27 Outubro 2015
Professor de Ética e Filosofia Política da USP, Renato Janine Ribeiro passou seis meses à frente do Ministério da Educação. Demitido no começo do mês, durante uma reforma ministerial, ele fala da falta de recursos, da crise política e defende a honestidade, a capacidade e os princípios pessoais da presidenta Dilma Rousseff.
A entrevista é de Leonardo Fuhrmann, publicada por Revista Fórum, 22-10-2015.
Em uma casa localizada em uma rua tranquila de um bairro central da capital paulista, o professor Renato Janine Ribeiro começa a retomar a sua vida de analista político, depois de passar seis meses como ministro da Educação. Na sua experiência real dentro do primeiro escalão de um governo, passou por uma longa greve de professores e servidores do ensino superior, aos quais faz duras críticas, e enfrentou as crises políticas e econômicas de um governo hoje impopular e com recursos escassos.
O próprio ex-ministro prepara um café antes de começar a falar sobre algumas surpresas positivas da política real, da relação com colegas de ministério e os congressitas. Demonstra sua preocupação com a agenda do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defende um diálogo melhor do PT com o PSDB e fala sobre a necessidade de mudanças profundas não só na política, mas na forma como a sociedade brasileira se comporta e vê a política.
Para ele, é um absurdo que um bolsista do Ciência Sem Fronteira critique um beneficiário do Bolsa-Família, pois o programa que leva alunos brasileiros para estudar no exterior é muito mais caro por pessoa atendida do que o programa social. Janine defende a presidenta diz que a principal preocupação dela é com a igualdade de oportunidades. “A Dilma insiste em algo que, nos termos brasileiros, parece revolucionário de esquerda, que é esse princípio liberal da igualdade de oportunidades. As camadas conservadoras da nossa sociedade não suportam isso”, diz.
Eis a entrevista.
Como foi a sua chegada a um governo a quem você apoiava de forma crítica?
Em primeiro lugar, a presidenta, assim que me cumprimentou, falou que eu não precisava dizer nada, que sabiam tudo ao meu respeito. Entendi como uma mensagem de que eu não precisava voltar atrás em nenhuma das críticas que fiz ou me explicar. Sempre dei um apoio crítico, às vezes até duro, ao governo. Mas não crítico no sentido daqueles que defendem que o governo faça uma política mais distributivista. Critiquei mais as falhas políticas, de lidar com os agentes políticos.
A experiência foi de estar em um governo no momento mais difícil desde Itamar Franco (1992/95), de hiperinflação. Talvez até pior que isso. O governo Fernando Collor (1990/92) foi mais difícil mas foi mais a sociedade inteira que se voltou contra ele. O momento do Itamar foi difícil por conta da hiperinflação, mas havia uma forte esperança de que algo desse certo. Hoje, estamos em um momento em que a sociedade está bastante rachada. As pessoas que acham o governo ótimo ou bom são apenas 7%, segundo as pesquisas. Desses 93%, há pessoas que, mesmo assim, apoiam o governo. E, dentre os críticos, há os que reclamam pelo fato do governo ser de esquerda e outros que se opõem porque acreditam que a gestão é de direita. Por isso, não há uma unanimidade. A situação é muito difícil porque falta dinheiro ao governo. Esse é o mantra desse ano.
E como foi essa realidade de falta de recursos?
Existe uma incompreensão muito grande entre os que apoiam ou apoiavam o governo de que falta dinheiro. Recebi gente no MEC que só faltou procurar uma gaveta onde estaria o dinheiro escondido. É surpreendente numa situação de falta de recursos, em que foi preciso cortar programas importantes, chegarem pessoas propondo programas e gastos novos. E estou falando de pessoas altamente qualificadas, reitores, líderes sindicais… Não são pessoas ignorantes. No entanto, a compreensão da situação econômica não existiu.
Houve uma reunião da presidenta no Ceará, com os governadores do Nordeste, em que ela disse isso: acabou o dinheiro. Mas é uma situação que as pessoas que leem jornal sabem desde janeiro. Essa situação fez com que se tornasse muito difícil buscar alternativas. Eu me sentia próximo a uma situação de guerra, em que você tem de economizar tudo. Tem de cortar coisas que são fundamentais em nome de um bem maior.
E como você reagiu a essa situação?
O primeiro passo em uma situação dessas é aumentar ao máximo o rendimento dos programas. Tem de encontrar os defeitos de cada um e corrigi-los. Os que são bons, mesmo que suspenda, você tenta aperfeiçoá-los para quando puder retomar daqui um ano ou dois com mais efeito. Onde me dei por satisfeito com esse procedimento foi no Fies [Financiamento Estudantil]. O programa teve um crescimento totalmente atípico no ano passado e era impossível manter neste ano. Mas foi feita uma mudança importante. O Fies era dado praticamente de maneira irrestrita. Não havia prioridade para qualidade de curso, periodicidade diária de formação e de região do País. Introduzi a preferência por cursos de melhor qualidade.
O Fies é um financiamento para alunos que estão no ensino privado e é um programa que sai barato. São cerca de R$ 10 mil por aluno ao ano e a maior parte desse dinheiro é restituída, com juros subsidiados. O cálculo é de que 62% volte aos cofres públicos e esse valor vai continuar financiando o programa. É mais barato do que o custo de um aluno nas universidades públicas e responde por quase 2 milhões de alunos. Quando você pensa que o Brasil tem 7,3 milhões de estudantes do nível superior, esse número se torna mais expressivo. Cortá-lo significaria cortar 2 milhões de estudantes da sala de aula. Seria reduzir a expansão do acesso ao ensino universitário durante os governos Lula e Dilma a muito menos do que foi. Seria passar de 3 milhões para 5 milhões, quase um crescimento vegetativo. O Fies tem essa importância, mas precisa estar calibrado. Ser focado em áreas que o Brasil precisa. Por isso, priorizamos a formação de professores, principalmente do ensino básico, de engenheiros, para aumentar a produtividade do país, e de profissões vinculadas à saúde. Além de valorizar cursos nota 5, a avaliação mais alta, e depois o nota 4, diminuindo os nota 3.
Também demos prioridade para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, exceto Distrito Federal, que é da região, mas é mais rico. Com isso, conseguimos um resultado muito melhor. Infelizmente, ainda não foi divulgado. Eu ia anunciar na semana em que saí do ministério. Aí você começa a pensar no programa não só como o aumento de alunos nos cursos superiores, mas também porque ele está colocando gente de quem o Brasil precisa. Esse é o tipo de política que considerei fundamental fazer nesse momento.
E o que mais foi feito nesse sentido?
Vou dar outro exemplo, a educação básica é e tem de ser a prioridade nacional. Temos uma situação muito grave de ter 57% dos meninos e meninas de 8 anos, no fim do terceiro ano do fundamental, que não sabem fazer contas, 37% não conseguem escrever e 22% não têm capacidade de leitura. Uma família de classe média, que colocou seu filho em uma escola melhor, conseguiu esse resultado pelo menos um ano antes. Isso quer dizer que esse menino mais pobre aos 10 e aos 15 anos vai estar seriamente prejudicado. Até porque, depois disso, não existe mais alfabetização. Passado esse período, eles terão cada vez menor atenção. Uma situação dessas requer prioridade absoluta.
Existe uma iniciativa bem-sucedida nesse sentido no Ceará e o governo federal resolveu implementá-la faz três anos, mas não teve o mesmo êxito. Por que lá o acompanhamento dos alunos é feito diretamente pelo professor, que fica responsável por uma sala de aula. Se três meninos estiverem mal, esse professor vai procurar as famílias. O governo federal fez um programa mais macro e a gente teve de rever. Notamos que, com todo dinheiro que tinha sido colocado no Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa, nós não tínhamos conseguido um bom resultado. O Ceará demorou dez anos para colher os resultados. Mas a gente precisava alocar mais recursos por mais anos. Nós, eu ainda não estava, mas o MEC cometeu dois erros básicos. Não tínhamos colocado os estados como parceiros, numa relação direta com as prefeituras, pois a alfabetização é uma atribuição municipal. Mas os estados podem ter um papel importante de articulação. Também foi centrado demais nas universidades e os pagamentos foram hierarquizados de uma forma que os professores na sala de aula ganhavam muito pouco comparado, por exemplo, ao coordenador, na universidade.
O que mais pode ser corrigido?
Há alguns anos, foi criado um plano de iniciação à docência. Você tem no Brasil há muitos anos, vinte, talvez mais, o programa de iniciação científica (Pibic). Ele garante uma bolsa aos melhores alunos para que eles possam se aprofundar e no futuro se tornem mestres ou doutores. Mas se você tinha interesse em dar aulas, não tinha nada. Aí, em 2008, foi criado o Pibid, de iniciação à docência. O aluno que quer ser professor na rede pública recebe uma bolsa. Isso melhorou os cursos e o clima na sala de aula. Só que, desses alunos do Pibid, 18% apenas foram para a educação básica. Por que? Provavelmente porque o salário não é bom. Você teve uma iniciativa meritória, bem formulada, mas o resultado não veio.
Mas como solucionar isso?
O buraco é mais fundo. O que você vai fazer? Você vai fechar o Pibid? Ou vai forçar as pessoas a dar aula na marra onde o salário é menor? Tem reitor que vem e fala que os alunos do Pibid estão passando em concursos da Petrobras, do Banco do Brasil. Essa não é a função do programa. A concepção é de reforçar a sala de aula. Por isso que eu falo, em um momento de falta de recursos, você tem de aperfeiçoar os programas para que eles deem os resultados que o país precisa. Mesmo que você suspenda alguns deles por falta de recursos, tem de se empenhar para tirar o melhor resultado de cada um deles.
Como você vê a greve no ensino superior federal que marcou sua gestão?
A reação de parte dos professores das universidades federais e dos servidores foi chocante. Eles fizeram uma greve longuíssima, que durou quase toda a minha gestão, mesmo com o MEC dialogando com as entidades de representação o tempo todo. Com diferenças de posições, não posso nivelar todos, o Proifes [professores dos institutos federais] foi mais racional, a Fasubra [trabalhadores técnico-administrativos] negociava e o Andes [docentes das instituições de ensino superior] propunha projetos que são inviáveis não só porque falta de recursos, mas porque desprezava completamente a educação básica. Eles chegaram a um ponto de reivindicar que 75% do orçamento do federal de educação fosse para as instituições federais de ensino. Se você fizer isso, vai tirar recursos importantes da educação básica.
A prioridade tem de ser a educação básica hoje?
A precariedade da educação básica no Brasil é grave. Vou dar um exemplo, o menino que mora no campo. Uma situação que diminuiu muito nos últimos anos era a daquela criança que acorda quatro horas da manhã e caminha no escuro para chegar até uma escola rural. Tem quatro horas de aula, com todas as turmas misturadas, porque a escola é pequena. Nem sempre tem merenda. E, depois, volta caminhando mais três horas para casa, dessa vez sob um sol causticante. São dez horas, isso é desumano.
O governo Lula comprou uma grande frota de ônibus e até lanchas para o transporte escolar, garantiu a merenda e investiu na construção de banheiros nessas unidades escolares. Foi um avanço no caminho da dignidade, mas o ponto de partida era terrível. Isso não acarretou uma melhora significativa na qualidade do ensino e esse é nosso maior desafio hoje. Tem de haver um investimento forte em três etapas: creches, alfabetização e ensino médio. Professor de creche é mal pago e é muito difícil encontrar profissionais qualificados, porque esse professor tem de aprender a brincar. Ele precisa ser capacitado para fazer brincadeiras inteligentes, formadoras e capazes de criar vínculos. Pode incluir o elemento da competição, mas não pode ser algo exagerado. Tem de criar um elemento cooperativo. É uma formação difícil.
O segundo ponto é a alfabetização, que hoje é crucial. Se a gente não alfabetizar, corta o futuro das pessoas. Tem uma expressão que diz: “tem de aprender a ler para depois ler para aprender”. Depois de aprender a ler, você se emancipa. Esse é um ponto fraco nosso. O ensino médio também é um gargalo de problemas. Se chegar à graduação, claro que vou dizer que também há muitas falhas. Mas hoje temos de canalizar esforços mesmo na alfabetização. Isso acabaria com essa injustiça que é ter mais de metade dos alunos com oito anos de idade que não sabe fazer contas. Imagine o que ele vai fazer na vida se não sabe fazer contas. Um dia até ele vai sabermas com que atraso? E o que ele vai poder ser a partir daí? O momento é importante porque está sinalizando ao país que temos um problema sério na educação e que ele tem de ser resolvido. Mas, para isso, nós precisamos de novas soluções.
O que são novas soluções?
Acho que precisamos incluir também uma discussão de princípios. Faz sentido ter uma greve de 90 dias de professores? Eu diria até para você que professor da rede básica ganha mal e professor universitário do ensino público ganha bem. Do ponto de vista moral, a greve de um professor universitário da rede pública se justifica menos, porque eles inclusive tiveram reajuste neste ano. Mas o dano causado de 90 dias sem escola básica, merenda e sem transporte é irreparável.
Essa falta de dinheiro não dá a impressão que a campanha da presidenta não falou a verdade no ano passado?
Não participei da campanha, apenas assisti, mas o próprio Lula disse isso, de que ela prometeu uma coisa e está fazendo o contrário. Ficou uma coisa complicada. Agora, isso se deve também ao que eu chamei de inclusão social pelo consumo. O PT, ao fazer políticas de inclusão social que são as mais importantes da História do Brasil, não se preocupou em politizar as pessoas tanto quanto devia. As pessoas sentiam que eram gratas enquanto o dinheiro estava entrando. É grato pela geladeira, pelo microondas… Às vezes nem isso. A pessoas acha que conseguiu isso porque foi Deus que recompensou o seu trabalho. A própria Dilma, quando entregou as casas no Pinheirinho, lá em São José dos Campos (SP), disse: “vocês não têm de agradecer a ninguém além de a vocês mesmos”. É uma bobagem, claro que tem de agradecer a uma política de governo que tornou isso possível. Uma outra política de governo teria desalojado eles de lá e que fossem morar onde fossem.
O governo errou, não em cobrar a conta, não é isso. Não se trata de partidarizar, mas de politizar. O resultado é que os próprios beneficiários desses programas vão se juntar aos ingratos. Vi isso muito nas universidades federais. O governo Lula ampliou muito as universidades federais, criou institutos federais em grande número e tem pessoas que não seriam professores, funcionários e alunos sem todo esse investimento que o Brasil fez. Porque o governo Lula fez, mas foi com o dinheiro de todos nós. E essas pessoas não têm responsabilidade com o país. Isso é muito grave, é um descomprometimento social enorme. E isso é de cima abaixo. Alguns bolsistas vão para o exterior com alto custo para o Brasil e postam textos contra o Bolsa-Família, que é muito mais barato que o dinheiro que eles estão ganhando. Tem essa atitude de um grupo de “coxinhas” de direita e de uma pseudo-esquerda que só quer discutir na universidade sobre creche, bandeijão e essas coisas. E não quer aprender e, principalmente, depois transmitir esse conhecimento para o bem da sociedade. Isso tudo chamo do mesmo jeito: privatização do conhecimento público. Há um ensino público que foi privatizado, não por uma empresa tal que fez a faculdade, mas porque eu me formo como médico, por exemplo, e minha única preocupação é ganhar dinheiro. Claro que não estou falando de todos os médicos. Existe uma sociedade que elegeu um número pequeno de pessoas para ter uma formação melhor, ganhar melhor por isso, mas também para atender os outros.
E como conscientizar as pessoas disso?
Uma das minhas preocupações era lançar um programa ético para frisar esse ponto. Você não pode se beneficiar dos recursos públicos sem sentir que tem o dever moral de ressarcir isso para a sociedade. Aí não importa se quem está no poder é o PT, o PSDB etc e tal, tem de ser um princípio. Só que, como o PT investiu mais do que todos os outros nessa formação, é injusto ter toda essa campanha contra ele que existe. E, por outro lado, ele errou mesmo em não valorizar isso tudo.
E como a presidenta deveria conversar, por exemplo, com esses moradores do Pinheirinho?
Acho que o objetivo dela foi dizer que aquelas pessoas não estavam devendo aquilo a um político, que as casas eram fruto da mobilização deles. Só que não é entendido assim, mas como se cada um isoladamente tivesse conseguido a sua casa e que conquistariam esse direito com qualquer político. E isso não é verdade. Ainda mais o Pinheirinho, que o governo tucano [de São Paulo] mandou a repressão policial e o governo do PT mandou casa. Como você não marca a diferença de duas posições políticas?
Veja, poderia ter um caso que fosse o contrário. Por exemplo, esse governo não tem um saldo positivo no meio ambiente até agora. Está começando a melhorar, mas não foi a grande preocupação do primeiro mandato dela. Está melhorando, a ministra Izabella Teixeira está fazendo um trabalho elogiado. O governo Lula só começou a entrar pesado nas questões de direitos humanos quando o Paulo Vanucchi entrou como secretário. Antes disso, ele estava atrás do governo Fernando Henrique em termos de direitos humanos. Você não tem monopólio de quem está fazendo as coisas boas ou as erradas. Mas nós chegamos a um momento crítico, que é extremamente agravado por essa centralização no consumo. Então, se é o bolso que governa sua intenção de voto, a realidade do governo fica muito ruim.
Como assim?
Se quiser colocar em outros termos, há uma relação de confiança no governo com crédito na praça para comprar coisas a prazo. Quando as pessoas têm dinheiro e emprego que lhe permitam fazer um financiamento em um ou dois anos, você tem confiança no governo. Não pode ser só assim. Voltando à metáfora da guerra, nós estamos em um momento crítico da sociedade brasileira, pois tem de cortar. Isso vale para qualquer pessoa. Quem tem folga orçamentária e corta a folga é uma coisa. Quem não tem esse excedente, fica numa situação mais difícil.
No ano passado, o senhor falava que o modelo do governo beirava o esgotamento. A falta de dinheiro adiantou esse processo?
Acelerou sim, mas, a bem da verdade, diria o seguinte: estamos em um momento em que nenhum líder político oferece uma perspectiva para o país. Não tem, esgotou. Não tem mais dinheiro para sustentar o modelo do PT, de distributivismo pelo consumo. Você pode ter grupos mais fidelizados, como o Movimento dos Sem Terra, mas não tem como colocar mais dinheiro lá.
Para você ver, na questão da agricultura, tem de por dinheiro agora onde vai render safra. Quem está dando mais dinheiro é a agricultura familiar do MST ou o agronegócio da ministra Kátia Abreu (PMDB)? Eu não sei, mas pode ser a Kátia Abreu. Então você tem de por dinheiro para exportar, ter renda, inclusive para poder apoiar os programas sociais. Muitos deles foram financiados até hoje graças ao agronegócio. Foi uma aliança sábia do governo petista e que chegou ao auge no primeiro mandato da Dilma. Ela ter conseguido trazer para o ministério a Kátia e o Afif foi uma obra de gênio. A Kátia tinha tudo para estar fechada com a direita, ela mesma diz que é de direita, mas apoiou e apóia a Dilma. Foi extremamente fiel, elas são amigas inclusive. O Guilherme Afif Domingos (PSD) era vice-governador do Alckmin. Ele é o homem da microempresa. No mundo todo, isso se chama liberalismo. É uma linha de pensamento respeitável, mas que vai para a direita. E foi com o Afif no ministério que a Dilma deu apoio à criação do microempreendedor individual. Um dos maiores erros dela na reforma foi tirar o Afif porque ele havia conseguido em dois anos constituir 5 milhões de microempreendedores individuais.
A gente estava começando a fazer uma articulação entre o Ministério da Educação e outros ministérios. Tem, por exemplo, um pescador. O que ele sabe é pescar. Aprendeu a pescar sozinho e é analfabeto. Ele não tem nenhum atestado de que é pescador. Você cria pelo Ministério da Educação um programa de certificação de saberes para mostrar o quanto ele sabe do ofício dele. Provavelmente, não precisa dar um curso de 200 horas, pois esse profissional já sabe quase tudo do seu trabalho. São duas coisas que faltam a ele: conservação sanitária adequada e comercialização do produto. Essas duas faltas custam para ele muito dinheiro, porque o coloca na mão de um atravessador e o obriga a vender assim que pesca. Se pegarmos todo saber que ele tem, que é maior que o meu e o seu, e podemos dar essa qualificação a mais. É possível também melhorar a formação dele em matemática e língua portuguesa, por exemplo. Aí, pelo ministério do Afif, você converte o homem em um MEI [microempreendedor individual] e ele passa a emitir nota fiscal, paga R$ 40 por mês, está coberto pelo INSS e pode vender o peixe dele para merenda escolar, supermercados e restaurantes. Existe um resgate fabuloso de populações pobres que tem uma experiência de trabalho que pode ser notável.
Qual a importância desses programas para o governo?
Esses trabalhos têm muito a ver com um tema da Dilma. As pessoas não conhecem muito bem a presidenta e fazem uma representação muito errada. Acompanhei muitos discursos dela e notei que o termo que ela mais usava, mais do que Pátria Educadora, era igualdade de oportunidades. Igualdade de oportunidades é um tema liberal, no melhor sentido da palavra liberal. Significa que você não pode chegar na disputa pela vida avantajado ou desavantajado sobre mim. Você tem de ter pelo menos iguais possibilidades de educação, que é o grande nivelador disso tudo.
É preciso garantir que o pobre tenha uma comida de qualidade. Dar a todos tenham o mesmo acesso à saúde, cultura e educação é uma coisa que a França, a Alemanha e a Inglaterra fazem há muito tempo para as suas populações. É uma política que foi construída por estados sociais-democratas, mas entrou num princípio liberal, que é garantir o mesmo ponto de partida para todos.
Faço essa distinção. Para o socialista, o ponto de chegada tem de ser igual. Para o liberal, o ponto de partida tem de ser igual. Para o socialista, o ponto de chegada tem de ser o mesmo pois, para ele, é difícil separar o que cada um fez, já que o trabalho é coletivo. Segundo, porque ele acredita que o clima humano fica melhor se você tem menos competição e mais cooperação. Para o liberal, você se dedicou mais, trabalhou mais, foi mais Bill Gates ou Steve Jobs, você ganha mais. São dois valores. A Dilma insiste em algo que, nos termos brasileiros, parece revolucionário de esquerda, que é a igualdade de oportunidades. As camadas conservadoras da nossa sociedade não suportam isso. Gosto pessoalmente da Dilma e uma coisa que me deixa muito preocupado é que ela tem sido alvo de um injustiça muito grande. A presidenta é extremamente honesta pessoalmente, tem um compromisso muito grande com a igualdade entre as pessoas. Ela tem um gênio difícil, ninguém vai negar isso, mas ninguém pode ser condenado por ter um gênio difícil. Pode ser uma falha, mas não é um crime. Conseguir garantir essa igualdade de oportunidades está sendo muito difícil.
O que sua ida ao ministério mudou a visão que tinha da presidenta Dilma?
A Dilma nunca me faltou com o respeito, mas não é uma pessoa de fácil convívio. A presidenta fica muito de cara fechada, tem dificuldade de estabelecer uma relação afetuosa com as pessoas. E ela é centralizadora e detalhista demais. E, finalmente, o que não sei até onde é um defeito, é alguém que não gosta muito de políticos. Esse mundo do “cede lugar e nomeia pessoas” a pedido de alguém não é o lugar dela. É uma intuição minha. Dilma é uma pessoa de princípios morais muito estritos. Toda vez que as coisas fogem desses princípios, venha do lado oposto ou do lado dela, isso a incomoda muito.
O que eu não sabia dela é que se trata de uma pessoa extremamente culta. Ela tem um conhecimento impressionante de literatura, artes visuais, teatro, ópera e música. Muita gente não tem noção disso. Mas ela considera, com todo amor que tem pela cultura, sente que há uma necessidade básica de o Brasil vencer a miséria e mesmo a pobreza. Você veja, “País Rico é um País sem Pobreza”, que era o lema do primeiro mandato. Nós tivemos no governo Lula e, sobretudo, no primeiro governo dela, a redução da miséria a um nível muito baixo. O Lula pegou o Brasil com 12% de miseráveis na faixa de 12 anos de idade e deixou com 6%. No fim do primeiro mandato dela, tinha deixado com 1%. É muito difícil reduzir para menos de 1%, porque entra até uma população que está em lugares cujo acesso é quase impossível. Houve um trabalho notável de combate a esse mal. A miséria é o extremo da pobreza. O projeto dela é muito mais ambicioso, de acabar com a pobreza. E ela está convencida da importância do setor econômico para acabar com a pobreza. E aí não entra balé, literatura e teatro.
A ideia dela quando priorizou as áreas de engenharia e produção às artes em programas como o Ciência Sem Fronteiras é essa. Primeiro, temos de acabar com a fome de todo mundo e dar acesso a todos a determinadas coisas. E daí também a preocupação dela com a questão da energia não convencional. Isso até que acabaram debochando erradamente dela por causa da questão do vento. Ela, na viagem aos Estados Unidos, estava muito preocupada com a questão dessas pilhas gigantescas para estocar a energia do vento ou do sol. Você precisa ter um jeito de armazenar o excedente, pois não é uma energia constante. É algo que ela sabe muito bem. Mas são necessárias pilhas gigantescas, não é uma AAA. Elas precisam guardar a energia para um país. A conversa da presidenta com o pessoal do Vale do Silício foi de chefe de Estado. Poucos chefes de Estado teriam capacidade de manter uma conversa daquele nível com eles. O Barack Obama teria, possivelmente até melhor do que ela. A alemã Angela Merkel, talvez. Não creio que o inglês David Cameron ou o francês François Hollande conseguiriam colocar questões como as que ela apresentou. Tem toda uma capacidade da Dilma que é notável, talvez seja não seja destacada devido em parte ao esgotamento desse momento de economia rica por conta das commodities e por outro lado por conta da falta de gosto pela política dela.
Não falta um líder político ao governo?
Faltar, falta. Mas não tem ninguém. O resto é tudo um modelo velho. Do lado do PT, o modelo velho é alguém dizer “vamos distribuir”. Vamos distribuir o que? Houve muito dinheiro. E foi gasto em coisas boas e em outras que talvez não fossem tão necessárias. Para se ter uma ideia, dou o exemplo do número de cursos universitários que temos à distância. Pedi esse dado para a Secretaria Nacional de Ensino Superior e trouxeram que havia 298 desses cursos na área de Pedagogia. Muito mais do que algum curso com efeito sobre a produção. E esses cursos de Pedagogia são criticados por todo mundo. Todas as pessoas que conheço, exceto aquelas que dão aulas nesses cursos, dizem que eles não conseguem ensinar a ensinar.
Tinha muita coisa que precisava melhorar nisso. É difícil porque você construiu nesses anos todos toda uma estrutura que está cheia de interesses, por exemplo. Eleição direta de reitor, por exemplo. Significa que um pequeno grupo escolhe o que aquela universidade vai fazer e depois manda a conta para a sociedade brasileira. Não é algo que eles formulam e depois debatem com os pagantes, que são a sociedade brasileira. Dei posse a um reitor de um instituto federal há menos de um mês e ele disse que a principal meta dele era a valorização do servidor. O que ele está dizendo, que vai aumentar o salário do servidor? Nós, que somos servidores, não estamos a serviço da sociedade? O que esse servidor vai fazer para a sociedade? Só vai aumentar salário? E o trabalho do sevidor que é dar melhores aulas, formar estudantes mais adequados às suas profissões? E é uma instituição extremamente focada no desenvolvimento econômico, dentro de um Estado com problemas econômicos sérios. Esse instituto federal tinha de estar discutindo como se gera emprego e riqueza. Você pode ter uma região que é muito boa para determinado cultivo e não está produzindo isso ou que tem determinado minério e está arrancando da terra e mandando bruto.
Desde o começo do governo Lula, existe um grande crescimento no número de manicures. Porque tinha uma clientela represada e um grande número de mulheres que sabem fazer isso. É um avanço, mas tem um limite. Surgem vários salões de beleza dentro de uma favela e o dinheiro passa a circular dentro dela. Mas precisa de outra coisa para o dinheiro entrar na favela. Evidentemente, pode até ser manicure da favela que vai atender fora. Mas, para entrar na favela, é necessário algo mais consistente, que dê mais rendimentos, inclusive para desfavelizar a favela. Com esses desafios, não dá para um reitor dizer que a grande preocupação dele é com o próprio umbigo das pessoas que estão lá dentro. Isso é muito grave, faz parte da mesma privatização que eu estava falando. Pode dizer que é de esquerda e está defendendo os trabalhadores, mas está tirando dinheiro da sociedade, que é sobretudo dos mais pobres, para fazer uso para o grupo dele. E nós chegamos a um ponto muito difícil, o PT está com dificuldades de lidar com isso, porque tem toda uma base dele que foi nessa direção. E, por isso, o PT não está conseguindo mudar o foco.
É como uma crítica de que os benefícios aos carros eram dados no governo petista até pela força dos metalúrgicos dentro do PT?
Pode ser. Uma falha grande dentro do PT e do PSDB é a dificuldade de ir além da indústria poluente. Toda essa história do carro, que é algo que vem desde o Juscelino Kubitschek, é um suicídio em termos de civilização. Possivelmente entra aí o salário e o emprego do metalúrgico, só que sai muito caro para a sociedade. Não só pelo que ele vai ganhar, mas porque, para ter esse emprego, tem de ter carro e pegar a terra roxa, preciosa do interior de São Paulo, e transformar tudo em canaviais, poluir os ares, arrebentar casas e fazer ruas mais largas, transformar o transporte urbano em algo infernal. O custo disso tudo é gigantesco.
Veja o caso do prefeito de São Paulo, o Fernando Haddad (PT), que é um homem inteligente. Ele é um administrador que admiro. Mas está numa situação totalmente oposta. Foi ministro com muito dinheiro e está sendo prefeito na escassez. E a principal marca que ele está deixando para nós é a bicicleta, é a contestação ao modelo carrocêntrico. Tudo bem. Mas a sequência do PT, como de outros partidos, foi não contestar isso até então. O Haddad está tentando resolver no varejo uma falha que o PT ajudou a promover no atacado.
Haddad pode ser o nome da renovação dentro do PT no âmbito nacional?
Não sei até porque, se você prestar atenção, o Haddad não tem falado nada de política nacional. Não sei o que ele acha. O que me parece hoje, toda vez que escuto um discurso político, é que o buraco é mais fundo. Quando muito, digo que tal pessoa tem razão até certo ponto. Mas esse até certo ponto ainda é pequeno.
Veja o exemplo da Marina Silva. Ela perdeu uma chance fabulosa na eleição do ano passado de contestar esse modelo de crescimento poluente. Se a Marina tivesse concentrado a campanha dela nisso, teria os mesmos 20% de votos. Mas, como ela chegou em um dado momento perto dos 40%, acho que não quis defender uma pauta que iria assustar o empresariado. Se tivesse levantado essa bandeira, teria dado um susto em quem seria eleito. Não que a Dilma seja defensora desse modelo poluente. O nível do governo hoje é melhor do que as pessoas imaginam. Mas Marina não esteve à altura desse papel de renovação. Talvez, na próxima eleição esteja. O PT está extremamente enfraquecido para lançar um nome para a próxima eleição.
Talvez venha. O PSDB está com seus líderes tradicionais fracos. E o PMDB ressuscitou graças ao PT e ao PSDB. Os dois fizeram um trabalho fabuloso e conseguiram ressuscitar o PMDB, que é um partido que volta a ser considerado no quadro político brasileiro. Não se sabe qual será o peso dele, mas é um partido que volta a ter peso.
E para qual lado vai esse PMDB?
Acho que não há muitas dúvidas a respeito. Você tem três quadros. O primeiro, a Dilma terminar o mandato. Dificilmente vai conseguir um êxito gigantesco, mas pode melhorar a economia. Tem o quadro da sucessão constitucional se houver algum problema sério, que seria uma posse do vice-presidente Michel Temer (PMDB). E há ainda o pior quadro de todos, o mais calamitoso, que é o de novas eleições. A sucessão do Temer é algo que a gente não sabe como seria. Vai haver um choque. O quadro calamitoso é o quadro do senador Aécio Neves (PSDB-MG), não que ele seja uma calamidade, mas porque é uma ruptura institucional muito grande.
Você acredita na possibilidade real disso?
Duvido que aconteça um golpe paraguaio. Como duvido que aconteça uma impugnação da chapa. A bem da verdade, não acredito também na possibilidade de impeachment. Porque não há base constitucional e jurídica para isso. Não tem um único ato que ela tenha cometido que seja criminoso. A Dilma é extraordinariamente decente. Não sei o que vai acontecer se a economia continuar ruim e se as pessoas não sentirem nela uma esperança. Mas não vejo chance para o quadro de impeachment. A situação brasileira no momento está muito delicada.
Houve uma hipótese de alguns setores do PT que imaginavam que a saída da Dilma poderia ser boa para eles chegarem em 2018 como oposição. Você lia muito sobre isso nos jornais, deve ter havido alguma coisa nesse sentido. O Lula cortou essa ideia pela raiz. Ele abraçou a Dilma. Os dois são um só. Não tem saída para o PT, é Dilma ou Dilma. Eu não gosto de ficar raciocinando no imediatismo. Mas, agora, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está em uma situação muito difícil. Então, diria que os ventos estão soprando a favor do lado do governo.
As acusações contra o Cunha são boas para o governo?
Ajuda o governo a respirar. Mas o o problema é que precisa resolver certas questões estruturais. O que tem de fazer é recuperar o crescimento da economia. As perguntas são quem será capaz de fazer isso e como. De 2008 a 2014, Lula, e depois Dilma usaram modelos heterodoxos. Deram certo durante um tempo e depois deram errado. Por isso ela chamou um ortodoxo como o Joaquim Levy. Não foi porque ela acredita nele. Foi uma avaliação de que era a única chance. Não tenho a menor ideia se ele conseguirá fazer o Brasil voltar a crescer. Voltar uma política econômica heterodoxa, como esse manifesto da esperança pede, deu errado e não tem como voltar a isso. Outro ponto é que, enquanto isso acontece, você tem de ter colchões para os mais pobres. Não pode deixar que os ex-miseráveis voltem à miséria. É um imperativo ético e político. Como é possível coordenar essas duas coisas? Para proteger esses vulneráveis, é preciso ter dinheiro. E não há dinheiro para desenvolver a economia. Como haverá sustentação política para medidas desse tipo?
O que me parece muito claro é que o empresariado não está afim de impeachment, golpe paraguaio nem nada desse tipo. São inúmeras declarações contrárias. O Brasil já está cheio de dificuldades e eles sabem que isso não é uma solução, será mais um problema. Tirar a Dilma de maneira duvidosa é grave porque coloca um governo ilegítimo no lugar. Como alguém nessa situação vai conseguir tirar medidas econômicas dolorosas? Tem todas essas pessoas que estão insatisfeitas com esses cortes e recuos em programas sociais. E, de repente, eles podem culpar outro e não o PT pelos cortes. E O PT dizer que com ele não seria assim. É um jogo louco. Para que um empresário vai querer isso? O que ele ganha com um momento de conturbação, de tumultos na rua, greves e tudo mais?
Como foi sua relação com os parlamentares no período em que foi ministro?
Fui duas vezes à Comissão de Educação da Câmara e outras duas à do Senado. Fui bem recebido e as conversas foram muito boas. Apenas um tanto longas. A gente fixava um horário e era extremamente extrapolado. Nisso, não tive problema nenhum. De outro lado, fui procurado por diversos parlamentares, isso é constante. Recebi alguns, outros trataram diretamente com os meus secretários. De modo geral, ocorreu sem problemas. Só no final que houve um pequeno grupo de quatro deputados, que se diziam católicos, e que eram contra aquilo que eles chamam de “ideologia de gênero”. Foi uma reunião áspera, inclusive porque eles começaram a gravar a conversa sem pedir autorização. Nós tivemos de parar essa gravação que estava sendo feita de maneira clandestina.
Tenho de levar em conta que não houve maiores problemas porque o Ministério da Educação foi completamente blindado pela presidenta Dilma. Jamais chegou para nós uma indicação político-partidária para nada. Nunca passei por isso que você lê, de receber indicações para segundo, terceiro ou quarto escalão. Mas houve um conflito sério por causa do braço estruturante do Mais Médicos que fica no MEC, que é a formação de novas faculdades de Medicina no Brasil como um todo. Houve uma reclamação dos que perderam no edital. Há recursos cujo resultado da análise deve ser divulgado nos próximos dias ou semanas. Houve uma reclamação em especial contra o fato de a Universidade de Ijuí (RS) ter perdido na cidade dela para uma universidade de fora do Estado. Deputados gaúchos foram reclamar e dizer que não queriam outra instituição que não a Unijuí. Tive de dizer a eles que é preciso seguir o curso legal. Não houve maiores problemas além desse.
A relação entre o governo e o Congresso impactou no seu trabalho?
No caso do MEC, isso impactou muito pouco. A gente tinha poucos projetos de lei em trâmite no Congresso. Havia uma proposta que eu não dei andamento, que era a criação de um instituto para fazer a avaliação das instituições de ensino superior privadas. Não levei adiante porque percebi que não passaria. Estamos em um ano em que o governo está muito fraco e cada um dos deputados percebe que o seu voto tem valor. Por isso, a negociação com eles não é fácil. Nesse caso, preferi esperar mais um tempo, até porque o projeto criava uma centena de cargos e não há um ambiente favorável para isso na sociedade. Acho que em termos de excesso de cargos e de remunerações, o problema é bem mais expressivo no Legislativo do que no Executivo. No Parlamento há mais cargos do que precisam e salários mais altos do que deveriam. Mas não tive problemas com o Legislativo. Nem com o Judiciário, a propósito.
E quais foram os maiores problemas que teve de enfrentar?
O nosso mal foi a falta de dinheiro e um fenômeno, que as próprias pessoas dentro do MEC denunciavam, que é o chamado “bolsismo”. Uma série de medidas que foram tomadas para melhorar a educação nesses anos resultavam no pagamento de bolsas. Criou-se uma situação em que é difícil que as pessoas se mexam sem que se pague um adicional por isso.
Cheguei ao ministério em um momento em que havia toda essa construção de problemas e que muitas coisas que deram certo no passado chegaram a seu momento de crise. Acho inteiramente normal que isso aconteça. Depois de doze anos de êxito, acaba o dinheiro. Há doze anos de programas que funcionam e de repente você percebe que eles não funcionam tanto assim. O ruim é que isso tudo veio junto. É a super lei de Murphy. Além da falta de dinheiro, vem junto a crise do modelo, a percepção de que a educação básica não está melhorando como deveria e que o ensino superior está com problemas porque existem feudos que se instalaram e estão pouco dispostos a cumprir o papel deles pelo país. Todos esses problemas ao mesmo tempo tornaram a situação muito difícil. O Brasil vai ter de mexer com isso. O país está precisando de uma gigantesca mudança, o problema é quem ou quens, talvez tenha de ser no plural, que vai promover essas mudanças. Precisamos alterar a matriz econômica, a forma de pensar a educação e a responsabilidade das pessoas em relação à política, só para falar em algumas coisas.
Como fazer isso com a classe política que temos hoje?
Não vai ser fácil porque de fato nossos políticos estão muito aquém disso. Agora, nem todos são assim. Tem gente muito capacitada também, no Ministério, por exemplo. Tive uma impressão muito melhor dos ministros do que eu tinha antes. Você vê que tem gente que passa de uma pasta para outra e realmente toma conhecimento dos dossiês sobre cada uma das áreas. Um exemplo é o Aldo Rebelo, que está no terceiro ministério dele: Esportes, Ciência e Tecnologia e, agora, Defesa. Em todos eles se saiu bem. Você não tem uma situação em que todos os políticos são ruins. O problema é que no meio de toda essa crise brasileira surgiu o Cunha também. Ele apelou aos níveis mais inferiores do chamado baixo clero em troca de vantagens muito imediatas.
Mas ele conseguiu impor uma pauta própria, não?
Veja que existe toda uma briga em relação à maioridade penal, mas foi construído um certo consenso. Esqueça o Cunha. Pense que o governo negociou com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Pense que o PT e o PSDB – que, afinal das contas, são partidos melhores do que a maior parte – negociaram. Quais os pontos em que a coisa caminhou? Há alguns princípios, não sei tudo isso será colocado em lei. Aumentar o tempo de internação dos jovens para determinados crimes, entendendo que três anos é pouco. Mantém a menoridade penal, mas faz essa alteração. Outro ponto, punir severamente o adulto que participa de um crime ao lado de um adolescente. Ou porque o adolescente assume o crime e é mais fácil de se safar ou porque o adulto o incentiva a cometer os delitos. Criar uma situação que seja péssimo para o adulto fazer isso. Há soluções. Ficou muito na discussão de Cunha querer reduzir e o governo ser contra a redução. Existe um problema real de uma criminalidade juvenil grave. Mas existem acordos que vão sendo construídos. Por isso que eu digo que há um lado nisso que é muita fumaça. Se você olhar o projeto do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), já não é a mesma coisa do Cunha. Vai ter de existir negociações nisso. Não tenho condições de prever se ele vai durar ou não. Há uma falta de lideranças, mas existe uma condição de fazer negociações melhores do que as que foram conduzidas até agora. Mesmo com esses líderes que a gente tem.
Não é um contrassenso que os dois partidos que chegaram ao segundo turno da eleição presidencial do ano passado sejam mais progressistas que o Congresso?
Nas questões comportamentais são mais progressistas. Tem de abrir outras discussões. Antes de ser ministro, no começo do ano, falei que uma das piores coisas que a gente poderia fazer é deixar a direita se grudar na extrema-direita, que é essa direita comportamental. Gente que é contra a vida, contra sexo, contra nome social, tudo isso. Esse povo ficou forte demais com o Cunha. Uma parte pequena do PSDB aderiu a isso. Se você deixar que os dois grudem, bau-bau, acabou. Mesmo chamando o PSDB de direita, termo que eles não aceitam, tem de se criar um espaço de negociação. Você tem de juntar mais, o país ficou muito polarizado. Quem leva vantagem dessa situação é o Cunha e, quando ele sair, avantajará outros. Estamos em uma situação maluca que, dois anos depois daquelas manifestações que prometiam um novo Brasil, o país está pior agora do que antes em termos de atores políticos.
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Para Renato Janine Ribeiro, Dilma é alvo de injustiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU