11 Novembro 2015
"Lembro também da maneira um tanto tímida com que as delegações do nordeste foram chegando a Brasília no primeiro turno da Constituinte. Já no segundo turno foram praticamente eles que deram o tom e o colorido da presença indígena no Congresso. Essas memórias vivas são muito importantes para entendermos e nos situarmos nesse momento de imensas ameaças que pesam novamente sobre os povos indígenas", destaca Egon Heck, do secretariado nacional do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Sol escaldante. A BR-040 é tomada na manhã do dia 9 pelos gritos de guerra, e a beleza dos corpos pintados e o colorido dos cocares. Bordunas, arcos e flechas foram as armas originárias dos Pataxó e Kayapó, no fechamento da estrada.
Fotos: Laila/CIMI
O local, em frente a uma unidade da JBS Friboi, era indicativo do protesto. Esta empresa distribuiu 61 milhões para 162 deputados federais eleitos em 2014. Igualmente, empresas desse grupo econômico, dona dos maiores frigoríficos do Brasil, doaram recursos para 21 partidos políticos. Por isso a paralização da rodovia que liga Brasília a São Paulo teve o objetivo claro de dizer aos parlamentares que tentam tirar os direitos indígenas garantidos na Constituição, que continuarão a luta em todo o país, para impedir qualquer retrocesso.
Não era um protesto comum. Tinha também o intuito de conseguir aliados, permitindo que a BR ficasse fechada por algum tempo enquanto visitavam os carros ali parados e entregavam aos motoristas um documento que explicava o motivo do protesto. Em seguida liberavam a pista com os indígenas formando corredores para que o trânsito fluísse. Muitos que por ali passavam buzinavam num gesto de apoio à causa. E assim continuou a manifestação por quase três horas.
Em torno de 250 indígenas vieram a Brasília para dizer aos parlamentares e ao governo que mais de cinco séculos de resistência, se traduz numa luta insurgente e permanente pelos direitos sagrados, constitucionais e internacionalmente reconhecidos e subscritos pelo Brasil.
“Não vamos abrir mão dos direitos conquistados, de jeito nenhum. Se nos declaram guerra, rasgam a Constituição e nos matam, num permanente extermínio e genocídio, estamos dando a nossa resposta”, exclamou uma liderança Pataxó. E lembrou os fortes momentos das lutas.
“Contra a emancipação das nossas terras na década de 70 pedimos para o general Rangel Reis rasgar esse projeto. E assim aconteceu. Na década seguinte foi a vez de unirmos os nossos parentes indígenas de todo o país para conquistar nossos direitos na Constituição. Pataxó e os Kayapó tiveram uma participação importante. Depois chegou o ano 2000 e novamente mostramos nossa força em Coroa Vermelha. No Monte Pascoal fizemos nossas mobilizações, construímos o monumento da resistência. Queríamos ir até Porto Seguro para dizer ao governo brasileiro e de Portugal que não tínhamos nada para comemorar. Fomos barrados brutalmente pela polícia. Mas demos o nosso recado ao mundo. Agora estamos novamente mobilizados em nível nacional para impedir que roubem nossos direitos. Assim que vejo a nossa participação na luta desses dias, junto com os parentes Kayapó”.
Uma delegação Kayapó já esteve fazendo mobilizações junto a diversas instâncias e poderes do Estado brasileiro. De maneira especial deixaram seu protesto e indignação no Congresso, diante da tramitação da PEC 215, um verdadeiro decreto de morte e genocídio dos povos originários desse país. Lembrei-me dos fortes momentos em que os Kayapó vieram ao Secretariado do Cimi pedir um pequeno apoio para alimentação e hospedagem em Brasília, pois eles dariam um jeito de chegar até a capital do país para lutar pelos direitos dos povos indígenas.
Lembro também da maneira um tanto tímida com que as delegações do nordeste foram chegando a Brasília no primeiro turno da Constituinte. Já no segundo turno foram praticamente eles que deram o tom e o colorido da presença indígena no Congresso. Essas memórias vivas são muito importantes para entendermos e nos situarmos nesse momento de imensas ameaças que pesam novamente sobre os povos indígenas.
As CPIs anti-indígenas
A forte investida contra os direitos indígenas está presente na estratégia de ataques simultâneos em diversos níveis, sendo um deles a criação de CPIs como a contra o Cimi, no Mato Grosso do Sul, e contra a Funai, na Câmara dos Deputados.
Durante o dia de hoje estarão no Congresso visitando e dialogando com os líderes de partidos para mostrar a razão de suas grandes preocupações. Como povos originários desta terra, querem ter seus direitos respeitados e contribuir para o reconhecimento de um Brasil plural, infelizmente ainda pouco conhecido e valorizado.
Nesta semana em que estarão sendo instaladas as CPIs da Funai e do Incra, e a do Genocídio, ocorrerá também mais uma sessão de oitivas na CPI do Cimi, mais conhecida como a “ditadura do achismo”.
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 10 de novembro de 2015.
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Pataxó e Kayapó: unidos na luta pelos direitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU