europa. Não me admira que ele possa ter deixado um passaporte falso de imigrante sírio nos lugares dos massacres de Paris. Ele sabe bem que isso vai desencadear os grupos xenófobos da direita europeia contra os imigrantes e contra o mundo islâmico por completo. Em reação, diversos setores entre os muçulmanos moderados, então, serão empurrados para os braços dos grupos radicais, aproximando-se da batalha final. É a mesma lógica do 'quanto pior melhor' que viu Bashar al-Assad favorecer o Isis contra os grupos moderados dos protestos de 2011, ou, entre as duas Guerras Mundiais, os comunistas olharem com bons olhos para os nazistas e fascistas enquanto úteis para fazer explodir as contradições do capitalismo e aproximar a eclosão da revolução."
A reportagem é de Lorenzo Cremonesi, publicada no jornal Corriere della Sera, 16-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com a habitual lucidez e desencanto, o professor Gilles Kepel analisa os atentados na capital francesa. A sua longa experiência como máximo estudioso do radicalismo islâmico desde o início dos anos 1980, tanto no Oriente Médio quanto na Europa, leva-o agora a olhar atentamente para o legado dos episódios coloniais argelinos e para o extremismo de retorno entre os filhos dos imigrantes na França. Um fenômeno que ele e os seus estudantes na Faculdade de Ciências Políticas definem como "retrocolonial" e sobre o qual ele está escrevendo um livro.
Eis a entrevista.
A polícia francesa identificou entre os terroristas Omar Ismail Mostefai, de 29 anos. O que isso lhe sugere?
Mostefai nasceu na França, filho de imigrantes argelinos, conhecido por um passado cheio de pequenos crimes. Há alguns anos, ele estava em contato com os círculos radicais islâmicos. As notícias sobre ele já estão na mídia. Mas é interessante notar que ele é o típico representante desses franco-argelinos de segunda, terceira ou quarta geração, muitas vezes desempregados, pouco escolarizados, acostumados a viver de expedientes às margens.
Como ele, houve muitos outros envolvidos em violências, agressões e terrorismo nos últimos tempos: aquele que tentou o atentado contra o trem, aquele outro que tentou atacar o chefe da empresa onde trabalha, um terceiro que agride nos locais judaicos para ser notado pelos chefes do Isis na Síria. Os mesmos agressores do Charlie Hebdo, em janeiro, tinham, nas suas histórias pessoais, relações mais ou menos diretas com a comunidade e a história argelinas.
Esses atentados eram previsíveis?
Já tinham sido previstos. A polícia, os especialistas, as autoridades competentes os consideravam inevitáveis. Mas se pensava que seriam desferidos no momento da cúpula da ONU prevista para Paris no fim deste mês.
Semelhanças e diferenças com o terrorismo de janeiro?
Os lugares são semelhantes, na zona entre o 10º e o 11º arrondissement, habitada pela classe média, pontilhada por escritórios, restaurantes, cafés, com uma grande presença de populações de origem árabe. Não se esqueça que o Bataclan fica a 500 metros da sede do Charlie Hebdo. E isso nos diz ao menos uma coisa: o Isis não tem medo de voltar duas vezes às mesmas paragens. Os terroristas sabem que podem se mover impunemente. A grande diferença, porém, é que, em janeiro, os terroristas atingiram "inimigos reconhecidos".
Aos seus olhos, havia um motivo bem claro para disparar contra os jornalistas da publicação que tinha ofendido o Islã e contra os judeus. Na verdade, nas mídias sociais de área islâmica na França e no exterior, eles receberam aplausos e consensos enormes. Algo totalmente diferente, porém, é atirar às cegas contra civis anônimos em locais públicos. É a primeira vez que não se acerta um objetivo preciso na França. Estou certo de que, no fim, entre as vítimas, os muçulmanos vão refletir o mesmo percentual da população, entre 5% e 10%.
O que isso significa?
Provavelmente, os próprios responsáveis do Isis logo se deram conta de terem cometido um erro. Com os meus estudantes que acompanham as mídias sociais islâmicas, vimos que as reações ao ataque foram poucas, principalmente frias ou negativas. Nada a ver com as massas de janeiro, que aplaudiam a morte dos cartunistas "blasfemos" ou que saíam para as ruas para dizer que eles não eram Charlie Hebdo. Agora, explica-se assim o comunicado do Isis, que diz ter atingido os "lugares da depravação dos cruzados". Na verdade, parece quase uma tentativa um pouco estranha para se justificar a posteriori.
E as capacidades militares dos terroristas?
Eles são um grupo misto. Claramente, os cintos-bomba foram feitos de forma amadora. Eu acho que eles queriam causar muito mais vítimas, mas, em alguns casos, mataram apenas a si mesmos. Aqueles que atiraram, ao contrário, fizeram isso com calma e com a precisão de pessoas treinadas. As testemunhas dizem que parecia um videogame.
E as consequências políticas?
Na Europa, trazem água para o moinho do campo antimigrantes. Na França, a Frente Nacional já está em claro crescimento e vai obter ótimos resultados nas eleições regionais de dezembro e em vista das eleições presidenciais de 2017. Mas é exatamente isso que o Isis quer. Quanto mais os europeus se tornarem xenófobos, mais os muçulmanos vão simpatizar com o Califado. O Isis quer romper qualquer frente de solidariedade entre os muçulmanos e o resto da população. O objetivo é a guerra total, não o diálogo.
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"O objetivo é o confronto total, uma Europa xenófoba." Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU