Por: André | 23 Outubro 2015
Após o falso anúncio de um tumor, crescem versões de complôs contra o Papa.
A reportagem é de Elisabetta Piqué e publicada por La Nación, 23-10-2015. A tradução é de André Langer.
Na quinta-feira, dia seguinte ao alvoroço provocado pela falsa notícia de um tumor cerebral descoberta no Papa – desmentida categórica e reiteradamente pelo Vaticano –, os jornais italianos derramaram rios de tinta sobre “a sombra” de conspiradores, complôs, confabulações e tramas ocultas que espreitam o Papa Francisco.
A imprensa e vários cardeais relacionaram a versão da visita secreta do Papa a uma clínica de Pisa para ver um especialista japonês em tumores cerebrais – publicada pelo grupo de Bolonha integrado por Quotidiano Nazionale – Il Resto del Carlino – La Nazione – com a série de episódios que nas últimas semanas sacudiu o Vaticano em pleno Sínodo dos Bispos, um encontro crucial para o Pontificado reformador de Francisco, que tem uma crescente oposição conservadora.
Tamanho foi o alvoroço sobre os supostos complôs, que até o cardeal Walter Kasper, figura da ala mais liberal do Sínodo e próximo a Jorge Bergoglio, denunciou na imprensa italiana “uma tosca tentativa de condicionar o trabalho da assembleia. Mas não conseguiram. Ninguém conseguirá manipular o Papa”.
Às vésperas da assembleia, de fato, aconteceu a clamorosa “saída do armário” do alto prelado da Congregação para a Doutrina da Fé, Krzysztof Charamsa, que agora vive feliz com seu noivo catalão em Barcelona e que na quarta-feira foi suspenso do sacerdócio.
Uma semana mais tarde, foi vazada a carta que 13 cardeais conservadores entregaram no primeiro dia do Sínodo ao Papa na qual questionaram a nova metodologia da assembleia e o acusaram de querer “predeterminar” seu resultado. A existência dessa carta explica por que, no segundo dia da reunião – que termina neste fim de semana –, o Papa surpreendeu ao recordar que ninguém estava colocando em dúvida a doutrina tradicional sobre o matrimônio e ao pedir que não se caísse em “teorias conspiratórias”.
Foi um chamado que, como muitos esperavam, caiu no vazio, dado o surgimento do chamado “despropósito” (“bolazo”) na quarta-feira sobre o tumor benigno do Papa no cérebro, uma notícia desmentida até pelo Takanori Fukushima, o médico japonês de renome que tinha sido implicado no caso.
Como se informou, o próprio L’Osservatore Romana, jornal da Santa Sé, destacou que o momento escolhido para lançar semelhante falsidade revelava “a tentativa manipuladora” da publicação. Após semelhante afirmação do jornal do Vaticano, a maioria dos jornalistas italianos seguiu esta interpretação, de que se tratava de uma “armadilha” ou “conspiração” contra o Papa.
O Corriere della Sera não duvidou em denunciar uma “operação” que “pode ter sido pensada no subsolo mais turvo do Vaticano para deslegitimar Francisco”. Também pode ter sido articulada em “ambientes externos à Igreja” que lhe são hostis.
Na mesma linha manifestou-se o jornal La Repubblica, que até mencionou “um complô diabólico para atacar o Papa”, segundo dom Gianfranco Girotti, e garantiu: “Reforça-se a suspeita de que por trás dos ataques podem estar as hierarquias”.
“Esta é uma espécie de estratégia apocalíptica – também presente na Sagrada Escritura – para desacreditar quem tem o poder: falar mal dele, divulgar notícias absolutamente falsas, de modo que mais pessoas comecem a pensar que há a necessidade de uma mudança”, disse ao La Repubblica o arcebispo argentino Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica Argentina, próximo ao Papa. “Mas é um jogo conhecido e por este motivo não creio que Francisco vai se deixar impressionar”, acrescentou.
Perguntado sobre se pensava que o Papa tem inimigos, Fernández, membro da comissão responsável pela elaboração do documento final do Sínodo e que ajudou o então arcebispo Bergoglio na redação do documento da Conferência de Aparecida, Brasil, em 2007, respondeu: “Penso que há pessoas que não gostam deste pontificado. Talvez o sucesso que Francisco teve nos Estados Unidos não tenha sido bem assimilado e alguém esteja preocupado com isso. E este alguém não pode fazer outra coisa senão tentar enfraquecer a figura do Papa, a sua pessoa”.
Muitos analistas evocaram o chamado “Vatileaks”, o escândalo decorrente dos vazamentos de documentos reservados por parte dos “corvos” anônimos que sacudiu a última parte do pontificado de Bento XVI.
“Os mesmos corvos que fizeram cair Bento XVI agora querem derrubar Francisco”, disse ao La Nación um veterano vaticanista italiano do rádio. Outra fonte do Vaticano, alarmada, confiou ao La Nación que pensava que se tratava tão somente do começo de uma campanha contra o Papa e que haverá mais sobressaltos.
Afastados destes venenos, a portas fechadas, no entanto, os 270 padres sinodais receberam na quinta-feira à tarde um primeiro rascunho do documento final, que recolhe alguns dos 1.300 “modos” (emendas apresentadas ao longo das três semanas de debates sobre o Instrumentum laboris pelos grupos linguísticos).
Segundo adiantou na entrevista coletiva diária o cardeal indiano Oswald Gracias, que faz parte da comissão de redação deste relatório e é membro do grupo de nove consultores do Papa, o rascunho tem cerca de 100 parágrafos. Este será debatido hoje pelos bispos, que poderão propor novas mudanças. Uma vez reelaborado, o documento final – de caráter consultivo – será lido na aula no sábado pela manhã e pela tarde votado parágrafo por parágrafo e depois globalmente.
Significativamente, o cardeal Gracias reduziu qualquer expectativa em relação a aberturas no tema da comunhão aos divorciados recasados, que dividiu conservadores e progressistas. “É um texto moderado. O ponto é que seja aceitável por todos”, disse. “Tem direções gerais, orientações pastorais, não toca na doutrina – precisou –, mas não terá respostas para as situações difíceis das famílias”.
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Uma chuva de teorias conspiratórias inunda o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU