Por: Jonas | 27 Outubro 2015
O australiano Mark Coleridge, arcebispo de Brisbane, foi uma das estrelas do Sínodo. Quase todos os dias, ele escrevia em um blog muito seguido, no qual contava suas impressões, dava detalhes das discussões a portas fechadas, na aula, e também comentava o que havia comido em algum bom restaurante romano, demonstrando não apenas um sentido de humor, como também de abertura.
Em uma entrevista ao jornal La Nación, Coleridge, com uma visão oposta a de outro australiano, o cardeal George Pell, líder do bloco conservador, afirmou que aquilo que mais lhe impactou na reunião sinodal, na qual foi relator de um dos grupos linguísticos de língua inglesa, foi “a visão apocalíptica” e distanciada da realidade de alguns setores obcecados com a doutrina pura e dura.
“Escutando algumas vozes, parece que há pessoas nas nuvens, onde a doutrina é toda muito linda e coerente consigo mesma. Escuta-se e vem a pergunta sobre onde está o contato com a realidade... Por isso, disse em meu grupo linguístico que tínhamos que recordar que o propósito do Sínodo era pastoral e que o processo para ser genuíno tinha que considerar os fatos no terreno, e não como gostaríamos que fossem, ou seja, a realidade da vida das pessoas”, disse o biblista de 66 anos, poliglota, que trabalhou na Secretaria de Estado do Vaticano, nos últimos anos do papado de João Paulo II.
“É verdade, falar da paternidade responsável e dizer que devemos redescobrir a riqueza do ensinamento da Humanae Vitae (a encíclica de Paulo VI que proibiu os métodos anticonceptivos artificiais) e a magnífica visão do matrimônio cristão, mas levando em consideração a clara realidade de que a maioria dos católicos não aceitou, nem recebeu o ensinamento da Humanae Vitae”, acrescentou, muito crítico.
A entrevista é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 25-10-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Nestes dias, você foi chamado de herege pelos setores mais ultraconservadores...
Sim, ainda que, na verdade, também disse claramente que não sou a favor de grandes mudanças no ensinamento da Igreja. Em minha opinião, é preciso criatividade pastoral e, nesta, uma nova linguagem. No entanto, a impressão é que quando se toca em um mínimo detalhe, não só do que ensinamos, mas do modo como ensinamos, derruba todo o edifício...
Como quando o Papa disse que o edifício moral da Igreja corria o risco de cair como um castelo de cartas, em sua primeira entrevista com a revista La Civiltà Cattolica...
Exato. E outra coisa que digo, do ponto de vista ocidental, é que não estamos defendendo um triunfo. Se estivéssemos fazendo isso e nossa forma de comunicar fosse brilhantemente exitosa, então se poderia entender o desejo de se permanecer na defesa, protegendo esse êxito. Porém, novamente, a realidade sugere que elementos cruciais do que estamos fazendo não apenas não são exitosos, mas um fracasso patente.
Deve-se, então, renovar a linguagem?
Claro. As palavras e as imagens que usamos, muitas vezes, levaram-nos a uma situação na qual, se tudo vai bem, somos vistos como irrelevantes na cultura ocidental, e se vai mal, somos vistos como demoníacos... Temos que usar uma linguagem que as pessoas possam compreender! Se somos sérios em relação à evangelização, temos que comunicar a verdade que entesouramos e se não a comunicamos, e evidentemente não fazemos isto, então, devemos nos perguntar como podemos fazer isto...
Você parece decepcionado...
Não, não estou. Penso que sou realista.
O que mais lhe impactou neste Sínodo?
Esta visão apocalíptica da realidade de alguns, que houve na aula, que não compartilho. Acredito que é errado ver o mundo em termos de luz e escuridão, bom ou mau, verdade e erro, tudo ou nada, sem que haja espaço entre os dois extremos.
Para além do espírito apocalíptico de alguns, dizem que o Papa foi visto como alguém muito tranquilo...
Sim, impactou-me a forma como, evidentemente, ele está tranquilo em seu papel. É a impressão que dava quando entrava na aula. No passado, era muito protocolar quando Bento XVI entrava na aula... Mas, não acontece o mesmo com Bergoglio, que eliminou a corte papal. As duas coisas que mais me fascinam é que assim como fala, age: o Papa não é um monarca e o Papa não é um oráculo, duas coisas que acredito que são providenciais. E me parece que Francisco tem uma modéstia e uma humildade não apenas a respeito de sua pessoa, como também a respeito do Sínodo..., no sentido de que não se deve esperar muito do Sínodo, ou não esperar muito no curto prazo, ainda que, acredito, que para ele o que de verdade interessa é gerar uma sinodalidade permanente para toda a Igreja.
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“Houve uma visão apocalíptica na reunião” sinodal, opina arcebispo de Brisbane - Instituto Humanitas Unisinos - IHU