10 Novembro 2015
"Ocorre que, para o mundo entrar numa trajetória de emissões que nos dê pelo menos 66% de chance de evitar que o limite de 2ºC seja ultrapassado, seria preciso que as emissões em 2030 fossem de, no máximo, 42 bilhões de toneladas de CO2", escreve Claudio Angelo, jornalista, em artigo publicado por Observatório do Clima, 06-11-2015.
Eis o artigo.
A humanidade está oficialmente na margem de erro do fracasso em cumprir a meta de limitar o aquecimento da Terra a menos de 2ºC neste século. É o que revela um relatório anual do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) divulgado nesta sexta-feira (6/11).
Esse estudo, conhecido como Emissions Gap Report, avalia quão perto ou longe as políticas de clima em curso no planeta nos deixam de alcançar o objetivo dos 2ºC, acordado na Conferência de Copenhague, em 2009.
A edição deste ano mostra que estamos bem longe, mas já estivemos pior: os 119 planos climáticos (INDCs) apresentados por 146 países como contribuição à conferência do clima de Paris são capazes de retirar da atmosfera, em 2030, de 4 bilhões a 6 bilhões de toneladas de gás carbônico, em comparação às políticas atuais (como o Protocolo de Kyoto e a meta brasileira de reduzir o desmatamento até 2020). Isso faria com que as emissões anuais do planeta em 2030 fossem de 54 bilhões de toneladas de CO2 no melhor cenário – um crescimento de apenas 2,4% em relação às 52,7 bilhões de toneladas emitidas em 2014.
Ocorre que, para o mundo entrar numa trajetória de emissões que nos dê pelo menos 66% de chance de evitar que o limite de 2ºC seja ultrapassado, seria preciso que as emissões em 2030 fossem de, no máximo, 42 bilhões de toneladas de CO2.
Ou seja, se tudo der absolutamente certo com o cumprimento das INDCs, inclusive a parte delas que está condicionada a aporte de dinheiro externo, chegaremos a 2030 com 12 bilhões de toneladas de CO2 em excesso na atmosfera para fechar a conta da estabilização do clima. É esse o gap (“lacuna”, ou “hiato”, em inglês) a que se refere o título do relatório.
Um pouco mais pessimista do que a avaliação das INDCs feita pela Convenção do Clima na semana passada, o relatório do Pnuma estima que os planos para Paris nos colocam numa trajetória de 3ºC de aquecimento em 2100, pelo menos – contra 2,7ºC mencionados pela Convenção.
Mais grave ainda, a própria meta dos 2ºC pode já ter sido perdida. Isso porque, segundo o relatório, um “número significativo” de modelos computacionais usados no estudo para calcular a trajetória de temperatura simplesmente não consegue produzir cenários futuros de 2ºC se as emissões em 2030 forem maiores do que 55 bilhões de toneladas de CO2.
À primeira vista, estamos dentro da meta, com 54 bilhões de toneladas previstas em 2030. Só que a relação entre INDCs e nível de emissão futura carrega um monte de incertezas, expressa em uma margem de erro: a média é de 54 bilhões de toneladas, mas o valor real está em 52 bilhões a 57 bilhões. No último caso, seria economicamente inviável baixar a curva de emissões do planeta para um cenário compatível com os 2ºC. A menos que muita coisa aconteça bem antes de 2030.
“Adiar esforços rígidos de mitigação até 2030 tornaria a transição para níveis de emissões de longo prazo em linha com o objetivo de 2ºC significativamente mais difícil”, afirma o relatório, num eufemismo.
O Gap Report, portanto, reforça a ideia, já expressa por um grande estudo internacional divulgado no último mês, de que a única solução possível para os 2ºC é que o acordo de Paris produza um mecanismo internacional de aumento periódico da ambição das metas – o chamado “torniquete” (“ratchet”, em inglês) – que possa entrar em ação a partir de 2020. Esperar até 2030 para ajustar as INDCs será tarde demais para o clima.
Mesmo assim, diz o estudo, para que essa ação pós-2020 siga uma trajetória de custo mínimo, será preciso lançar mão de tecnologias de “emissões negativas”, como o chamado bio-CCS (produção de bioenergia com captura e armazenamento de carbono). Alguns pesquisadores chamam essas tecnologias de “ficção científica”.
Segundo o estudo do Pnuma, existe potencial técnico de mitigação no mundo capaz de apertar o torniquete em até 10 bilhões de toneladas. Há muita incerteza sobre o potencial dessas tecnologias, por um lado; por outro, há várias opções que não são consideradas pelos estudos sobre potenciais de mitigação, e que poderiam fazer com que a capacidade de cortar carbono seja ainda maior do que isso.
REDD+
Além disso, o Gap Report traz um recado que o Brasil faria bem em escutar: as florestas podem se tornar uma tábua de salvação planetária para fechar o hiato de emissões de forma rápida e relativamente barata: “O potencial teórico de atividades de mitigação relacionadas a florestas nos países em desenvolvimento é estimado em até de 9 Gt CO2e [bilhões de toneladas de gás carbônico] em 2030”, diz o estudo.
É o chamado Redd+, o mecanismo de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal.
Para fazer o Redd+ funcionar, prossegue o Pnuma, os países florestais deveriam ter prontos níveis de referencia de emissões florestais, uma estratégia nacional de Redd+ e mecanismos de salvaguardas, para que a proteção ambiental e direitos de comunidades tradicionais não sejam atropelados.
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Humanidade na margem de erro do fracasso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU